O Auxílio Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família, foi criado com o objetivo de aumentar o valor dos pagamentos, assim como a base de beneficiários. No entanto, nenhum desses números foi definido ainda. Especialistas entrevistados pela Alma Preta Jornalismo alertam que a nova estrutura é muito ampla, corre o risco de não ser muito eficiente e não representar um avanço em relação à política de transferência de renda atual.
Já entregue para avaliação do Congresso Nacional, a MP (Medida Provisória) do programa prevê uma série de novidades, que incluem três modalidades para crédito, além de bônus adicionais de acordo, por exemplo, com os desempenhos acadêmico e esportivo.
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Uma das críticas sobre a proposta é a ausência de participação popular em sua construção, que foi definida por MP – um ato unilateral do presidente Jair Bolsonaro, com força de lei, editada sem, a princípio, a participação do Poder Legislativo, que somente será chamado a discuti-la e aprová-la em momento posterior.
Em nota publicada contra o Auxílio Brasil, a Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) considera que, com a decisão, “o governo despreza a sociedade civil, especialistas e o próprio Congresso Nacional” e que tal ato seria um “um cheque em branco para que Bolsonaro defina até a linha de pobreza utilizada como referência de elegibilidade sem qualquer base técnica ou referência social”.
“Programas como esse, definidos sem consulta popular, podem mitigar a pobreza, mas não resolvem o problema da desigualdade social. Evidentemente, há um componente eleitoral neste caso. O Auxilio Brasil é o Bolsa Família do Bolsonaro. Há um compromisso com 2022 e não com a necessidade do avanço da proteção social no país” acredita Hélio Santos, presidente do conselho da Oxfam, membro da Coalizão Negra Por Direitos.
A MP, publicada no último dia 9 de agosto no Diário Oficial da União (DOU), tem três modalidades de benefício básico: para primeira infância, para famílias com jovens de até 21 anos de idade e para a complementação para famílias que não conseguirem sair da extrema pobreza mesmo após receberem os benefícios anteriores. Os valores só serão definidos no fim de setembro.
Além do benefício básico, o programa social terá seis benefícios acessórios, que poderão se somar ao valor recebido. Eles funcionarão como bônus para quem cumprir determinados requisitos adicionais.
Segundo o presidente da RBRB, Leandro Ferreira, se comparado ao Bolsa Família, o novo programa não facilita o acesso ao benefício como deveria. “A gente sempre defendeu maior simplicidade e, justamente, a universalidade de uma renda básica. O que essa MP faz é não apontar para a expansão da universalidade, pelo contrário, ela cria um monte de categorias, que se vinculam a questões meritocráticas, que são ultrapassadas”, pontua.
O que muda
Atualmente no Bolsa Família existe um pagamento básico para famílias na extrema pobreza, ou seja, que têm renda de até R$ 89 por pessoa. Elas recebem o crédito também de R$ 89. É possível somar a isso os benefícios variados: de R$ 41 por cada criança, adolescente de até 15 anos, gestantes, com limite máximo de cinco beneficiários por casa; ou de R$ 48 para jovens de 16 e 17 anos, com limite de dois pagamentos por família.
Caso, mesmo recebendo esses pagamentos, a família não atinja a renda de R$ 89 por pessoa, tem direito a um complemento para sair da faixa da extrema pobreza. Já os grupos familiares considerados pobres, que têm renda entre R$ 89 e R$ 178 por membro, recebem apenas os benefícios variados, sem o pagamento básico.
O novo auxílio reunirá seis benefícios sociais que poderão ser acumulados: como a bolsa iniciação científica júnior para estudantes com bom desempenho em competições acadêmicas e científicas; o auxílio esporte escolar, para estudantes de 12 a 17 anos que se destaquem em jogos escolares brasileiros; e o auxílio criança cidadã, no caso de criança até 2 anos incompletos que não encontre vaga em creches públicas ou privadas da rede conveniada; o auxílio inclusão produtiva rural, pago por 36 meses a agricultores familiares inscritos no Cadastro Único; o auxílio inclusão produtiva urbana, para quem estiver na folha de pagamento do Auxílio Brasil e comprovar vínculo de emprego formal; e o benefício compensatório de transição, para famílias cadastradas no Bolsa Família que perderem parte da remuneração após a transição para o novo formato.
A proposta prevê a ampliação do número de famílias contempladas atualmente pelo Bolsa Família, além de reajuste nos valores dos benefícios pagos, com maior eficiência no direcionamento dos recursos públicos. Segundo dados do Ministério da Cidadania, cerca de quase 1,2 milhão de cadastros aguardavam em março para receber a transferência de renda.
Renda básica universal
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em abril, que o governo federal estabeleça o valor de uma “renda básica cidadania” já a partir de 2022. O benefício deverá ser pago a pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza para que tenham condições de fazer despesas mínimas com alimentação, educação e saúde.
A renda básica está prevista numa lei aprovada em 2004, mas não havia sido regulamentada até hoje, o que motivou a Defensoria Pública da União a entrar com uma ação no STF no ano passado. Para Leandro Ferreira, uma nova política de transferência de renda deveria ir nesse sentido.
“A primeira questão que o governo deveria levar em conta é essa: que essa decisão está valendo e é preciso atender ao que determina o Supremo. Em segundo lugar, fazer a transição dos programas de transferência de renda, seja o auxílio [emergencial], seja o Bolsa Família, na direção de uma renda básica que deixaria o programa mais simples e mais igualitário, para que todo mundo receba a mesma categoria de benefício e não benefícios tão variáveis como estão descritos na MP”, defende o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica.
Já para Hélio Santos, apenas um programa de transferência de renda integrado com outras áreas poderá possibilitar o avanço no combate à desigualdade social.
“Eu sempre defendi o apoio integral às famílias de risco – que geralmente são lideradas por mulheres e, quase na totalidade das vezes, mulheres pretas. Esse programa deve possibilitar que as famílias possam parar de receber o benefício em até três anos, porque não precisam mais dele. Para isso, é necessário investimento por parte do Estado em educação de qualidade, capacitação dos trabalhadores, saúde e assistência social”, pontua Santos, que também é doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (USP).
Posicionamento do governo
O Ministério da Cidadania, por sua vez, explica que o Auxílio Brasil prevê o fortalecimento da rede de proteção social e cria oportunidades de emancipação para a população em situação de vulnerabilidade.
“O objetivo é ampliar o alcance das políticas sociais e atingir, com maior eficácia e responsabilidade fiscal, a missão de superar a pobreza e reduzir os efeitos da desigualdade socioeconômica”, coloca o ministério.
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