Além de uma forte mobilização pelas redes sociais, centenas de sacerdotes e sacerdotisas, de várias partes do país, desembarcaram em Brasília (DF) para acompanhar de perto a sessão desta quinta-feira (28)
Texto / Claudia Alexandre
Imagem / Marcelo Camargo / Agência Brasil
Muito cumprimentado pelos seguidores que lotaram as áreas do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (28), advogado do caso que julgou a constitucionalidade do sacrifício de animais em cultos religiosos, Dr. Hédio Silva Jr. fez questão de agradecer às lideranças religiosas locais e também de estados que se mobilizaram entorno do caso.
“O STF hoje, não graças as destrezas dos advogados, a vitória que obtivemos hoje é graças a luta dos que morreram, dos que foram encarcerados, dos que foram internados em hospícios, dos que foram humilhados, dos que ficaram pela estrada, para que a gente mantivesse os nossos inquices, os nossos orixás e os nossos voduns em pé. Os nossos ancestrais são os donos dessa vitória de hoje”, disse.
Após a vitória, por unanimidade, na Suprema Corte, Dr. Hédio chamou a atenção para o resultado favorável. “Eles reconheceram que a nossa religião tem que ser respeitada. Vários ministros fizeram questão de dizer que a decisão de hoje era importante, muito mais pelo recado que algumas pessoas precisam ouvir de que o Brasil é dos cristãos é verdade; o Brasil é dos ateus, é verdade; o Brasil é dos protestantes, é verdade, mas o Brasil também é dos macumbeiros”, comemorou.
Pra finalizar, o advogado aproveitou para deixar um recado ao povo do axé. “Que meu pai Xangô continue mantendo nosso senso de justiça, a nossa unidade e a nossa cumplicidade. Nós precisamos discutir menos sobre a cor da vela que nós acendemos pra Ogum e mais como é que nós vamos fortalecer uns aos outros. Axé pra todo mundo”, disse.
O caso
“Minha fé não violenta, alimenta!”. Foi com essa palavra de ordem que o povo do axé amanheceu mais unido nesta quinta-feira no STF, que julgou o recurso extraordinário (RE) 494601 movido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. A ação previa a anulação do direito constitucional de liberdade de culto, com pedido para que o abate religioso, que fundamenta a tradição das religiões de matrizes africanas, fosse considerado inconstitucional.
Além de uma forte mobilização pelas redes sociais, centenas de sacerdotes e sacerdotisas, de várias partes do país, desembarcaram em Brasília (DF) para acompanhar de perto a sessão marcada para às 14 horas. A ação contou com a defesa do Dr. Hédio Silva Júnior, Dr. Antônio Basílio e Dr. Jader Freire de Macedo Júnior, que representaram a União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil.
Por unanimidade, o Tribunal negou provimento do RE 494601 fixando que “é constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”.
A ação já tinha recebido dois votos a favor, em agosto do ano passado, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo, que teve como relator o ministro Marco Aurélio. Moraes em seu voto-vista, falou da importância do sistema alimentar para as tradições das religiões de matriz africana.
O ministro Moraes disse ter identificado ainda uma “interpretação preconceituosa da prática religiosa de terreiros de Candomblé por autoridades administrativas e sanitárias, do Rio Grande do Sul, de onde partiu a acusação de que os cultos afro-religiosos praticam maus tratos e crueldades contra animais”.
“O ritual não pratica maus tratos. Várias fotos, argumentos citados por alguns amici curie (amigos da Corte), com fotos de animais mortos e jogados em estradas e viadutos, não têm nenhuma relação com o Candomblé e demais religiões de matriz africana”, afirmou Moraes.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do ministro Edson Fachin que reconheceu a total validade do texto integral, pelo desprovimento ao RE. Afinal do voto, Barroso ainda fez uma saudação usada pelo povo do axé, principalmente de Umbanda, e disse “saravá”.
Minha fé não-violenta
Foi pela sua página na rede social que Yá Gilda, do Ilê Odeaxé Oxum, em São Paulo, também comemorou o resultado, dizendo que o dia 28 de março de 2019 “entrará para a história das religiões de matriz africana”.
Segundo ela, todos os ministros entenderam que o abate além de ser fundamental ao culto, é uma das identidades e laços que os ligam aos orixás. “Ganhamos essa batalha, mas estejamos atentos e saibamos que hoje, além de termos a proteção de cultuarmos nosso deuses garantida pela constituição, temos matéria julgada pelo STF, que nos diz que temos direito e não podemos ser respeitados”, lembrou Yá Gilda.