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Eleição para Prefeitura do Recife é marcada pela baixa representatividade negra

12 de novembro de 2020

No pleito da capital pernambucana, com 57% da população negra, há nove candidatos autodeclarados brancos e dois autodeclarados negros: Mendonça Filho, do Democratas, e Thiago Santos, da Unidade Popular

Texto: Caroline Melo | Edição: Lenne Ferreira e Nataly Simões | Imagem: Reprodução

Apesar de 57% da população do Recife se autodeclarar como negra – preta ou parda, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o mesmo não se reflete nos postulantes aos cargos de prefeito e vice-prefeito. O pleito da capital pernambucana em 2020 é majoritariamente branco, conforme apontam dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dos 11 candidatos à Prefeitura, apenas dois se declaram negros: Mendonça Filho, do Democratas, foi inscrito como pardo, e Thiago Santos, da Unidade Popular, como preto. Além disso, do total de candidatos, Victor Assis (PCO) teve a candidatura indeferida pela justiça eleitoral.

A proporção entre candidatos negros e brancos diminuiu desde as últimas eleições municipais. Em 2016, entre os oito candidatos à Prefeitura, dois se autodeclavam negros. Todos os oito vices registraram-se como brancos junto ao TSE. Os dados integram o dossiê elaborado pela iniciativa Enegrecer a Política, que reúne sete organizações brasileiras dos estados Bahia, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro.

Segundo o levantamento, em 2016 apenas 8,65% de todos os candidatos, para prefeituras e vereanças, se autodeclararam negros e negras no Brasil, aproximadamente 8 a cada 100. Entre os eleitos, o total de negros cai para 5%. De acordo com o dossiê, é possível inferir que há uma subrepresentação de negros e negras na política.

Uma decisão tomada em agosto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a fim de reduzir essa diferença, estabelece que os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sejam distribuídos proporcionalmente entre as candidaturas negras e brancas a partir das eleições de 2020. Mesmo assim, alguns candidatos ainda conseguem concentrar o dinheiro dos partidos, que se baseiam em dados como desempenho em eleições anteriores.

Para o cientista político e apresentador do podcast “Política é Massa”, Caio dos Santos, a falta de negros em eleições majoritárias decorre principalmente da falta de recursos para campanhas. “A gente também tem essa camada de discriminação racial, que faz com que as pessoas não consigam enxergar negros nesses cargos eletivos”, diz. “Sem recursos você não faz campanha nem chega até as pessoas e fica difícil entrar nessa competição. A principal dificuldade no Brasil, hoje, é essa barreira econômica muito grande”, acrescenta.

Essa barreira se eleva ainda mais porque a decisão do TSE ainda abre espaço para debates e mais exploração em benefício de pessoas brancas. “Muitos políticos, inclusive aqui em Pernambuco, mudam sua autodeclaração para ver se faturam um pouco mais do percentual do fundo partidário”, acusa o cientista político.

No Recife, um caso que abriu discussões sobre o mau uso da nova proposta de distribuição de recursos é o do deputado federal Daniel Coelho, ligado ao partido Cidadania e coordenador da campanha de uma das candidatas à Prefeitura, a delegada Patrícia Domingos. Em outubro, Coelho gerou reações negativas no Twitter quando fez uma publicação criticando a cota racial para eleições que, segundo ele, seria “racismo estatal” porque “lei que pune pessoas pela cor da pele é nazismo”.

No texto, Coelho se declarava pardo e dizia ser beneficiado pela cota. Minutos depois, ele apagou o comentário, mas os usuários da rede seguiram contestando sua afirmação. Em todas as eleições às quais concorreu, desde 2014, ele se autodeclarou como branco, de acordo com os dados do TSE.

Os efeitos da baixa representação negra na política

A sub representação de pessoas negras na política municipal do Recife, assim como em outras cidades brasileiras, implica na falta de políticas públicas voltadas para o combate ao racismo e as desigualdades raciais, conforme explica o cientista político. “Nós temos pouquíssimas políticas raciais e isso é reflexo direto da baixa representação”, avalia Caio dos Santos.

“Se a gente tem poucos candidatos e poucos políticos eleitos, a gente dificilmente vai ter poucos políticos negros com uma carreira sólida o suficiente para disputar uma candidatura majoritária”, complementa.

