“Um dia, eu menino ainda, com sete ou oito anos, cheguei em casa e falei para a minha mãe: ‘Mãe, me chamam de negro para lá, negro para cá’. Ela disse: ‘Não dá bola. Sabe por que eles dizem isso? Porque eles têm ciúmes de ti. Porque você era um príncipe na África’”, lembrou emocionado um dos senadores da República com maior número de reeleições no Brasil. Paulo Paim, aos 72 anos, soma 40 anos de vida política. Ele não se candidatará nas próximas eleições e anunciou o fim da sua carreira como parlamentar para 2026, quando termina seu mandato.
Paim foi deputado federal pelo Rio Grande do Sul, de 1987 a 2003. Em seguida, entrou para o Senado, ficando por três mandatos consecutivos. Ao ser questionado sobre o porquê do afastamento, ele foi categórico: “É necessário renovação na política. Eu já dei minha contribuição”. Mas não descartou a possibilidade de concorrer para outros cargos eletivos ou de atuar na política institucional de alguma forma.
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“A gente nunca para. Não tem como parar. Eu pretendo passar o meu bastão, mas sempre vou ficar atuando, vigiando e acolhendo quem está chegando. Eu estou aqui para servir ao meu país e ao povo brasileiro”, afirmou o petista.
À Alma Preta Jornalismo, ele revelou que está escrevendo a sua autobiografia, onde traz histórias de sua infância, passando pela juventude e o movimento estudantil. O lançamento está previsto para 15 de março de 2023, dia do seu aniversário. Ele conta, também, sobre o princípio da sua carreira política, como sindicalista, e mostrar como enfrentou o racismo em todas as etapas, apoiando-se no movimento negro.
“Eu quero que ela [a biografia] seja um instrumento de referência. Um dos instrumentos para mostrar que a gente pode chegar lá”, disse.
Vida pública
Filho do metalúrgico Inácio Paim e de Itália Ventura, dona de casa e analfabeta, Paim cresceu de forma muito humilde. Certo dia, conta ele, durante a juventude, um professor quis disputar com ele quem era mais inteligente, levando apenas em conta a questão de cor. “Ele me disse que eu não passaria de um servente, um colocador de paralelepípedos. Pois bem, esse servente é um político consagrado e autor, inclusive, da legislação que legitima a profissão de gari”, lembrou o parlamentar.
De metalúrgico e líder sindical, Paulo Paim participou da Constituinte, assumindo uma cadeira no Congresso. O senador, que foi vice-presidente da Casa, já apresentou mais de mil projetos, durante os seus mandatos no legislativo. Na pandemia da Covid-19, quando o parlamento precisou se adaptar ao trabalho remoto, Paim bateu o recorde de aprovações de projetos. Ao todo, foram 20 projetos em dois anos.
Legislações como Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e do Adolescente e a política de salário mínimo estão no vasto currículo desde que carregava o título de ser o único senador negro do Brasil. Porém, ele destaca como seu maior feito o estabelecimento do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12288/2010). Foi a partir dessa lei que surgiram algumas políticas públicas para a população negra ou vulnerabilizada, como a lei de cotas universitárias e para funcionalismo público.
“Nós aprovamos uma moção pela libertação de Nelson Mandela e, em bancada negra, fomos à África do Sul. Lá fomos recebidos pela Winnie Mandela, das mãos dela eu recebi a carta pela libertação do povo sul-africano. Esse documento me inspirou a escrever o Estatuto da Igualdade Racial”, conta Paim.
“Voltamos ao Brasil, conversamos muito com o movimento negro, com as pessoas que eram contra e a favor, e formatamos o Estatuto que, na minha opinição, é um grande marco para todas as políticas públicas”, ressalta.
Eleições de 2022
Essas eleições são as mais importantes da história do país, segundo Paulo Paim. Mesmo começando sua carreira durante a Ditadura Militar, passando pela Constituinte e vivenciando, como parlamentar, todos os governos desde Collor, até hoje, ele expressa: “Eu nunca vi algo parecido com o que estamos vivendo neste governo”.
Paim diz que está chocado com o tamanho desmonte da nação brasileira, do aparelhamento da política, e descredibilidade dos poderes e da democracia. “Nunca vi tanta violência, tanta política de ódio, tanto ataque ao meio ambiente, aos povos indígenas e quilombolas, que são os guardiões das florestas e dos biomas, nunca vi tanto ataque às mulheres, à comunidade LGBTI e nem à população negra”.
O senador foi responsável pela relatoria da política do salário mínimo, por exemplo. Ele viajou aos 27 estados, indicado por uma Frente Parlamentar composta pela Câmara e o Senado, para pensar a legislação em conjunto com os municípios. Agora, ele vê a política de valorização do salário se esvair, com o salário fechando abaixo da inflação.
O valor de R$ 1.212 não chega a ser suficiente para comprar duas cestas básicas por mês na cidade de São Paulo, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A cesta básica custa em torno de R$ 700 na capital paulista. Assim, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), informa que 125,2 milhões de pessoas convivem com algum grau de insegurança alimentar, algo que corresponde a 58,7% da população brasileira.
“É preciso tirar esse governo. Espero que estejamos perto. Confio que Lula, juntamente com Alckmin – porque é preciso se fazer alianças – vão resgatar esse país. O Brasil tem tudo para ser uma nação de primeiro mundo”, disse o senador petista.
Agora, nos últimos quatro anos ocupando uma cadeira no Senado, Paim diz que vai trabalhar para construir mais oportunidades para pessoas negras adentrarem o poder. Segundo ele, vai se dedicar à formação, para que o congresso seja um local de equidade.
“Eu queria pelo menos um senador negro por estado, no mínimo. Queremos ter mais deputados e senadores negros, e constituir uma bancada negra de peso, que ainda não temos no Brasil”, conclui.
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