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Como seria um governo de Bolsonaro para os negros?

5 de outubro de 2018

Alma Preta conversou com lideranças do movimento negro e analisou propostas de governo para ter pistas do que significaria a sua eleição para a população negra

Texto / Guilherme Soares Dias
Imagem / AFP 2018 / Miguel SCHINCARIOL

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A cada nova pesquisa que mostra o candidato Jair Bolsonaro (PSL) na frente das pesquisas um arrepio sobe em quem considera que o governo do capitão reformado pode ser um atraso econômico e social para o Brasil. Mas como seria um governo de Bolsonaro para os negros? O Alma Preta fez essa pergunta para lideranças do movimento negro que acreditam em acentuação da pobreza, reversão de conquistas sociais, como cotas, maioridade penal em 18 anos, bolsas sociais, e aumento da violência contra negros, em consequência da liberação do porte de armas e da cultura beligerante imposta pelo próprio candidato.

O cenário desenhado pelos ativistas do movimento negro é desolador, mas crível, já que é baseado em declarações do próprio candidato. Além disso, as lideranças ouvidas acreditam que a liderança de Bolsonaro nas pesquisas só é possível porque há um ódio gestado em parte da sociedade, que endossa ideias defendidas por ele. Ou seja, mais do que incitar ódio ou criar pautas enviesadas, o candidato do PSL seria uma demanda de parte da população que pensa como ele.

“Gestou-se ódio da política. Esse é um processo longo. Não se planta semente do fascismo de uma hora para outra. Em um governo como o dele, não seria necessário o uso de aparelhos repressivos para mostrar força. Há um processo de fascismo do cotidiano, que não vai estar apenas no poder”, considera Silvio Almeida, advogado e presidente do Instituto Luiz Gama.

Sem considerar o candidato democrático, Sueli Chan, educadora e militante dos movimentos feminista e negro, acredita ele não ouviria as demandas dos mais pobres, da oposição e nem mesmo de possíveis aliados que formarem o seu governo.

“Ele é autoritário. Será um governo de terror em que deve haver ameaças de volta dos militares e fechar o governo. O candidato prega um ideário militar dos mais conservadores. Ele já disse que iria romper com a ONU (Organização das Nações Unidas) e isso significaria romper todos os tratados de direitos humanos”, lembra.

Economia

No campo econômico, Sueli Chan lembra que Bolsonaro prega política privatizadora, contra programas sociais de transferência de renda que fizeram com que o Brasil saísse do índice da miséria. “Não vai fazer nada que favoreça os pobres. Vai trabalhar para os mais ricos”, diz.

Silvio Almeida também acredita na radicalização de pautas neoliberais, com ampla privatização e não fornecimento pelo Estado de serviços básicos. “Deve haver uma reforma radical da previdência social, terminar com assistência social. Dar força plena para os planos de saúde e acabar com o modelo universal do Serviço Único de Saúde (SUS), além de terminar com o modelo de faculdade totalmente gratuita e privatização dos presídios”, afirma.

O discurso considerado “duro” do candidato, segundo Maria José Menezes, coordenadora do núcleo consciência negra na USP e ativista na Marcha das Mulheres Negras, demonstra que o candidato do PSL está a serviço do grande capital. “Defende a pauta que o DEM, MDB e partidos conservadores também encampam e implementaram. Isso acarretará menor acesso ao mercado de trabalho e também menor acesso ao ensino”, considera.

Haverá perdas também para a classe média, de acordo com Hélio Santos, presidente do Instituto Brasileiro da Diversidade (IBD), ativista do movimento negro, professor e pesquisador. “Vamos ter regressão do que conquistamos. No governo Temer já começou a acontecer e isso será aumentado. Nenhum lugar do mundo pretende desenvolver o neoliberalismo no grau que o economista dele pretende. Vai entregar a economia para terceiros. E essa austeridade vai causar mais desemprego, mais informalidade. É uma tentativa de apagar o incêndio com gasolina”, avalia.

Direitos sociais

Com relação aos direitos sociais, Sueli Chan acredita que a sociedade perderá um direito atrás do outro. “Bolsonaro deve eleger muita gente que pensa como ele para o Congresso. Além de não respeitar a Constituição, o que favorecerá a aprovação de projetos como a redução da maioridade penal”, acredita.

Questionados se um governo de extrema direita pode fortalecer a sociedade civil e a militância, Sueli diz que não tem tantas esperanças, mas que espera que os movimentos sociais consigam e possam ir para rua pressionar o governo. Já Silvio Almeida acredita que a violência vai se voltar contra movimentos sociais e sindicatos. “Não sei se eles estão preparados para resistir a isso e se tem meios para gritar quando estiver embaixo de uma bota. O momento é delicado”, considera.

