Em artigo, Pedro Borges analisa que “apesar das colocações discriminatórias do atual presidente serem terríveis e ofensivas aos segmentos sociais marginalizados, o projeto político e econômico de Bolsonaro revela a intensidade da violência do atual governo contra esses grupos”
Texto / Pedro Borges
Imagem / Matheus Machado/ Mídia NINJA
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Durante o processo eleitoral e a carreira política, não foram poucas as vezes que Bolsonaro foi acusado de racista, machista, ou homofóbico. Em inúmeros momentos, o atual presidente deu declarações ofensivas a mulheres, negros, LGBTs, pobres, nordestinos, todos os grupos sociais não hegemônicos.
Enquanto homem negro, me senti profundamente incomodado quando o então candidato ao posto de chefe do executivo disse que os quilombolas de Eldorado Paulista, interior de São Paulo, mal serviam para “procriar”, utilizando um termo comum para descrever relações sexuais entre animais. O atual presidente também os caracterizou como vadios e preguiçosos.
Muito me incomoda também ver Bolsonaro alimentar o mito da democracia racial, levantar a bandeira de que a “nossa cor é o Brasil”, aproximar figuras negras e assim se defender de qualquer acusação de racismo.
Somos todos brasileiros, mas quem morre são os pretos.
Mesmo homem, cis, hétero, também me senti incomodado com as declarações LGBTfóbicas, machistas, entre outras afirmações discriminatórias do chefe de Estado.
Todas essas declarações, para além de ofenderem, colaboram para a reprodução de um imaginário de inferioridade e permanência desses grupos em condições subalternas. Mais do isso, incentivam as violências sistemáticas contra negros, mulheres, LGBTs.
A pior violência de Bolsonaro contra esses segmentos, porém, não é o que ele fala ou anuncia. Bolsonaro, a equipe ministerial e as grandes bancadas conservadoras do poder legislativo operam em uma lógica muito violenta para todos, mas em especial para esses agrupamentos.
De um lado, Paulo Guedes, descrito como super-ministro, apresenta uma política econômica neoliberal que combina reforma da previdência, alteração no modelo tributário brasileiro, mudança nas leis trabalhistas, entre outras propostas que intensificam a desigualdade social no país.
Como exemplo, a proposta de reduzir o valor máximo do Imposto de Renda (IR) de 34% para 20% fere o princípio da regressividade do sistema tributário: quem recebe mais, paga mais. A proposta, além de poder piorar a vida de quem ganha menos por ser mais taxado, diminui a taxação sobre os mais ricos. Os impostos de alguém com salário de até R$ 2.800,00 saltariam de 7,5% para 20%, enquanto que para quem recebe mais de R$ 4.600,00, haveria uma redução de 7,5%. O problema não é ter uma alíquota máxima alta. A questão é a taxação recair de maneira “igual” a todo mundo.
A alteração dessa cobrança recairia de maneira desigual sobre a comunidade negra. Entre os 10% mais pobres do país, de acordo com dados do IBGE de 2016, 78,5% são negros, contra 20,8% de brancos. Essa estatística se inverte entre os 10% mais ricos: 72,9% são brancos e 24,8% são negros.
É aqui a perversidade do projeto político e econômico de Jair Bolsonaro, que alimenta e intensifica a permanência desse grupo, como acontece no Brasil desde o pós escravidão, nas nossas bases sociais.
Se por um lado há uma perspectiva de aumento das desigualdades, por outro, o governo Bolsonaro adota propostas de maior controle. Não poderia ser diferente. Aumentar as diferenças sociais é intensificar os conflitos no país. Para isso, Sérgio Moro, o outro super-ministro, apresenta propostas que flexibilizam o porte de armas e facilitam a justificativa policial para a execução de pessoas.
Aqui, chega a ser redundante afirmar que mulheres e homens negros, principais vítimas de violência no país, também estarão cada vez mais na mira da morte. De acordo com o Atlas da Violência referente a 2017, documento publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 62.517 pessoas foram assassinadas no país, sendo que dessas, 71,5% eram negras
Bolsonaro e seus dois super ministros, um com o papel de aprofundar as desigualdades e outro com a missão de controlar as desigualdades, promovem a política econômica mais racista, sexistas e LGBTfóbica desde a redemocratização do país.
O racismo está muito além de qualquer imaginário negativo sobre o negro ou qualquer violência simbólica. O racismo é o projeto político e ideológico que congela mulheres e homens negros na base da pirâmide social brasileira e que ao fim os levam para a morte física ou simbólica, o que o movimento negro nacional caracteriza como um projeto genocida.
É preciso apresentar a materialidade dessa violência e desmascarar o discurso do presidente de que a “nossa cor é o Brasil”. É necessário ruir o mito da democracia racial e demonstrar a perversidade do projeto político e econômico neoliberal, responsável por estimular o assassinato da juventude negra.
As declarações racistas, machistas e LGBTfóbicas do presidente precisam ser usadas para o desenvolvimento de estratégias políticas de luta, sabendo que precisamos avançar e evidenciar a perversidade social por detrás das propostas de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e Sérgio Moro.