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Erika Hilton: Serei a rainha Nzinga da Câmara dos Vereadores de São Paulo

20 de novembro de 2020

Primeira trans negra eleita para a Câmara Municipal da maior cidade do país diz, em entrevista ao Alma Preta, que levará para seu mandato o aprendizado das ruas e pautas sociais; conheça a história da mulher mais votada de São Paulo

Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Imagine Desenhe

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Quando era criança, Erika Hilton sonhava em ser presidenta, queria ser juíza, brincava de legislar e diz que sempre teve um espírito de liderança. Ela cresceu livre, numa casa com tias, mãe e avós em Francisco Morato, na Grande São Paulo, sem repressões em relação à identidade sexual, usando salto e toalha na cabeça. A mãe, Rose Gregorio, trabalhava duro para garantir uma vida mais tranquila para a filha. Na adolescência de Erika, a mãe se converteu ao cristianismo judaico e os embates se tornam eminentes.

Enquanto Erika trazia elementos femininos para o corpo, a mãe passou a se incomodar e a persegui-la. A jovem se mudou para a casa dos tios e se converteu à congregação cristã para agradar a mãe. Pregou e viveu uma vida que não era dela. Um ano depois mudou-se para a periferia da cidade de Itu, onde se reencontrou com figuras da infância. Com a vivência de sua transição de gênero, a mãe a expulsou de casa. Erika passou noites na calçada e para sobreviver começou a se prostituir aos 15 anos. “Vivi a adolescência me prostituindo. Tive um relacionamento abusivo. Ele era viciado em crack, até que foi preso por roubo. Eu voltei para a casa da minha mãe, mas ainda ia visita-lo na cadeia”, lembra, em entrevista ao Alma Preta.

Nessa fase, Erika retomou os estudos, fez o Ensino para Jovens e Adultos (EJA), cursinho vestibular e em 2018 entrou na graduação de Gerontologia na UFSCar (Univesidade Federal de São Carlos). Lá, fez o requerimento para uso de nome social no cartão do transporte público de Itu. “Deu repercussão midiática. E também militei no movimento estudantil”, recorda. Erika diz que aprendeu muito nas ruas, nas esquinas e foi refinando seu discurso na universidade, mas que sempre foi um corpo político. “Sou na essência, por ser pobre, preta, travestigênero. Mas aprendo a fazer política e vou sendo reconhecida como militante e ativista”, diz.

A partir dessa atuação, a militante é chamada para ingressar na Bancada Ativista, junto com outras oito lideranças de diferentes áreas, que concorreram a um mandato pelo PSOL na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 2018. A candidatura saiu vencedora e Erika tornou-se co-deputada.  “Aprendi a entender melhor a institucionalidade, a utilizar a resiliência para conversar com setores mais conservadores. Afinal, se tiver guerra constante, não caminha com aquilo que quer, entendi como funciona a máquina publica e o jogo da política. Fui construindo movimentos por fora, para organizar militância, instrumentalizar a luta”, explica.

Erika é, no entanto, crítica a mandatos coletivos que têm pessoas com ideologias diferentes. No caso da Bancada Ativista diz que há o que chama de “branquitude delirante”. “Mandatos coletivos têm potência, mas não são solução de tudo. Auxilia pessoas a entrarem na política, mas precisa estar alinhado. A bancada tinha pessoas com pensamentos diferentes e, por isso, falhou”, considera.

A vereadora mais votada de São Paulo

A votação expressiva para a Câmara de Vereadores no primeiro turno das eleições municipais de 2020, com mais de 50 mil votos, foi surpreendente para a candidata do PSOL que esperava um resultado positivo, mas não tão grande. Em 2021, Erika Hilton será a primeira mulher trans na Câmara Municipal de São Paulo.

Com o lema “Gente é pra brilhar”, ela destaca que fez uma campanha jovem e colorida, fora dos moldes tradicionais partidários. “Tinha minha cara, sem padrinhos, mas com apoio de artistas, intelectuais, e muita esperança”, afirma. A vereadora eleita diz que se surpreendeu por ver um “corpo abjeto descredibilizado pelo racismo e transfobia ser a mulher mais votada do Brasil”.

Ela acredita que essa mudança é a chave construída para virar o jogo. “Essa votação é um avanço. É um grande começar. Eu sou porque todos somos. Estamos fazendo diferença. É uma vitória coletiva”, diz ela, que brinca ser a rainha Nzinga da Câmara dos Vereadores de São Paulo “e bonita”, ressalta.

Nos próximos quatro anos, Erika promete fazer um “grande auê positivo, propositivo” na câmara municipal. “Estamos muito atrasados como comunidade. Implementaremos a agenda Marielle Franco, dos direitos humanos, com foco em raça, moradia, idosos, crianças, conectado ao povo, instrumentalizando e organizando lutas. Queremos meter o dedo no olho nos fascistas. Não cheguei sozinha e não estou sozinha na política por reparação histórica”, reforça.

O auê que pretende fazer é diferente do que chama de “circo” feito pelo também vereador Fernando Holiday (Patriota). “Faremos com finesse, proposição. Vou cumprir com honra meu papel de vereadora”, diz. Uma das prioridades de seu mandato será a melhoria do projeto transcidadania e a construção de casas de acolhidas para pessoas trans, além do prêmio Carolina Maria de Jesus, que vai homenagear catadores de papel.

A vereadora eleita diz sentir medo da violência como a que tirou a vida de  Marielle Franco, afinal, sua existência é “afrontosa e sempre coloca o dedo na cara de alguém”. “Não ficarei de cabeça baixa. Sabemos que matam negros, travestis, parlamentar ou não. A morte de Marielle é uma gasolina para que nenhuma de nós tombe ou deite. Para que não sejamos novidade, que haja muita de nós. Já tive medo na esquina, quando entrei no carro de homens sem saber se ia voltar. O medo de viver é comum para pessoas como eu. Não serei tombada na política. Não vim para morrer e, sim, para revolucionar o cenário político para que mais mulheres ocupem esse espaço”, discursa.

Erika também admira figuras políticas como Áurea Carolina (PSOL-MG), Benedita da Silva (PT-RJ), Erica Malunguinho (PSOL-SP), Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e a ativista Lelia Gonzalez. Com apenas 27 anos, ela diz que não sonha mais tanto em ser presidenta da República, mas acredita que mulheres negras precisam disputar esse cargo. “Não sei se é o meu corpo, mas se nenhuma topar, estou à disposição”, garante.

Para ela, Consciência Negra é uma demarcação de um sistema que reproduz os tempos escravocratas. “A abolição foi uma falácia. O corpo negro está destinado ao genocídio. Ainda precisamos fazer a demarcação de que somos humanas. A luta começa no povo preto, afinal ainda somos escravizadas. Nosso corpo que vai para o cárcere, manicômio e somos maioria da população, continuaremos lutando e fazendo com que nossos corpos conquistem cada vez mais lugares de poder e brilhem como merecem”, conclui.

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