Os sindicatos e movimentos sociais seriam vistos como inimigos que devem ser exterminados, de acordo com Maria José. “Nossa grande luta continuará sendo para que todas as pessoas sejam tratadas com cidadania. Ter um governo em que direitos sociais e civis não tem importância é desesperador”, diz.

Silvio lembra que o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, general Hamilton Mourão (PRTB), manda recados que parecem desastrados, mas são bem dados. “Ele mostra que a reforma trabalhista não foi o fundo do poço. Pretende remodelar questões como o décimo terceiro e criar novos impostos. Isso vai aprofundar da desigualdade e criar tensões sociais. É um verdadeiro tiro no escuro”, diz.

Para Hélio Santos, o capitão da reserva oferece uma vantagem que é a de dizer o que fará: “ele já declarou que vai acabar com as cotas, reduzir maioridade penal, reverter regularização de terras quilombolas. Os negros minimamente informados que declaram voto nele ou são analfabetos da própria história ou são kamikazes”, declara. O professor lembra que pautas como fim das cotas são promessas de campanha e que os eleitores dele também devem cobrar que o candidato implemente essa agenda.

O pesquisador lembra ainda que alguns setores emprestam ao PT os créditos por avanços em políticas sociais, mas reforça que elas são resultado do ativismo negro. “Estamos pagando justamente pelo que não foi feito nos governos do PT, que poderia ter feito muito mais para acabar com a desigualdade. Não dá para falar de um possível êxito de Bolsonaro, sem criticar o PT”, avalia o professor

Já a violência contra a população negra, segundo Sueli Chan, deve ser multiplicada. “Nós seremos as vítimas prioritárias nessa história”. Hélio Santos acredita que vai haver liberação para matar negros. “Isso já acontece, mas isso vai avançar. Há uma vocação beligerante do governo. O negro vai ser mais vítima. É da cultura do bolsonarismo”, diz.

A eleição de Bolsonaro seria um novo capítulo da tensão social que se estabeleceu no Brasil desde 2013. “O país não será pacificado e atos de violência serão cada vez mais extremos. Isso atinge fatalmente a população negra, que é sempre a mais atingida e é maioria da população (54%), que ficará ainda mais a mercê de discurso que coloca a inferioridade do negro como direito”, considera Silvio Almeida.

No campo da cultura, por sua vez, a possibilidade de ter Alexandre Frota no Ministério da Cultura ou acabar com o ministério seria matar as culturas popular, indígena e ancestral, de acordo com Sueli Chan. “Vamos retroceder e isso vai voltar a ser considerado cultura atrasada”, diz a pedagoga.

Ditadura/totalitarismo/tensão social

Caso esse possível governo se desdobre num modelo de totalitarismo, Silvio Almeida avalia que seria um modelo próximo do franquismo (ditadura de Franco na Espanha) ou salazarismo (ditadura de Antônio Salazar em Portugal), em que a população demonstra no cotidiano sua adesão ao pensamento que ocupa o governo federal, combatendo possíveis opositores”, projeta.

Silvio lembra que um possível governo Bolsonaro seria prejudicial para todo o conjunto da população brasileira. Ele acredita que como presidente Bolsonaro aumentaria pautas da moralidade, dividindo a sociedade entre corruptos e honestos. “Ele fará uma linha de corte de perseguições políticas baseado na ideia da corrupção. Alguns serão considerados corruptos, comunistas e de esquerda para ativar o dispositivo persecutório, que será legitimado”, avalia.

Os aparelhos de repressão em um possível governo Bolsonaro podem ser acionados, segundo o advogado, para garantir a aprovação de algumas pautas. “Não será necessário controlar meios de comunicação, que são aderentes a essa pauta. Completamente concordes com a radicalização e perseguição que pode ser efetuada pelo poder executivo”, acredita.

O advogado duvida da capacidade do candidato governar por si próprio. “Quais condições de tocar o poder ele mesmo terá? Como não tem base parlamentar, terá que mostrar resultado rapidamente. Além disso, vai ter que pagar a fatura do apoio aos empresários. É uma conta que não fecha”, considera.

Caso a eleição de Bolsonaro realmente ocorra, Silvio acredita que a sociedade passará por um período de perplexidade, que serão sucedidas por medidas draconianas e fortes. “Como ele vai adotar isso, vai depender de como será composto o Congresso. Isso vai definir se vai utilizar de mecanismos institucionais ou a força”, considera.

Hélio Santos acredita que caso Bolsonaro assuma o comando do país, continuaríamos sem uma perspectiva de projeto de nação e a questão étnico racial não seria considerada. “Ela já não foi estruturante por governo algum, mas no governo Bolsonaro isso seria zerado”, diz.

