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O que ativistas do movimento negro esperam das eleições de 2018?

6 de junho de 2018

A maior presença do debate racial na sociedade, o crescimento do movimento negro e a revolta por conta do assassinato de Marielle Franco são alguns dos elementos que modificaram o cenário político no Brasil

Texto / Pedro Borges
Imagem / Pedro Napolitano Prata

A discrepância entre a ausência de negros nos poderes executivo, legislativo e judiciário e a composição racial brasileira com mais de 50% de pretos e pardos, identificações que compõem o grupo racial negro de acordo com o IBGE, é incontestável.

Conhecer de maneira precisa tal disparidade só foi possível, porém, nas eleições de 2014, quando os candidatos tiveram que assinalar como se identificavam racialmente.

Dados apurados pela Revista Congresso em Foco, a partir de informações obtidas com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), apresentam que dos 1.627 candidatos eleitos, 1.229 se declararam brancos (76%), 342 se definiram como pardos, 51 como pretos, 3 como amarelos e 2 como indígenas. A população negra então, resultado da soma de pretos e pardos, representaria apenas 24,1% dos eleitos.

Ana Cláudia Mielke, integrante da coordenação executiva do Intervozes e pré-candidata a deputada estadual (PSOL), conta que o processo histórico de exclusão da população negra dificulta a possibilidade de acesso ao executivo, caracterizado por ter disputa mais elitista do que o legislativo.

“A disputa ao legislativo torna-se, neste cenário, uma possibilidade de se contrapor à sub-representação negra na política, algo que impacta no tipo de lei e no tipo de política pública que se produz nestes espaços”, afirma.

Para as eleições deste ano, candidaturas com proximidade ao movimento negro têm colocado como meta a busca por espaço no legislativo federal ou estadual.

As diferenças raciais no legislativo federal são similares às presentes na política brasileira de modo geral. Dos 513 deputados federais, 103 se autodeclaram negros, enquanto 410 se identificam como brancos.

A falta de representatividade nos postos de liderança não é exclusiva da política de maneira geral, onde há maior presença de figuras à direita do espectro político. Ela também permanece e se reflete no campo da esquerda.

“Se a gente levar em consideração as dinâmicas dos movimentos sociais, a gente tem dinâmica de sub-representatividade de negros na construção das bases. A direção dos partidos, que por outro lado é fruto de processo de aposta política, não se dá por meio da figura negra”, explica Douglas Belchior, coordenador da Uneafro e pré-candidato a deputado federal (PSOL).

Mais do que uma possibilidade, o legislativo tem papel de extrema importância no país. O processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e mesmo a pressão pela aprovação de pautas conservadoras, como a PEC dos gastos públicas e as reformas trabalhista e da previdência, são orquestradas pelo legislativo.

Ana Cláudia Mielke destaca que o legislativo pode também colaborar no acompanhamento da execução de políticas públicas voltadas para a população negra.

“Embora tenhamos conquistado legislação antirracista e construído políticas públicas específicas para a população negra na saúde, assistência, educação, entre outros setores, pouco se avança em resultados porque a implementação dessas ações segue sendo negligenciada”, conta.

Movimento negro

A ausência de negros nas instâncias institucionais de poder no Brasil se agrava quando se analisa quem são os políticos negros compromissados com as pautas históricas da luta antirracista.

Benedita da Silva, Paulo Paim e Leci Brandão são alguns dos exemplos que ocupam cargos públicos há alguns anos e criam a possibilidade de diálogo com a população negra organizada. Muito pouco, quando se leva em consideração o tamanho do contingente de afrodescendentes no Brasil e a gravidade das demandas, que são os casos do genocídio negro, o encarceramento em massa, entre outras pautas.

Douglas Belchior recorda como o movimento negro esteve presente nos principais momentos da história brasileira, como o processo de redemocratização e a construção de ferramentas de proteção como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o que representa a força da coletividade.

“A representatividade negra na política precisa ter força a partir da base social. A gente precisa fortalecer a ideia de uma política negra”, diz.

Juninho Jr., integrante do Círculo Palmarino e pré-candidato a deputado estadual (PSOL), completa de que é necessário construir essa representação política sem deixar de lado as pautas históricas do movimento.

“É fundamental que as candidaturas negras não sejam avulsas e que tenham relação com bandeiras históricas do movimento negro. É impossível pensar em uma democracia que mata 60 mil pessoas por ano, com 77% de jovens negros”, afirma.

Mesmo com o provável avanço de candidatos e partidos conservadores, a conjuntura para as eleições deste ano indica a possibilidade de sucesso para a construção de candidaturas negras.

A maior pressão feita pelo movimento negro, com a exigência de espaço de representação nos partidos de esquerda, e o fortalecimento do debate racial são fatores relevantes.

“Hoje se fala mais abertamente de racismo e você tem maior acesso à universidade. Isso tudo cria um caldo político no qual a questão da representatividade começa a ganhar peso muito grande na sociedade”, afirma Juninho Jr.

Érica Malunguinho, fundadora da Aparelha Luzia e pré-candidata a deputada estadual (PSOL), acredita que o impacto do debate racial já está posto, e que agora é precisa ver as consequências disso.

“As urnas serão resultado disto que já foi escolhido como prioridade”, afirma.

Outro aspecto que alterou a discussão política no Brasil foi o assassinato de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro (PSOL), e do motorista, Anderson Gomes, em março deste ano. A quinta parlamentar mais votada no Rio de Janeiro, com 46.502 votos, denunciava os abusos de violência da Polícia Militar do Estado, em especial nas periferias cariocas.

Além de atos com milhares de pessoas nas ruas das grandes cidades por todo o país, o caso gerou revoltas em todo o mundo e chegou a mobilizar as redes sociais com cerca de 1,16 milhão de menções no Twitter entre as 22h do dia 14 e as 16h de 16 de Março.

Ativistas do movimento negro fecharam, inclusive, uma das principais vias de São Paulo, a Radial Leste, com fogo em pneus e bandeiras para exigir a resolução do caso e o fim do genocídio negro no país.

“Seu legado [de Marielle] nos alerta sobre a urgência de expandirmos nossa participação na narrativa institucional, pois somos poucos falando de temas fundamentais”, completa Erica Malunguinho.

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