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Golpe militar completa 61 anos com legado de repressão e violência contra a população negra

Regime militar perseguiu, espionou e apagou a militância negra, enquanto reforçava estruturas racistas no Brasil
Mulheres negras do Movimento Negro Unificado (MNU) em manifestação na Bahia, durante o regime militar.

Mulheres negras do Movimento Negro Unificado (MNU) em manifestação na Bahia, durante o regime militar.

— Reprodução/Memórias da Ditadura

31 de março de 2025

Em 31 de março de 1964, um golpe militar derrubou o governo democraticamente eleito de João Goulart, instaurando no Brasil uma ditadura que durou 21 anos. Além da supressão de direitos políticos, censura e tortura contra opositores, o regime direcionou uma violência específica contra a população negra, criminalizando suas organizações, apagando sua história e reforçando estruturas racistas que persistem até hoje.

O livro “Brasil ano 2000 – O futuro sem fantasia”, publicado em 1969, revela que o regime via o ativismo negro como uma “ameaça subversiva“. O Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) infiltrou agentes em organizações como o Movimento Negro Unificado (MNU) e monitorou líderes que lutavam contra o racismo. 

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Em 1978, um protesto histórico em São Paulo, conhecido como “Marcha contra o Racismo e a Repressão”, reuniu milhares de pessoas em pleno regime militar para denunciar a violência policial e a discriminação racial.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou que negros foram vítimas de tortura, desaparecimentos e execuções, mas esses casos raramente foram investigados. Muitos militantes negros sequer constam nos registros oficiais de perseguidos políticos, evidenciando um apagamento deliberado.

Repressão às religiões afro-brasileiras

Terreiros de candomblé e umbanda foram invadidos, líderes religiosos presos e cerimônias proibidas sob a alegação de “práticas ilegais”. A ditadura associou essas religiões a “atividades subversivas”, reforçando estigmas que já existiam. Em alguns estados, como Bahia e Rio de Janeiro, a perseguição foi ainda mais intensa, com relatos de destruição de objetos sagrados e violência contra sacerdotes.

“Dependendo do lugar, os atabaques são controlados até hoje. Dependendo do terreiro no Rio de Janeiro, o tráfico proíbe macumba em alguns morros”, afirmou Alexandre Cumino, autor da obra “História da Umbanda no Brasil – Uma Religião Brasileira”, em entrevista à Alma Preta.

O apagamento da resistência negra durante o golpe militar

A história oficial da resistência à ditadura frequentemente omite a participação negra, destacando apenas figuras brancas e de classe média. No Paraná, por exemplo, registros do Grupo Palmares, uma das primeiras organizações a resgatar a figura de Zumbi dos Palmares como símbolo de luta, foram destruídos ou ignorados.

O teatro negro, a imprensa alternativa e os saraus culturais foram algumas das formas de resistência que surgiram nesse período. Artistas como Abdias do Nascimento e grupos como o Teatro Experimental do Negro usaram a arte para denunciar o racismo e a repressão, mesmo sob censura.

A ditadura não apenas reprimiu, mas também aprofundou desigualdades. Políticas de segregação urbana, a criminalização da pobreza e a violência policial cresceram durante o regime, afetando desproporcionalmente a população negra. 

O mito da “democracia racial” foi usado para negar a existência do racismo, enquanto a tortura e o assassinato de jovens negros eram tratados como “casos isolados”.

MNU e resistência em tempos de repressão

Fundado em 1978, ainda sob a ditadura, o Movimento Negro Unificado (MNU) surgiu como uma resposta à violência racial e à falta de representação política. Seu ato inaugural foi a histórica Marcha contra o Racismo e pela Anistia, realizada no Vale do Anhangabaú (SP), que denunciava tanto o regime militar quanto o assassinato de trabalhadores negros pela polícia. 

Sob vigilância constante, o movimento articulou-se de forma semi-clandestina, usando códigos e reuniões em espaços religiosos para escapar da repressão.

Lideranças como Hamilton Cardoso e Milton Barbosa usavam jornais alternativos (como “Jornegro“) para furar a censura, enquanto o MNU pressionava por políticas antirracistas – uma luta que só ganhou visibilidade com a redemocratização. Sua atuação provou que, mesmo sob tortura e desaparecimentos, a organização negra não apenas sobreviveu, mas plantou as sementes das conquistas antirracistas pós-1988.

Plataformas preservam história da repressão ao povo negro

Apesar do apagamento histórico sistemático, diversas iniciativas mantêm viva a memória da resistência negra durante a ditadura militar. Plataformas como Memórias da Ditadura e o acervo digital das Memórias Reveladas reúnem documentos oficiais, depoimentos e registros sobre a perseguição a militantes negros. 

O Instituto Odara publicou estudos detalhados sobre a repressão aos terreiros e lideranças comunitárias, enquanto a Alma Preta lançou um especial com dados inéditos sobre o monitoramento de organizações negras pelo DOPS.

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” dedicou um capítulo específico à violência racial em seu relatório final, citando casos de jovens negros como como Abílio Clemente Filho, Carlos Marighella, Helenira Resende, Alceri Maria Gomes e Osvaldo Orlando da Costa conhecido como Osvaldão, que enfrentaram tortura e assassinatos brutais ao lutar por democracia e direitos.

Universidades também têm resgatado essa história: a Universidade de São Paulo (USP) publicou pesquisas sobre o Teatro Experimental do Negro como estratégia de resistência cultural.

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  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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