Proposta legislativa de autoria de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, quer liberar a publicidade de armas de fogo para quaisquer meios de comunicação em todo território nacional. O projeto (PL 5417/2020) permite à indústria bélica nacional e internacional divulgar armas, acessórios e munições em qualquer ambiente virtual ou analógico. Em pauta na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, a matéria encontra um quórum dividido, inclusive entre os membros da bancada armamentista.
O texto veda toda e qualquer censura, com ressalva das que já são proibidas legalmente, “de natureza política, ideológica, financeira e artística, inclusive ao direito da população de garantir sua legítima defesa, seja por meio de manter ou portar armas ou qualquer equipamento”.
A matéria permite, também, aos produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores a utilizarem veículos de comunicação social, redes sociais ou plataformas digitais e de aplicativos de mensagens para “divulgação que contenham imagens de arma de fogo, quaisquer que sejam suas formas de reprodução e apresentação”. Além disso, assegura os mesmos direitos aos instrutores de tiro e aos clubes, escolas, estandes esportivos de atiradores, colecionadores e caçadores em geral.
O deputado Eli Corrêa Filho, relator do projeto, considerou danoso qualquer incentivo à aquisição de armas de fogo por cidadãos. Para ele, embora a venda de armas tenha critérios rígidos a serem comprovados pelos compradores, se os fabricantes e distribuidores de armas puderem promover seus produtos eles o farão com a certeza de que podem aumentar as vendas.
“Isso porque quem nunca pensou na possibilidade, vai passar a considerar uma compra e quem já pensou, mas eventualmente não foi bombardeado sobre como ou onde, irá rever seu posicionamento e decidir pela compra”, afirmou o parlamentar em amplo debate na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, nesta terça-feira (31).
Matéria ilegal
No ano de 2000 um decreto (artigo 268, do Decreto nº 3.665/2000) regulamentou a fiscalização de produtos controlados e restringiu a propaganda de arma de fogo. Antes disso, a propaganda de armas de fogo no Brasil era permitida.
Atualmente, o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/ 2003) fala sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. A lei prevê multa de R$ 100 mil a R$ 300 mil para as empresas de produção ou comércio de armamentos que realizarem publicidade para vendas, “exceto nas publicações especializadas”. Proibindo, desta forma, a publicidade de armas de fogo.
Em seu parecer, o relator decidiu por manter o Estatuto do Desarmamento inalterado, já que este surgiu com a finalidade de “promover segurança pública por meio de um rigoroso controle e fiscalização sobre a circulação de armas de fogo, munição e respectivos acessórios”.
“De forma alguma, deve-se atribuir às armas de fogo o caráter de simples mercadoria. Portanto, não visualizamos qualquer conveniência social na propaganda irrestrita de armas de fogo. Em decorrência disso, discordamos com o escopo que motivou o autor a apresentar o projeto de lei”, declarou Eli Corrêa, que é a favor do porte de armas mas não da ampla publicidade.
A bancada armamentista e o lobby bélico
O deputado Luis Miranda, que compõe a bancada armamentista, disse que a promoção da venda de armas gerará um impulso consumista em pessoas, não habilitadas e com pouco preparo, para a compra de armas de fogo. No entanto, um dos argumentos colocados pelo parlamentar foi a possibilidade de que, essa matéria vá a plenário e gere um debate desfavorável a quem é a favor da liberação de armas.
“Vamos encerrar esse debate aqui nesta comissão, não vamos permitir que vá para outras comissões e chegue ao Plenário. Nós já tivemos ganhos, os estados já estão cientes dos direitos de se adquirir armas, hoje a legislação já permite. Então, se essa matéria chegar no plenário, vai gerar uma discussão enorme, vai voltar aquelas ideias de desarmamento novamente e não é isso que a gente quer”, alegou.
Outros congressistas que partilham da mesma ideia, como Aluisio Mendes (PSC-MA) e Paulo Ramos (PDT-RJ), também se manifestaram. Alguns mais conservadores como Capitão Derrite (PL-SP), Magda Mofatto (PL-GO) e Capitão Alberto Neto (PL – AM) se posicionaram a favor do texto.
Apesar de os parlamentares se manifestarem contra o lobby bélico no país, os números da indústria armamentista demonstram um incentivo cada vez maior para a compra de armas. As 100 maiores empresas da indústria bélica mundial venderam, em 2020, US$ 531 bilhões (R$ 3 trilhões).
Só empresas dos Estados Unidos são responsáveis por 54% desse valor. Os dados são do Sipri (Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo, na sigla em inglês). Segundo o instituto, as vendas do top 100 de empresas de armas foram 17% maiores que em 2015. O ano de 2020 foi o sexto consecutivo com crescimento.
Neste mesmo ano, os brasileiros gastaram mais de US$ 29 milhões para importar revólveres e pistolas, segundo o Ministério da Economia. O valor é 3.412% superior ao de 2016.
No Congresso e no Executivo, as canetadas aumentaram em 65% a circulação de armas no Brasil em tempo recorde. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020 foram mais dois milhões de armas registradas para defesa pessoal e outras 360 mil públicas, de uso restrito das forças de segurança, registradas no Sigma e Sinarm, os sistemas de fiscalização do Exército e da Polícia Federal, respectivamente.
Desdobramentos
O único parlamentar de oposição presente na reunião era o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Ele disse que o governo Bolsonaro, que deixou milhões de pessoas na miséria, no mapa da fome e sem segurança econômica, prefere pensar em armar a população do que investir em políticas públicas para ampliar direitos básicos.
“É uma desmoralização que o Congresso brasileiro, em um país como o nosso, tão desigual e tão violento, vote essa matéria. Por isso a oposição recomenda retirá-la de pauta”, reiterou.
Ele afirmou ainda que quanto mais armas estiverem disponíveis no mercado, mas elas serão utilizadas em crimes comuns e em “episódios conflituosos”. Para Teixeira, o uso de armas é um monopólio estatal que não deve ser utilizado em larga escala. “O que está correto é integrar União, estados e municípios em um plano de segurança pública. Esse projeto agrava a violência no país”, disse.
De acordo com o Atlas da Violência 2021, 70% dos assassinatos do país entre 2009 e 2019 foram cometidos com armas de fogo. Isso quer dizer que são 109 assassinatos com utilização de arma de fogo por dia desde 2009.
Sabe-se que as principais vítimas das armas de fogo no país são justamente as pessoas negras e pobres. O Atlas mostra que 77% das vítimas de homicídios no Brasil são negras. A taxa de de homicídios entre negros é de 29,2%, enquanto a de não negros é de 11,2%.
Após discussão desta matéria na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, ela poderá ir para a Comissão de Constituição de Justiça e, possivelmente, ao Plenário. Na quarta-feira (2), os deputados e deputadas que compõe a comissão vão selecionar os principais projetos de lei sobre segurança pública que serão encaminhados ao presidente da Casa, Arthur Lira, para a votação. Essas podem ser uma das últimas matérias a serem encaminhadas este ano devido ao início do calendário eleitoral.
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