PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

O que a desistência de Joaquim Barbosa simboliza para o eleitorado negro?

18 de maio de 2018

Após o ex-ministro do STF ter anunciado que não será candidato a presidente, houve mudança significativa no cenário eleitoral; o que se pode esperar daqui em diante?

Texto / Amauri Eugênio Jr.
Imagem / José Cruz / Agência Brasil

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

Em 8 de maio, Joaquim Barbosa, ex-presidente do STF (Superior Tribunal Federal), anunciou, em sua conta no Twitter, que não será mais candidato à presidência da República pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro).

A desistência de Barbosa, que segundo o próprio foi uma “decisão estritamente pessoal”, aumentou a imprevisibilidade do cenário político para o pleito eleitoral, cujo primeiro turno acontecerá em outubro de 2018.

Antes de sair em definitivo da disputa, o ex-ministro do STF tinha significativos 10% de intenções de voto, estando à frente de nomes como Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT), à época com 9% e 8%, respectivamente.

A primeira pesquisa sem o nome de Joaquim Barbosa, feita pela CNT/MDA e divulgada esta semana, mostrou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba (PR) após ter sido condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tem 32,4% das intenções de voto, enquanto Jair Bolsonaro (PSL) tem 16,7%, Marina Silva (Rede) está com 7,6%, Ciro Gomes, com 5,4%, e Alckmin aparece com 4%.

Enquanto isso, em cenário sem Lula, Bolsonaro aparece com 18,3%, seguido por Marina (11,2%) e Ciro (9%).

Tais dados mostram que Barbosa tinha condições para crescer de modo significativo. E isso torna as circunstâncias de sua desistência, de fato, ainda mais enigmáticas.

“O que tirou Joaquim Barbosa da disputa, sendo que ele já tinha 10% das intenções de voto de forma espontânea, em um país com quase 54% da população negra? Veja o potencial que ele teria. Se ele aparecesse na televisão [para falar da candidatura], ele criaria empatia, e, se lançado candidato, teria margem para crescer”, explica Luciano Cerqueira, pesquisador associado do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, consultor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil) e doutorando no Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da UERJ, ao apontar um efeito colateral da desistência. “Será que foi o medo de ter a vida vasculhada? Ele disse que foi uma decisão particular. Respeita-se, mas se especula também. E a especulação corrente é essa.”

Imagem: Elza Fiuza / Agência Brasil

Qual é o campo político de JB?

Joaquim Barbosa notabilizou-se na opinião pública em virtude do período em que foi ministro do STF, em especial como presidente da entidade, cujo ápice foi o julgamento dos réus do mensalão, que culminou na condenação de José Dirceu (PT), que foi ministro-chefe da Casa Civil no primeiro mandato de Lula. E é possível dizer que esse episódio teve papel significativo na formação de grupos propensos a votar (ou não) nele.

“Joaquim Barbosa tinha dois tipos claros de eleitores e de não eleitores. À direita, ele era visto como o anti-PT e como o cara que combateu o partido e a corrupção, por ter sido um dos principais atores do mensalão e condenado Dirceu. Ainda assim, parte da direita não votaria nele e jamais votaria em um negro”, pontua Cerqueira, ao traçar paralelo com a esquerda: “alguns votariam nele por ser negro e por verem nele a [chance de haver] mudanças e políticas públicas. Mas o veem também como o cara que começou a perseguição à esquerda.”

Se por um lado, o papel de Barbosa no mensalão o fez ser visto como um cara que combate o PT – e a esquerda, por tabela -, outros episódios o colocam, mesmo involuntariamente, como uma persona de esquerda.

A declaração sobre o processo que tirou Dilma Rousseff (PT) da presidência da República, em 2016, foi classificado como “impeachment tabajara”, face à fragilidade legal do argumento usado como crime de responsabilidade – se bem que até o senador Renan Calheiros (MDB) o fez também. Ainda, o voto em favor das cotas raciais aumenta os impulsos em classificá-lo como um expoente do campo progressista.

Ainda assim, é difícil enquadrá-lo em um campo político específico. “Como se pode defini-lo como de direita, esquerda ou de centro, sendo que ele nunca falou sobre economia, políticas para jovens ou reforma agrária? É muito difícil enquadrá-lo em um campo, sendo que não se sabe o que ele pensa”, ressalta Cerqueira.

Outro aspecto que aumenta o mistério em torno do que o ex-ministro poderia simbolizar está relacionado ao fato de ele ser um outsider, ou seja, alguém de fora do meio político tradicional. Ainda que pudesse atrair o voto de segmento populacional que não acredita mais na classe política, é justamente a dúvida em torno do que ele de fato defende que aumentam os pontos de interrogações sobre quem ele seria uma vez como político.

O caso de Joaquim Barbosa pode ser, guardada as devidas proporções, associado ao do ex-presidente estadunidense Barack Obama. Apesar de ter sido o primeiro chefe de Estado dos EUA, ele pouco pôde e conseguiu fazer, em termos de políticas públicas, em favor da população afro-americana. Caso Barbosa concorresse e fosse eleito, a história seria semelhante ou diferente?

“É muita ingenuidade achar q a chegada dele à presidência traria mudanças radicais. Via-se essas mudanças nele, mas se esqueciam de que ele representaria diversos setores e, talvez, não colocasse em prática nenhuma ideia para reduzir a desigualdade. É necessário estar cercado por um grupo de forças em favor disso. Ele foi a favor da lei de cotas, mas daí pensar que ele apoiaria outras políticas para a população negra é uma incógnita”, recorda o pesquisador associado do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ. Logo, fica a dúvida se, em um cenário hipotético, o ex-presidente do STF se deixaria orientar pela cor da pele ou pela classe social em que está inserido e pelo lobby de demais políticos, inclusive do legislativo.

Todavia, uma coisa é fato: faltam negros na política nacional. Vide o fato de haver apenas dois senadores negros e pardos entre 81, além de haver 43 deputados federais que se reconhecem como negros e pardos entre 513 parlamentares.

“Ele pode ser usado como um exemplo para vermos a falta de representatividade da população negra na política brasileira. Gostaria de ver mais candidatos negros e candidatas negras para haver mais diversidade. Joaquim Barbosa não concorrer deixará uma lacuna para a população negra que queria votar nele. Precisamos de mais pessoas negras concorrendo ao executivo, mas não para votar nelas apenas por serem negras. Devem ter viés voltado à população pobre”, completa Luciano Cerqueira.

 

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano