O candidato a presidência pelo PSL diz que não demarcará mais terras quilombolas e pretende liberar áreas para a exploração de mineradoras
Texto / Pedro Borges
Imagem / Tânia Freitas/Agência Brasil
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Jair Bolsonaro (PSL) tem sido marcado por proferir ofensas verbais a negros, mulheres, LGBTs e nordestinos. Outro grupo que tem recebido ataques do presidenciável são os quilombolas, grupos e territórios remanescentes à resistência no período escravista no Brasil.
Em palestra dada na Hebraica, no Rio de Janeiro, Bolsonaro disse que visitou um quilombo e que o “afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, medida utilizada para quantificar o peso de animais.
Bolsonaro chegou a ser acusado de racismo por conta da colocação. Em setembro de 2018, porém, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a denúncia, por 3 votos a 2. O caso foi arquivado e não houve investigação contra o político.
Mirts Sants, quilombola e ativista do movimento negro do Espírito Santo, mestranda em direito pela UFF, acredita que uma possível eleição de Jair Bolsonaro seria desastrosa não só para a comunidade negra e quilombola, mas para todos os grupos sociais.
“Não é só para nós quilombolas. Eu acredito que todos nós brasileiros perdemos de alguma forma em termos de direitos. Esse direitos tão duramente conquistados. Nós perdemos muito”.
A ativista, contudo, ressalta uma maior delicadeza da ofensiva proposta por Bolsonaro com relação aos quilombolas.
“A nós quilombolas eu só penso que precisamos continuar lutando ainda mais para garantir nossos direitos culturais, nossos direitos identitários e principalmente aos territórios quilombolas, e a sustentabilidade do nosso meio ambiente. Mantendo sempre a resistência, que nós comunidades quilombolas vivenciamos ao longo do Brasil de diferentes formas”.
Relatório feito pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e a Terra de Direitos, em parceria com o Coletivo de Assessoria Jurídica Joãozinho de Mangal e a Associação de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR) mostra que houve um aumento no número de quilombolas assassinatos.
Quando comparados os últimos 10 anos, notou-se que 2017 foi o período mais violento, com o aumento de 350% de mortes com relação a 2016. O documento “Racismo e violência contra quilombos no Brasil” registra o maior tensionamento no campo no momento mais recente.
Givânia Maria da Silva, integrante da CONAQ e estudante de doutorado em sociologia na UNB, acredita que a eleição de Jair Bolsonaro pode significar um aprofundamento na violência contra o povo negro.
“Esses números se referem a um momento em que as pessoas não estão autorizadas a matar como está sendo anunciado. Isso nos deixa em certo nível de apreensão e espera apenas que a população brasileira não aprofunde ainda mais o genocídio que tem sido feito ao povo negro brasileiro desde o seu sequestro até os dias atuais”.
Demarcação de terras
No mesmo pronunciamento dado no prédio da Hebraica no Rio de Janeiro, Bolsonaro frisou que a frente do poder executivo: “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”. O candidato defende que as terras demarcadas para quilombolas possam ser utilizadas para a mineração e venda para a iniciativa privada.
O candidato chegou a dizer, em entrevista à Record TV, que dará para os quilombolas uma nova Lei Áurea, em alusão ao fim do escravismo no país, em 13 de Maio de 1888.
“Os quilombolas querem uma nova Lei Áurea, eles não querem mais ser tutelados pelo Estado. Querem trabalhar do jeito deles e até mesmo vender as terras que eles possuem”, disse.
Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) mostram que apenas 7% das terras remanescentes de quilombos no Brasil estão regularizadas. Desde de 1988, 3,2 mil comunidades quilombolas foram reconhecidas pelo Estado, sendo que 80% desse montante foram registradas depois de 2003, com a edição do Decreto 4887. O marco colabora na identificação, demarcação e titulação das áreas.
Houve também, num plano mais recente, um corte muito grande no valor investido para a demarcação e titulação de terras quilombolas. O valor destinado ao Incra em 2013 foi de R$ 42 milhões, quantia que retraiu para R$ 1 milhão em 2018.
Givânia Maria da Silva acredita que a não demarcação das terras fará com que os quilombolas permaneçam em resistência, pelo reconhecimento dos seus territórios, e que o avanço do Estado pode significar mais um estopim para a violência no campo.
“O que nós faremos é o que já temos feito. Denunciar essa violência no Brasil e fora dele de que aqui se pratica o racismo e mais um crime de extermínio da população negra”, conclui.