“Salve, pombagira!”. Foi essa a mensagem que a cantora pernambucana Karynna Spinelli passou ao se apresentar na última sexta-feira (15), no 30º Festival de Inverno de Garanhuns, no Agreste Pernambucano. A fala, que tinha por objetivo saudar a entidade que faz parte da relação da artista com a sua espiritualidade, acabou sendo alvo de intolerância religiosa. O deputado federal Fernando Rodolfo (PL-PE), que é natural da cidade, pontuou como “inaceitável” a declaração da cantora em publicação nas redes sociais, gerando discussão.
Apresentado como cristão e conservador, o parlamentar retirou o trecho exato em que a cantora, no meio de uma interpretação musical, cita o nome da entidade. Como complemento, ele ainda publicou um texto em que afirma considerar “uma afronta e uma falta de respeito com os cristãos”.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
“E por sermos cristãos queremos o bem da cantora como de todos, mas não podemos aceitar a invocação da “pombagira” para uma abertura de um evento cultural numa cidade de predominância cristã. Nós deveríamos invocar o Espírito Santo. Salve Jesus Cristo de Nazaré! Igreja, oremos por Pernambuco”, complementou.
Vários foram os comentários contrários à declaração de Rodolfo, gerando discussão sobre a liberdade de expressão e religiosa. Alguns internautas ressaltaram a importância da diversidade cultural dentro do festival e relembraram o conceito de ‘laicidade’, em que o Estado não pode permitir a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiar uma ou algumas religiões sobre as demais.
A declaração do deputado ainda ganhou endosso do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP). Em vídeo compartilhado no próprio perfil de Rodolfo, o também pastor parabeniza por sua postura nas redes e afirma que o parlamentar “não está sozinho nessa luta”. Por fim, Feliciano ainda declara que, enquanto parlamentares, não podem aceitar calados quando “artistas sobem ao palco para invocar entidades espirituais e insultar Jesus Cristo”, acusando os artistas de serem contrários aos “valores cristãos”.
Como resposta, Karynna Spinelli, que é fundadora do Clube do Samba do Recife, publicou uma nota denunciando a publicação do deputado federal como uma prática de intolerância religiosa. A artista classificou como deplorável e desrespeitoso o posicionamento do parlamentar e ainda exigiu que o mesmo retirasse do ar a publicação.
“A Jurema e o Candomblé que pratico não reverenciam demônios, não atacam outras religiões. Nossa ciência acolhe, ensina e abençoa. Sua fala de ódio não representa nenhuma religião. Isso apenas reforça o quanto votamos errado, o quanto nossa sociedade está adoecida”, reitera a cantora.
Leia também: “Pilantra”: vereador é acusado de desmerecer Zé Pilintra e responde por intolerância religiosa
Em conversa com a Alma Preta Jornalismo, a artista ainda definiu a condução da postagem como desrespeitosa e violenta, não só com ela, mas com a população praticante de cultos afro-brasileiros.
“Na realidade, ele relacionou a minha homenagem a uma entidade extremamente importante no culto da Jurema Sagrada, da qual eu faço parte, com algo ruim. Isso é sério e me constrange enquanto mãe, mulher, filha de terreiro e artista. Não é só ‘Karynna’, mas um desrespeito a todo um coletivo, que sofre muito com violências cotidianas desde sempre. Frente à isso, um gestor público endossa a violência e desrespeita a liberdade de credo”, pontua.
Questionada sobre o discurso do deputado, a artista também relacionou o discurso do parlamentar com um movimento nacional de intolerância que, dada as estatísticas, cresceu nos últimos anos, principalmente após a entrada do atual Presidente da República, Jair Bolsonaro.
“Já era de se esperar que as pessoas que o apoiam, esses gestores públicos, ajam da mesma maneira, pelo Presidente da República endossar isso. Essas pessoas não consideram e não respeitam o próximo, os nossos cultos e ainda têm respaldo. Talvez, acredito que elas não saibam o que significa a palavra ‘laico’”, afirma.
Após o compartilhamento da publicação e a discussão gerada nas redes sociais no início da semana, a artista desabafa que ficou triste com a exposição e, principalmente, com alguns comentários maldosos, que a associava a adjetivos como “bandida” e mais. Agora, Karynna adianta que está, junto ao seu jurídico, reunindo as publicações contra a sua apresentação e fala para, em breve, entrar com uma representação no Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
A Alma Preta Jornalismo buscou o posicionamento do deputado federal Fernando Rodolfo (PL-PE), mas a assessoria de comunicação não respondeu até o fechamento da publicação.
Leia mais: Jurema Sagrada e o sincretismo afro-indígena