Texto/Anna Laura Moura
Imagem/Agência Brasil
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A presença de políticos com discurso conservador durante as eleições faz parte da história e da democracia brasileira. No período eleitoral de 2018, porém, alguns candidatos da direita têm ido além e apresentado propostas que atingem de maneira mais sensível grupos sociais marginalizados, como negros, mulheres e LGBT’s.
Um dos projetos em discussão, por exemplo, é a liberação do porte de armas de fogo, responsável pelo aumento de 23% dos homicídios de negros na última década, segundo o Atlas da Violência de 2018.
Natália Neris, doutoranda em Direitos Humanos pela USP e mestra em Direito pela FGV, descreve em sua dissertação de mestrado, que virará um livro, como os direitos obtidos pela população negra durante a formação da constituição cidadã de 1988 podem se perder em meio ao avanço do conservadorismo.
“Esse momento político em que vivemos é importante. A constituição traz pontos fundamentais como o direito à igualdade. Esses aspectos dependem muito de políticas públicas e leis, para que possam ser garantidos e executados”, explica a autora da obra “A voz e a palavra do Movimento Negro na Constituinte de 1988”.
Para ela, um contexto de instabilidade democrática e de ascensão de grupos e candidatos conservadores ao executivo e legislativo podem fazer com que as leis conquistadas e os direitos garantidos pelos negros conheçam seu fim.
A presença do negro na Assembleia Nacional Constituinte e a atual conjuntura política
Muitos direitos conquistados pelo movimento negro durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, no Congresso Nacional, em Brasília, tinham a finalidade de elaborar uma carta magna mais plural e democrática para o Brasil.
A participação dos negros na Assembleia colocou em pauta diversas demandas, como o desejo pelo ensino de História da África nas escolas, hoje materializado pela Lei 10.639, que só foi ser aprovada em 2003. Entendia-se como importante que alunos negros e brancos conhecessem o legado africano e a resistência dos afrodescendentes no país.
Outras demandas encaminhadas durante o processo foram o fim da violência policial, melhores condições de vida, melhorias na educação e a criminalização do racismo, entre outras. A única que se materializou foi a descrição do ato de racismo como crime inafiançável, artigo presente na constituição brasileira.
Outras bandeiras, que não foram obtidos durante a constituinte, como a melhoria no acesso à educação, só foram alcançadas anos depois com a Lei de Cotas, aprovada em 2012 pela ex-presidenta Dilma Rousseff. Desde sancionada, a proposta tem apresentado resultados consistentes. Entre 2013 e 2015, a política afirmativa reservou aproximadamente 150 mil vagas para estudantes negros ingressarem em instituições de ensino superior em todo o país, segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
A pesquisadora, porém, acredita que diante da conjuntura, leis fundamentais para a população negra, como as cotas raciais, podem ser revogadas.
“Umas das poucas conquistas que tivemos podem ser vetadas”.
Natália Neris também afirma que os direitos conquistados por negros e indígenas são vistos pelos grupos mais conservadores como privilégios. Para ela, para inverter essa impressão, é preciso se compreender melhor como se dão as relações raciais no país.
“Para entender as pautas da negritude, é preciso primeiramente entender que há racismo no Brasil”, explica.
Ela completa e diz que no Brasil o máximo que se consegue enxergar são as desigualdades sociais, e não aquelas marcadas por raça ou gênero.
“Todos os dados demonstram que vai muito além da luta de classes. É racial, também. É por isso que tais pautas não são prioritárias”, conclui.
Em um trecho da conclusão de sua dissertação, que virará um livro, Natália espera que a obra ajude a reconhecer a participação da população negra para a formação do país, um caminho importante para que ela tenha acesso a direitos sociais.
“No entanto, entre avanços e permanências e para além das questões levantadas espera-se que este trabalho tenha contribuído para a percepção de que a interlocução direito e raça é fundamental para o debate sobre aprofundamento da nossa democracia porque negros e negras foram fundamentais no processo de sua (re)fundação, porque sem a erradicação da violação de direitos deste grupo e sem a minimização de desigualdades raciais tampouco se pode efetivá-la.”