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Fundação Palmares certificou apenas cinco quilombos em 2020

Número de certificações emitidas pelo órgão responsável é o menor em 16 anos; funcionários afirmam que o presidente Sérgio Camargo está “obcecado” em diminuir emissão de documento
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4 de junho de 2020

Por: Nataly Simões e Pedro Borges

O número de comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em 2019 foi o menor em 16 anos, com 70 emissões emitidas. Funcionários e ex-funcionários do órgão público, vinculado à Secretaria Especial da Cultura, e representantes da população quilombola temem que o número de certidões emitidas seja ainda menor sob a gestão de Sérgio Camargo, que nos primeiros dois meses de 2020 emitiu apenas cinco certificações.

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“As questões quilombolas foram reduzidas dentro do órgão antes mesmo de o Sérgio Camargo chegar à presidência, mas é óbvio que com ele a redução será ainda maior. Ele com certeza deve travar o processo de certificação”, conta Amilcar*.

Ao ser nomeado para presidir o órgão, em novembro de 2019, Camargo demonstrou interesse de forma “obcecada” na média anual de comunidades quilombolas certificadas e esbarrou em sua falta de conhecimento técnico sobre o tema.

“Ele está obcecado por esse dado para cortar as ações feitas pela fundação, só que até agora está meio refém por conta de seu despreparo. As análises de processos de certificação por hora não foram alteradas”, relata Milton*.

Apesar de existirem 2.777 comunidades remanescentes de quilombos certificadas desde 2004, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) estima que existam no país 6.330 comunidades quilombolas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) computa 5.972 quilombos.

A Fundação Cultural Palmares é a organização dentro do governo federal responsável pela emissão de certidão às comunidades remanescentes de quilombos, conforme estabelece a lei 4.887, de 2003. A certificação é o primeiro passo para que os territórios quilombolas tenham acesso à regulamentação fundiária e políticas públicas.

“A medida que não é feita a certificação dos territórios quilombolas, as famílias são impedidas de acessar programas como o Bolsa Família e os de ingresso nas universidades, por exemplo. É um processo grave e em 2019 e 2020 piorou em razão de a Fundação Palmares ter uma gestão contrária às políticas raciais”, explica Givânia Silva, coordenadora da Conaq.

A falta de certificação também prejudica as comunidades quilombolas em meio à pandemia do Covid-19. Segundo dados da Conaq, mais de 30 pessoas que vivem em territórios quilombolas morreram em decorrência da doença e pelo menos 176 pessoas já testaram positivo para o novo coronavírus. Os quilombolas que vivem em territórios não certificados têm mais dificuldade de acessar políticas de saúde, embora a falta de amparo não se restrinja aos territórios sem documentação.

Em maio, a Fundação Cultural Palmares anunciou uma ação, em conjunto com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, para a entrega de cestas de alimentos com o objetivo de amenizar a situação de insegurança alimentar e nutricional agravada em razão do isolamento social decorrente do Covid-19. A iniciativa inclui apenas 82 de todas as comunidades quilombolas existentes no país.

Segundo Givânia Silva, comunidades quilombolas reportaram à Conaq que as cestas de alimentos ainda não chegaram às famílias que necessitam de amparo, pois foram enviadas para os governos municipais.

“Nós pedimos que a Fundação Palmares informe os nomes das comunidades que estão recebendo as cestas básicas porque fomos notificados de que as entregas foram feitas aos municípios e os itens não estão chegando às pessoas que precisam”, diz a coordenadora da Conaq.

A pauta quilombola

Pouco mais de um ano antes da eleição presidencial, em abril de 2017, Jair Bolsonaro afirmou em palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, o que planejava para as comunidades quilombolas, se fosse eleito . “Não vai ter um centímetro [de terra] demarcado para reserva indígena ou para quilombola”, afirmou na ocasião. Bolsonaro disse ainda que os quilombolas “não faziam nada”, “não serviam nem para procriar” e que “o mais leve pesava sete arroba”.

As declarações foram apontadas como racistas pelo Ministério Público Federal (MPF), que havia denunciado o então deputado. Durante a campanha presidencial, Bolsonaro foi condenado a pagar R$ 50 mil de indenização e em junho de 2019, com seis meses de seu governo, foi inocentado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro. O entendimento da justiça foi de que as declarações ocorreram no contexto da atividade parlamentar, protegida pela imunidade.

Para Gilvânia Silva, o descaso com as comunidades quilombolas na agenda da Fundação Cultural Palmares é reflexo do que o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) afirmava antes mesmo de ser eleito.

“As comunidades quilombolas não são prioridade no governo Bolsonaro, que se elegeu afirmando que não tocaria essa pauta. Nos últimos anos, a Palmares passou a ter menor capacidade de articulação e isso piora com a concepção política da atual gestão”, considera a coordenadora da Conaq.

O Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro (DPA), responsável pela certificação das comunidades quilombolas dentro da Fundação Cultural Palmares, também passou a ser dirigido por uma pessoa com posicionamentos alinhados aos de Sérgio Camargo e de Jair Bolsonaro. O nome escolhido foi o de Laércio Fidelis Dias, pesquisador e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).

Dias já realizou diversas pesquisas acerca das comunidades indígenas, no entanto, considera estudos sobre raça como “malditos”. O novo diretor também não possui experiência em questões que envolvem as comunidades quilombolas.

“Embora a temática negra não seja tema de minhas pesquisas, como brasileiro e negro tenho a experiência vivencial da população negra brasileira, o que acredito ser importante para o cargo que estou a assumir”, afirmou, em publicação no site oficial do órgão.

O Alma Preta procurou a Fundação Cultural Palmares para saber os motivos da redução histórica no número de certificações de comunidades quilombolas em 2019 e 2020 e como está o processo de emissão do documento na gestão de Sérgio Camargo. A reportagem também questionou sobre as cestas básicas que não têm chegado até os quilombos. Até a publicação deste texto, o órgão não se posicionou.

* Nomes fictícios adotados como forma de preservar a identidade das fontes. Os nomes escolhidos são meramente ilustrativos.

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