A equidade, segundo Hélio Santos, não existirá no governo Bolsonaro. “Nada mais desigual do que tratar todos igualmente. Todo tratamento de políticas afirmativas será estagnado ou revertido. Haverá um retrocesso de décadas de luta”, acredita. Ele lembra que o governo de Michel Temer (MDB) reduziu a atuação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), mas não a extinguiu, mas acredita que Bolsonaro pode fazer isso.

Hélio acredita que o sucesso da campanha do candidato do PSL é um retrato da sociedade brasileira. “Há um comportamento fascista desde que políticas afirmativas foram colocadas, como a aprovação dos direitos das empregadas domésticas. Temos cultura escravista e preconceituosa, por isso, bater no Bolsonaro chamando de homofóbico, racista, fortalece ele, porque a sociedade também é assim”, considera.

O bolsonarismo emerge, segundo ele, a partir do sentimento reprimido de raiva. “O movimento #elenao nas ruas que foi sucesso, aumentou o percentual de mulheres que votam no Bolsonaro. Isso é um sinal de grupo raivoso que não gosta de ver determinado tipo de gente buscando direitos, uma vez que houve crescimento dele nas pesquisas, advindo de percentual de mulheres que pretendem votar nele”, avalia.

No Congresso, as bancadas da bala, do boi e da bíblia se encaminham para apoiar o bolsonarismo por serem conservadores, de acordo com o presidente do IBD. Ele acredita, no entanto, que todos que enfrentaram a ditadura devem ficar contra o capitão reformado no segundo turno das eleições e acredita que o episódio em que sofreu uma facada ajudou em sua campanha. “Ele foi o grande beneficiário. Saiu de pessoa violenta a vítima e foi tudo que precisava para não participar dos debates. É uma pessoa de sorte”, afirma .

Maria José Menezes questiona justamente os possíveis eleitores do candidato sobre quando haverá novas eleições, caso ele seja eleito. “Ele defende o partido único, a retirada de direitos civis da população. Isso coloca em xeque a democracia e aumenta a vulnerabilidade da população”, considera.

Plano de governo

A jornalista Simone Freire analisou aqui no Alma Preta o plano de governo do candidato. A matéria ressalta que Bolsonaro ignora totalmente a existência da população indígena e negra no país: as palavras negro, negra, indígena, etnia e raça, por exemplo, não aparecem em nenhum momento nos 81 slides, desconexos e simplistas, do plano de governo do militar da reserva. Muito menos existem propostas de políticas de ações afirmativas.

As redes sociais estão lotadas com vários exemplos de como ele alimenta a cultura da violência racista. “Eu fui em um ‘quilombola’ em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas [unidade de medida para peso de gado]. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”, disse, aos risos do público durante uma palestra.

Ao trazer o debate da educação, Bolsonaro defende a meritocracia. O candidato já havia exposto sua opinião durante sua vida parlamentar: “Negro? Qual a diferença minha pra um negro? Ele é inferior a mim? O Joaquim Barbosa chegou lá como? O Obama chegou lá como? É mérito! Se nós queremos democracia, meritocracia, né? Tem que ser desta forma”.

A revista AzMina também analisou as propostas do candidato pensando em como seria o governo para as mulheres. O material escrito por Maria Martha Bruno cita as menções às mulheres no plano de governo. Em uma delas, destaca o “combate ao estupro de mulheres e crianças através de mudança ideológica”. A frase está dentro do tópico “Segurança e combate à corrupção” e vem acompanhada de um gráfico com o percentual das vítimas de estupro em relação aos estupros coletivos. Não há, no entanto, a explicação de como esse combate seria feito ou quais medidas seriam tomadas. Bolsonaro apresentou em 2013 um projeto de lei em que aumenta a pena e condiciona liberdade do estuprador à castração química, que usa medicamentos hormonais para reduzir os impulsos sexuais de forma temporária. 

O material lembra ainda que a preocupação com segurança, no entanto, não se estende às principais violências sofridas pelas mulheres. O 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que o número de feminicídios cresceu 21% em 2017 em relação ao ano anterior. Todos os dias, 606 casos de lesão corporal dolosa são enquadrados na Lei Maria da Penha. O programa de Bolsonaro não menciona nenhuma dessas questões.

Já a declaração do general Hamilton Mourão (PRTB), candidato a vice de Bolsonaro, de que casas chefiadas por mães e avós são “fábrica de desajustados” é questionada por Maria José Menezes.

“Ele falou o que os militares pensam. Somos um país que teve processo de trabalho forçado, com escravidão por mais de 300 anos. Há uma parcela importante da população que não tem direitos. Nós mulheres negras, que somos o maior número a chefiar casas, não temos direitos básicos garantidos, nem ao próprio corpo. Todas essas declarações são toscas, mas uma parte da população é conivente e mostra a radicalidade desse governo que se anuncia”, diz.

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