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‘Dobradinha’ Lula e Alckmin: o que pensam as lideranças negras?

Lideranças acreditam que o povo brasileiro pode pagar um preço alto pela ideia de derrotar Jair Bolsonaro ampliando parcerias políticas com a centro-direita

Ricardo Stuckert

Foto: Ricardo Stuckert

14 de janeiro de 2022

Após 15 anos em que concorreram como rivais em eleições presidenciais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (sem partido), ensaiam formar uma aliança para 2022. A chapa, no entanto, tem causado divergências entre movimentos sociais e dirigentes do próprio Partido dos Trabalhadores (PT).

Fundador do PSDB e tucano por mais de 30 anos, Alckmin governou São Paulo por 12 anos, a partir de 2001. Ao todo, foram 23 anos fazendo parte do governo, já que também ocupou o cargo de vice-governador, secretário de Desenvolvimento e presidente do Programa Estadual de Desestatização do estado.

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Ele deixou o PSDB em dezembro de 2021, mas ainda não definiu sua próxima filiação. Em sua gestão como governador, diversos escândalos de violência policial, corrupção, privatizações ganharam corpo na maior metrópole da América Latina. 

Um exemplo são as denúncias de que, em 2015, a gestão de Geraldo Alckmin omitiu informações sobre os dados de homicídios causados por policiais militares. De janeiro a agosto de 2015, 571 pessoas foram mortas por policiais militares durante operações no estado de São Paulo, segundo levantamento da Ouvidoria das polícias paulistas. Em todo o ano de 2014 foram 838 vítimas.

Devido a esse histórico de polarizações entre os programas de governo do PT e do PSDB, a possível aliança entre Lula e Alckmin traz à memória de alguns dirigentes do Partido dos Trabalhadores e de membros da sociedade civil, toda a conjuntura política vivenciada em 2016, que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, e posteriormente, a ascensão de Bolsonaro e a “dissolução estratégica da máquina pública estatal”.

Mesmo erro

“A gente precisa pensar o que foi o governo Lula e o que a população está esperando”, diz a secretária nacional de combate ao racismo do PT de São Paulo, Andreia Teixeira Batista. Mulher, negra, periférica e lésbica, ela considera que o lobby do nome de Geraldo Alckmin como um eventual vice-presidente do Lula, é um contraste com a realidade brasileira.

“Eu não entendo ele [Alckmin] como sendo um grande ator da política nacional. Ele estava em um partido que disputou as eleições conosco e que não aceitou a derrota com tranquilidade. É um homem, branco, cis, de família abastada, paulista, que representa a elite do Sudeste, e não a nós, negros e negras, que somos a maioria da população”, ressalta Andreia.

Tiago Soares, secretário Estadual de Combate ao Racismo do PT de São Paulo declarou ser um equívoco a aliança com Alckmin. Segundo ele, a parceria com políticos ligados à direita traz consequências sérias para o Estado brasileiro até hoje – reformas da previdência, trabalhistas, sucateamento do Sistema Único de Saúde, privatizações e vendas de estatais.

“Olhando como negros e negras, a gente que se organiza na pauta antiracista, nossa expectativa, era que nós víssemos uma mulher negra ocupando esse cargo. Isso porque precisamos trazer a pauta de raça e gênero para a centralidade do nosso programa de governo”, pontua.

Leia mais: “Qual será o papel dos negros no governo?” questionam lideranças em encontro com Lula

Nem a pré-candidatura do ex-presidente Lula está certa, tampouco o nome de seu vice foi fechado. O próprio Lula já fez algumas declarações indicando a incerteza do nome de Alckmin: “troco de vice o tempo todo”, alerta ele. Contudo, segundo dados do Instituto Datafolha, a entrada do ex-governador de São Paulo pode aumentar a possibilidade de voto no petista para 16%.

Os dirigentes contam que, no PT, tem-se a tradição do titular escolher o vice, mas que as discussões internas podem acontecer para tentar convencer o candidato a mudar de ideia. A vertente que defende a aliança diz que é necessário construir uma frente ampla e democrática para destituir o grande opositor – o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), acha que o partido ainda está em uma situação muito adversa da correlação de forças políticas perante a sociedade. Ele diz que essa falta de apoio popular dificulta o avanço nos temas programáticos que envolvem as políticas de distribuição riquezas, aumento real nos salários, reforma urbana, agrária e trabalhista, por exemplo.

“Se para fazer mudanças reais no país o Lula tem que fazer alianças, o MST não vê nenhum problema. Achamos que as alianças são da natureza do jogo político. A dúvida política que se tem é se a aliança com o Alckmin pode produzir isso, ou não, isso significa força. Ele tem que ter força”, defende.

Não representa um futuro de avanços para o povo negro

Rodrigues pondera, porém, que se Alckmin tiver vetos às políticas identitárias, que envolvem as minorias ou a política que envolve as relações econômicas sociais, ele deve estar fora da chapa com o petista. Alguns membros do movimento negro e dirigentes do PT seguem a mesma linha.

Muitos falam que, com o histórico de escândalos do governo tucano – que vão desde a máfia das merendas, passa por chacinas na Cracolândia, escândalo na Nossa Caixa por favorecer deputados, crises hídricas e superfaturamentos – ele deve apresentar uma guinada à esquerda para que a “dobradinha” faça algum sentido.

O Movimento Negro Unificado, segundo Simone Nascimento, membra da coordenação estadual do MNU de São Paulo, terá uma reunião geral em maio em que vai definir seus posicionamentos, mas ela afirma que o Alckmin não cabe em um futuro de luta para o povo e nem para o fim do governo Bolsonaro. 

” [Alckmin] faz parte de um governo de morte contra negros, favelados, indígenas e periféricos. Quando ele foi eleito em São Paulo, em sua primeira gestão, ele fez uma promessa: ‘Em São Paulo bandido tem dois destinos: prisão ou caixão’. Fez um governo de morte nas periferias”, declara.

Já Dennis de Oliveira, coordenador da Rede Quilombação disse que os candidatos à presidência precisam lutar contra a extrema direita e garantir os direitos básicos para a população negra, como as ações afirmativas. Por isso, é fundamental que todos saibam quais seriam os acordos firmados entre Lula e seu vice. 

“Independente de quem será o vice do Lula é importante estar em um programa de governo único, que beneficie a população, que revogue essas reformas todas que aconteceram após o golpe de 2016. Ainda não está claro quais são os acordos que o Alckmin propôs, mas não podemos abrir mão desses direitos”, considera.

A Alma Preta Jornalismo entou em contato com a equipe do ex-presidente Lula, que não quis comentar sobre o assunto. Já por parte de Alckmin, não houve retorno.  

Leia também: Ex-eleitores negros e nordestinos de Bolsonaro miram voto em Lula em 2022

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