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Eleição de Bolsonaro põe em risco a política de cotas no Brasil

23 de outubro de 2018

A educação está entre os principais temas a ser debatido na corrida presidencial de 2018, que coloca na disputa do 2° turno os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)


Texto/ Thalyta Martins

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Colaboração/ Pedro Borges

Imagem/Renato S. Cerqueira/Futura Press

A preocupação dos brasileiro não é à toa. Os números nacionais sobre a área da educação não são bons, em especial aqueles direcionados à comunidade negra.

O país esteve entre as nações com pior desempenho em educação no mundo na mais recente edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), em 2015. Em uma lista de 70 países analisados, o Brasil ficou na 59ª posição em Leitura, 63º posição em Ciências e 65º posição em matemática.

Em 2016, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016 mostrou que 7,2% da população brasileira de 15 anos ou mais era analfabeta no Brasil. Entre negros, o percentual de analfabetismo foi 9,9%, contra 4,2% dentro da população branca.

O plano de governo de Jair Messias Bolsonaro (PSL) para melhorar essa situação, intitulado “Caminho da Prosperidade”, propõe “dar um salto de qualidade na educação com ênfase na infantil, básica e técnica, sem doutrinar”, concedendo às Forças Armadas a responsabilidade desta área. O programa também visa mudar o conteúdo e método de ensino, “expurgando a ideologia de Paulo Freire”, com ênfase em matérias como matemática, ciências e português, ressaltando a não doutrinação e “sexualização precoce”. Bolsonaro busca priorizar a educação básica, o ensino médio, e técnico, em detrimento do ensino superior.

“Precisamos inverter a pirâmide: o maior esforço tem que ocorrer cedo, com a educação infantil, fundamental e média. Quanto antes nossas crianças aprenderem a gostar de estudar, maior será seu sucesso.”, diz o documento.

A proposta, porém, preocupa pesquisadores no campo dos direitos humanos e das relações raciais no país.

Juarez Xavier, coordenador do Nupe (Núcleo Negro de Pesquisa e Extensão) da UNESP (Universidade do Estado de São Paulo), pensa que retroceder os investimentos no ensino superior é uma medida injusta, visto que as desigualdades sociais e raciais continuam latentes na sociedade.

“Existe todo um tecido político social, como Jessé Souza, autor do livro “A Elite do Atraso”, tem mostrado isso. O aluno pobre, o menino pobre da periferia tem dificuldades cognitivas de concentração no estudo, porque ele precisa ter como prioridade sua sobrevivência. O aluno branco de classe média não tem isso, por isso tem acesso muito mais fácil a mecanismos intelectuais importantes de formação, como por exemplo a concentração”, explica.

O professor da UNESP destaca porém que o avanço de propostas políticas à direita podem destruir conquistas sociais de décadas, não só no campo da educação.

“É possível que tenhamos que enfrentar uma batalha brutal  para segurar direitos que nós conquistamos nesses últimos 40 anos, que hoje correm risco considerável em função da ascensão da extrema direita no Brasil e da capilaridade política social que ela tem adquirido”, adianta.

Contexto

O Brasil passou por uma mudanças drásticas no ensino superior nas últimas décadas, com a adoção de cotas raciais no começo do milênio por universidades como UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), em 2003, e UnB (Universidade de Brasília), em 2004. Em 2012, a Lei 12.711, conhecida como Lei de Cotas, foi sancionada pela presidência da República. As instituições educacionais que fazem uso do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) tiveram que reservar, no mínimo, 50% das vagas por curso para estudantes egressos de escolas públicas nas universidades e institutos federais, subdividido em quatro grupos: estudantes de escola pública e baixa renda; autodeclarados pretos, pardos e indígenas e baixa renda; estudantes de escola pública independente da renda; e autodeclarados pretos, pardos e indígenas, independente de renda.

Dados da Seppir (Secretaria de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial) indicavam que, entre 2012 e 2015, cerca de 150 mil estudantes negros ingressaram em universidades federais por meio de cotas raciais.

“As consequências políticas dos avanços adquiridos no ensino superior a partir dessa política de reserva de vagas são efetivas: cria uma população articulada, cria uma população formada a partir de pressupostos importantes, em especial nas universidades públicas, que tendem a ser as melhores universidades porque oferecem pesquisa, cria a possibilidade da democratização do acesso ao capital cultural e cria possibilidade das mudanças políticas importantes no país.”, ressalta Juarez Xavier.

Em 2005 o IBGE apontou que apenas 5,5% dos jovens do grupo racial negro com idade entre 18 e 24 anos estavam na universidade. Dez anos depois, 12,8% das pessoas desse mesmo segmento estavam na universidade.

A mudança também se estendeu para o ensino superior privado por meio da criação do PROUNI (Programa Universidade para Todos) pelo Ministério da Educação (MEC), em 2004. No segundo semestre de 2017 a iniciativa ofertou 147.815 bolsas parciais ou integrais em instituições particulares de educação superior a alunos oriundos de escola pública ou bolsistas em escolas particulares.

De acordo com Juarez, as cotas étnicos raciais e a maior entrada de jovens negros nas universidades representam um avanço político importante para toda a sociedade. Ele ressalta que essas medidas foram fundamentais como instrumento de superação da desigualdade estrutural da sociedade.

“Cotas são fundamentais para a sustentabilidade de uma sociedade multirracial, como a brasileira, atravessada por profundas desigualdades econômicas, sociais e culturais.”, diz.

Ameaças ao ensino superior

O candidato Bolsonaro, em seu sétimo mandato de deputado federal e capitão reformado do Exército, não explica com detalhes como irá conduzir a educação para seus eleitores. Entre as propostas apuradas para o ensino superior no país estão a necessidade de gerar avanços técnicos para o Brasil, buscando formas de elevar a produtividade, a riqueza e o bem-estar da população.

Para isso, propõe o desenvolvimento de novos produtos, por meio de parcerias e pesquisas com a iniciativa privada. Defende também o empreendedorismo e a educação à distância.

No programa “Caminho da Prosperidade”, Bolsonaro não cita por uma única uma vez a palavra negro, grupo racial que forma mais de 50% da população brasileira, e nem se refere às cotas raciais e sociais. No entanto, declarações do candidato exaltam o mérito para a entrada em universidades públicas e propõe a diminuição do percentual de vagas para as cotas sociais e exclusão das raciais.

O assessor para a educação do candidato, o general Aléssio Ribeiro Souto, também contrário à política de cotas e defensor do mérito, destaca a necessidade de fortalecer o ensino básico e mantém ressalvas às cotas.

“Uma das ideias básicas é a prevalência do mérito. O País deve chegar ao momento que não precisará de cotas. A cota é um remendo. Sou de família extremamente modesta, saí de casa aos sete anos de idade. Sou neto de negro e bisneto de índia. Nunca precisei disso, porque o Estado, a sociedade e a Nação me propiciaram educação pública de qualidade”, disse em entrevista ao Estado de S. Paulo.

Segundo Juarez Xavier, as políticas de cotas não são importantes apenas para a população negra. Além de aumentar a diversidade de conhecimento dentro da universidade, a medida atinge de modo geral outros setores da sociedade, incluídos entre os beneficiários das ações afirmativas.

“As mulheres brancas, por exemplo, têm sido historicamente favorecidas pelas políticas de cotas.” explica ele. “O machismo incide contra elas, e quando elas conseguem superar esses mecanismos a partir das políticas de reserva de vagas ou no trabalho, ou na universidade, elas têm ascensão significativa na sociedade.”

    

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