De acordo com o cientista político, que pesquisa propostas de lei dentro do legislativo, a produção de projetos que abarque as necessidades específicas da população negra é muito pequena. Em 12 anos, entre 2007 e 2018, foram menos de 400 projetos em um universo de mais de 38 mil.

“É uma produção muito baixa e refletida na quantidade baixa de pessoas negras que conseguem chegar a ter um mandato. Essa falta não é só simbólica, não é só ver aquelas figuras, os rostinhos pretos em cargos de poder, mas também é substancial quando a gente analisa esses dados e essa produção”, aponta.

Para equilibrar a participação negra nesses espaços de poder é necessário uma organização maior entre a comunidade negra. É o que reforça o doutor em antropologia Rolf de Souza, coordenador da Assessoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (AFIDE) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“Nossos intelectuais que vêm da base devem estar organizados para ajudar na percepção de que política é mais do que [apenas] a política partidária. Isso ajudaria em aumentar o envolvimento da nossa gente inclusive dentro dos partidos”, ressalta.

Segundo Souza, mais do que isso, é preciso ter consciência de que a falta de pessoas não brancas em cargo do alto escalão da política é fruto da manutenção do sistema de discriminaçao racial. Para ele, “o pequeno número de candidatos negros e negras no executivo decorre de a estrutura dos partidos ser branca, seja de direito ou de esquerda”.

A agenda dos candidatos negros do Recife

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No TSE, Thiago Santos (UP) se declara como preto e Mendonça Filho (DEM) se declara como pardo. (Fotos: Reprodução)

Mendonça Filho, vice-líder do Democratas, é antigo conhecido na capital pernambucana. Seu primeiro mandato foi, aos 20 anos, como deputado estadual, em 1986. Filho ainda foi eleito deputado federal e nomeado Secretário de Agricultura do Estado, além de ocupar o posto de vice-governador de Pernambuco, e ministro da Educação entre maio de 2016 e abril de 2018, durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) e o governo de Michel Temer (MDB).

Durante a campanha para prefeito, adotou o slogan “Recife acima de tudo”, que chama atenção pela referência ao mesmo slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro, em 2018. Em seu programa de governo, Flho também enfatiza palavras-chave das políticas de direita, como “famílias no centro das nossas decisões”. No mesmo documento, as únicas menções ao povo negro são ao citar a diversidade da população da capital, onde os negros são apontados pela vulnerabilidade social, e dados sobre vítimas de feminicídio no país (de maioria negra) e de vítimas de violência em geral (também majoritariamente negras).

As propostas do candidato do Democratas e de sua vice, Priscila Krause, para tais problemas, são “introduzir protocolos de atendimentos para vítimas de violência psicológica, física e sexual”, a criação de “políticas públicas de respeito às diferenças” e o fortalecimento da rede de proteção social para os segmentos em situação de vulnerabilidade social. O plano, no entanto, não oferece nenhum projeto específico para as famílias negras.

Thiago Santos e seu vice, Aníbal Valença, candidatos pela Unidade Popular, da Frente de Esquerda do Recife (FER, chapa formada com o PCB), dão mais destaque às comunidades com propostas especificamente elaboradas para a população negra do Recife em seu plano governamental. Na disputa por um cargo público pela primeira vez, Thiago é um dos fundadores do partido criado em 2019. Também foi militante no movimento estudantil estadual e dirigente do Sindicato de operadores de telemarketing de Pernambuco e da Federação Interestadual de trabalhadores em telecomunicações (Fitratelp).

O plano da FER para a capital pernambucana apresenta propostas como o “incentivo aos movimentos culturais e religiosos de matrizes africanas”, combate ao racismo institucional e à truculência da guarda municipal, a ampliação de “ações de combate à doença falciforme”, citando o tipo de anemia diretamente ligado à população negra.

O candidato propõe, ainda, a implementação do ensino da história e da cultura indígena, negra e quilombola dentro das escolas municipais, além da ampliação de cotas para pessoas negras e indígenas em concursos municipais. O plano também destaca “apoiar iniciativa legislativa para retirada de estátuas, nomes de ruas e praças que fazem referência a racistas e fascistas” e a criação da Secretaria de Direitos Humanos e combate ao Racismo, Secretaria de Mulheres e combate à LGBTfobia”.

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