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Pacote de segurança de Sérgio Moro: movimento negro foi o principal algoz do projeto

Trechos como o plea bargain e o excludente de ilicitude foram retirados do projeto após denúncias a nível internacional do movimento negro

30 de dezembro de 2019

Uma das propostas mais importantes do primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro foi o pacote de segurança pública, apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. No decorrer de 2019, o projeto que propõe mudanças na legislação brasileira foi alvo de denúncias do movimento negro a nível internacional.

No dia 25 de dezembro, o projeto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro com quase 30% das medidas, apresentadas no texto original, retiradas devido à ação do movimento negro junto a órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos e parlamentares de oposição ao governo.

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Pontos derrubados do texto

Em 6 de agosto, o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, responsável por analisar o pacote de segurança pública de Sérgio Moro, derrubou pontos importantes do texto e que já haviam sido denunciados pelo movimento negro.

Um deles foi o plea bargain, que consiste na formulação de um acordo entre o Ministério Público, o acusado e o júri, sem a submissão de um processo penal. Esse ponto foi criticado pelo movimento negro por se tratar de uma política que pode aumentar o encarceramento de jovens negros em um judiciário descrito por pesquisadores como racialmente seletivo.

Outro ponto derrubado diz respeito à legítima defesa nos casos de violência contra a mulher. A proposta era de redução da pena ou até mesmo não aplicação, caso o réu afirmasse legítima defesa por “violenta emoção”. O texto foi criticado por entidades em defesa dos direitos da mulher, pois o argumento poderia ser usado como justificativa para casos de feminicídio.

O movimento negro, especialmente, comemorou a retirada da medida por avaliar que esse tipo de crime recai de maneira ainda mais sensível sobre a mulher negra. Segundo o Atlas da Violência de 2019, 66% das mulheres assassinadas no país em 2017 eram negras.

No mês seguinte, em 25 de setembro, o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, derrubou todo o trecho do pacote que tratava sobre excludente de ilicitude. A medida reduziria ou até eliminaria a punição, em casos específicos, para quem pratica crimes como homicídio.

As alterações rejeitadas pelos parlamentares ampliavam a legítima defesa de agentes de segurança que tirem a vida de alguém por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O ministro Sérgio Moro havia proposto que a pena do crime de matar deveria ser reduzida à metade ou, até mesmo, não aplicada.

Para o movimento negro, a medida significava uma licença para matar negros e pobres. A oposição do governo na Câmara citou como exemplo o assassinato de Ágatha Felix, de oito anos, morta após ser atingida por um tiro disparado por um policial militar, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

Outro ponto retirado do texto original de Sérgio Moro pelo grupo de trabalho da Câmara foi o sobre a prisão em segunda instância. O pacote previa a mudança na legislação brasileira para que a prisão em segundo grau fosse reconhecida legalmente. O grupo de trabalho retirou esse trecho por entender que seria preciso mudar a Constituição.

Em novembro, o Supremo Tribunal Federal proibiu o início do cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos. O Supremo se baseou no artigo 283 do Código Penal, que declara que “ninguém pode ser preso antes do fim do processo a não ser que haja flagrante de crime ou pedido de prisão preventiva”.

Denúncias internacionais

No dia 20 de fevereiro, organizações do movimento negro protocolaram uma denúncia contra o pacote na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA). O documento pediu um posicionamento do órgão sobre as medidas e a disponibilização de um observador internacional para acompanhar o caso junto ao Congresso brasileiro.

Na denúncia, o movimento antirracista argumentou que o pacote poderia aprofundar o genocídio da população negra, que é a mais atingida pela violência. Um dos indicadores usados foi o do Atlas da Violência, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que aponta que das 62.517 pessoas assassinadas no país em 2017, 71,5% eram negras.

Três meses depois, em maio, representantes do movimento negro participaram de uma audiência com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Kingston, na Jamaica. Na ocasião, os representantes detalharam as argumentações contrárias às propostas do governo de Jair Bolsonaro, como o pacote de segurança pública.

No dia 5 de julho, o movimento negro entregou uma carta ao presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, com pedido de apoio nas audiências públicas sobre o pacote de segurança pública. A carta recebeu o apoio de entidades da Argentina, Canadá, Colômbia, República Dominicana, Peru, Uruguai, Venezuela e Estados Unidos, além de intelectuais americanos e da Nigéria.

Juliana Góes, doutoranda na Universidade de Massachusetts – Amherst e integrante da Articulação Regional de Afrodescendentes de América Latina e Caribe, avaliou que o fato de organizações do exterior questionarem o projeto demonstrou a falta de legitimidade do pacote.

“Este apoio demonstra o quão problemática é a proposta de Moro. A violência no Brasil chama atenção da comunidade internacional. O projeto ignora completamente dados e sugere medidas que criminalizam mais ainda a população negra e aumentam a violência sobre este setor”, definiu.

Já em setembro, integrantes da Coalizão Negra Por Direitos denunciaram o pacote de segurança pública à Organização das Nações Unidas (ONU) durante encontro com membros do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) em Genebra, na Suíça. A organização antirracista composta por 60 entidades da sociedade civil também formalizou denúncias contra outras políticas do governo federal, como os decretos armamentistas de Jair Bolsonaro.

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  • Nataly Simões

    Jornalista de formação e editora na Alma Preta. Atua há seis anos na cobertura das temáticas de Diversidade, Raça, Gênero e Direitos Humanos. Em 2023, como editora da Alma Preta, foi eleita uma das 50 jornalistas negras mais admiradas da imprensa brasileira.

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