A deputada estadual Lívia Duarte (PSOL-PA) precisou mudar sua rotina após sofrer ofensas racistas e ameaças de morte. Em entrevista à Alma Preta, a parlamentar contou estar com medo de morrer e que teme pela segurança de seus familiares, mas recuar da luta política está fora de seus planos.
“Não posso me paralisar. Não tenho a opção de voltar. Sigo em nome de que essa situação não ocorra nunca mais”, afirmou.
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Os crimes ocorreram no dia 18 de abril e são investigados pela Polícia Civil do Pará e pela Polícia Federal. Os criminosos enviaram uma mensagem para o e-mail institucional da advogada e ameaçaram também fazer uma chacina.
“Vamos invadir o Campus da UFPA (…) e fazer um massacre, vamos chacinar todos cotistas, negros, índios, pardos, gays, lésbicas, trans e travestis que estiver no nosso caminho (sic)”, diz um trecho da mensagem.
Os agressores disseram que a deputada iria “visitar” Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em março de 2018 ao lado do motorista Anderson Gomes.
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Lívia é autora do Estatuto da Igualdade Racial de Belém do Pará e de outras dezenas de projetos de lei voltados à garantia dos direitos das mulheres, como o PL que obriga o município a distribuir gratuitamente absorventes.
Mas a deputada acredita que as ameaças não têm ligação com sua atuação na Assembleia Legislativa do Pará (ALEPA).
“Não encontrou-se relação específica com algum projeto (de lei), mas com pautas e com assuntos que reflitam socialmente, como o racismo. As ameaças sempre estão ligadas a minha condição de mulher e de preta. É comum em todas as situações, por exemplo, que me chamem de macaca”, explicou.
Mãe de três filhos, Joaquim, Clara e o Pedrão, Lívia Duarte é militante socialista desde os 13 anos e foi a primeira presidenta municipal negra do PSOL do Brasil. Recentemente, a parlamentar esteve em Washington, nos Estados Unidos, a convite do Observer Research Foundation America (ORF America), instituto independente de políticas públicas, para participar de um painel de discussão sobre a agenda para os bancos multilaterais de desenvolvimento.
Confira a entrevista completa:
Deputada, como foi receber a ameaça de morte?
Foi muito difícil. Me senti desprotegida e vulnerável. É muito triste que nós estejamos vivendo de maneira tão aviltada a atuação de mulheres negras do Brasil.
A senhora já recebeu outras ameaças de morte?
Infelizmente essa não foi a primeira vez. Recebi ameaças menos diretas pelo Twitter no início do mandato e já tive duas abordagens nas ruas.
Essas ameaças têm algum recorte de gênero, raça ou ocorrem devido a algum projeto que a senhora tem apresentado?
As ameaças sempre estão ligadas a minha condição de mulher e de preta. É comum em todas as situações, por exemplo, que me chamem de “macaca”. Até o momento, não encontrou-se relação específica com algum projeto (de lei), mas com pautas e com assuntos que reflitam socialmente, como o racismo.
A senhora teve o apoio que esperava das autoridades?
Tive mais apoio e solidariedade do que tinha expectativas. A investigação está correndo e não posso entrar em detalhes, mas o processo foi em todas as situações muito de amparo e de reconhecimento do perigo. Especialmente, a Polícia Militar, a Polícia Federal e a presidência da ALEPA agiram imediatamente para me ajudar e proteger.
Por que a senhora acha que essas ameaças estão ocorrendo?
As ameaças são produto dessa política de morte e de ódio que governou o país nos últimos anos. Bolsonaro estimulou e teria financiado essa política. Eu aguardo a justiça, Espero que esses criminosos sejam responsabilizados.
A senhora tem medo de morrer?
Temo pelos meus familiares. Tenho medo de morrer. Tenho crianças pequenas, mas não posso me paralisar. Não tenho a opção de voltar. Sigo em nome de que essa situação não ocorra nunca mais.
Essa ameaça mudou a sua rotina?
Mudou demais! Não posso mais sair para correr com meu cachorro. Não posso estar sozinha. Muito difícil.
Como é fazer uma política antirracista e feminista no Pará?
Fazer política de direitos humanos e de garantia desses direitos no Pará é quase automaticamente assinar uma carta de perseguição. O histórico coronelista e conservador faz com que tudo que surja para fissurar a estrutura seja visto como alvo. Fazer essa grande política no viés feminista e antirracista é muito desafiador e difícil. Tenho que seguir. Precisamos. Mesmo com as dificuldades. Segurando na mão de muita gente, mas seguir, para que um dia a gente possa superar esse estado de democracia frágil que temos.