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A população negra avançou no campo político com Lula?

5 de abril de 2018

O campo político foi outra arena de envolvimento entre Lula e a população negra. A criação do Estatuto da Igualdade Racial, a SEPPIR e o feriado de 20 de Novembro são marcos desse processo. Para alguns especialistas entrevistados pelo Alma Preta, a gestão representa um avanço na luta contra o racismo no Brasil. Para outros, as políticas deixaram a desejar.

Texto / Pedro Borges
Imagem / Agência Brasil

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No dia 9 de Janeiro de 2003, no primeiro mês enquanto presidente da República, Lula decretou a inclusão, no calendário escolar, do feriado de 20 Novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares.

Durante a gestão da principal liderança do Partido dos Trabalhadores (PT), outras medidas foram tomadas, baseadas em pautas históricas do movimento negro, como a criação do Estatuto da Igualdade Racial e da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).

O Alma Preta decidiu conversar com ativistas do movimento negro, de diferentes espectros políticos, com o intuito de avaliar as ações do governo Lula para a comunidade afro-brasileira.

A reportagem vem a público no momento em que o ex-presidente corre risco iminente de ser preso. Na noite de quarta-feira (4), o STF (Supremo Tribunal Federal) negou o habeas corpus solicitado pela defesa do ex-presidente para impedir a sua prisão – foram seis votos contra o recurso perante cinco votos em favor da liberdade de Lula.

Como os recursos em segunda instância estão esgotados, o cumprimento da pena, de 12 anos e um mês em virtude de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, depende agora da análise do último recurso por parte do TRF-4 (Tribunal Regional Federal 4), de Porto Alegre.

Após essa fase, o processo poderá ser devolvido nas próxima semanas e caso seja negado, o processo será encaminhado ao juiz federal Sérgio Moro, que determinará a prisão de Lula. No entanto, no início da noite de quinta-feira (5), Moro determinou a prisão do ex-presidente e que ele se apresente até as 17h de 6 de abril (sexta-feira) na sede da Polícia Federal, em Curitiba (PR).

A pesquisa Afrodescendentes e Política, realizada pelo Painel BAP, aponta que 22% do eleitorado negro paulista votaria e 19% votaria com certeza em Lula na corrida presidencial deste ano. Em contrapartida, 34% diz que não votaria nele em hipótese alguma, 6% provavelmente não votaria, 17% poderia votar ou não e 4% não soube responder.

O senador Paulo Paim (PT) acredita que o apoio ao ex-presidente se justifique pelo reconhecimento, por parte de Lula, de negras e negros como sujeitos de direito.

“Com a pressão do movimento negro e a sensibilidade desenvolvimentista de Lula, diversas políticas públicas para população negra foram criadas”.

Deputada Federal (PT) e ex-ministra da Assistência Social de 2003 a 2007, Benedita da Silva recorda que ações adotadas pelo governo Lula em áreas como a educação e a economia contribuíram para o desenvolvimento da população negra.

“Nos governos Lula e Dilma, pela primeira vez em 500 anos, a renda da população preta e parda cresceu 51,4%, enquanto a da população branca aumentou 27,8%, segundo o IBGE”.

Tago E. Dahoma, integrante do Ciclo de Formação Marcus Garvey, acredita que os avanços da gestão, diante do apoio recebido pelo movimento negro e pelos afro-brasileiros, foram tímidos.

“Podemos perceber que as políticas no governo Lula foram na maioria das vezes universais e, com isso, ressoavam na população negra. Mas em algo que se precisava especificar racialmente, poucas coisas foram feitas”.

Foto: Agência Brasil

O que pensam os ativistas do Estatuto da Igualdade Racial?

A formulação do Estatuto da Igualdade Racial é um dos momentos de destaque da relação entre Lula e a luta contra o racismo.

De acordo com o texto, promulgado em 20 de Julho de 2010, o Estatuto tem o objetivo de “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”.

O projeto, de autoria do mandato de Paulo Paim, é uma ferramenta na luta pelos direitos do povo negro, segundo o senador.

“Ele é um marco na história do povo negro, um divisor de águas. Certamente, a história das lutas e da elaboração de políticas públicas será dividida entre o antes e o depois da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial”.

Benedita da Silva completa e aponta que o Estatuto tinha ambições políticas importantes, interrompidas pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

“O Estatuto apontava para um futuro no qual a participação do negro na sociedade e no poder público corresponda ao seu peso relativo na população. Como sabemos, infelizmente, o golpe de 2016 interrompeu esse processo gradual de libertação da população negra”.

O presidente estadual do PSOL e coordenador do Círculo Palmarino, Juninho Junior, faz algumas ressalvas ao Estatuto e recorda que o texto passou por uma série de mudanças durante a sua aprovação no legislativo brasileiro.

“O texto original do Estatuto foi construído com base nas reivindicações do movimento social negro. Mas na sua tramitação na Câmara e no Senado, ele sofreu diversas alterações”.

Do primeiro documento, retirou-se o capítulo sobre a regularização dos territórios quilombolas, a sessão destinada à mulher afro-brasileira, e a previsão de cotas de atores e atrizes negros em peças publicitárias e programas televisivos.

A parte apagada mais sentida por ativistas, contudo, é a revogação de um fundo nacional para impulsionar o Estatuto e o combate ao racismo, como explica o professor da ECA-USP e integrante da Rede anti-racista Quilombação, Dennis de Oliveira.

“Avançamos na constituição de marcos legais e políticas públicas, mas não avançamos na dotação orçamentária que garante a plena execução destas políticas e dispositivos legais. Por isso, acredito que no caso específico do Estatuto, ele acabou virando uma carta de boas intenções, mas de pouco resultado prático, mesmo no governo Lula”.

Outra crítica ao Estatuto é a condição “autorizativa” do documento, que não obriga os gestores públicos a colocarem em prática o que o texto propõe.

Já Tago E. Dahoma diz que, depois de tantas mudanças, algumas organizações do próprio movimento negro pediram pela não continuidade do processo de aprovação do marco.

“Mesmo assim, o governo não se interpôs a defender o Estatuto na Câmara, apesar do apoio maciço de segmentos do movimento negro ao governo, dizendo que fazia parte do jogo democrático. Lavou-se as mãos e, nisso, mais de 10 anos de construção política e mobilização foram perdidas”.

Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

E a SEPPIR?

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) foi criada em 2003, durante o governo Lula, fruto de um combinado prévio entre o movimento negro e o Partido dos Trabalhadores (PT).

A secretaria foi constituída para coordenar, articular, formular e acompanhar políticas públicas voltadas para os afro-brasileiros. Entre as propostas desenvolvidas pela pasta, pode-se sublinhar o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) e a Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial.

A instituição representou um avanço para parte do movimento negro, pois o espaço seria excelente para a articulação da agenda racial com outros ministérios, caso da Fazenda, Educação, Cultura, entre outros.

“A SEPPIR é importantíssima e cumpre seu papel histórico. A existência de uma Secretaria de Igualdade Racial reconhece que existe racismo no Brasil e por isso ela já é um grande avanço”, afirma Beatriz Lourenço, integrante da Frente Alternativa Preta.

Os ativistas, no entanto, criticam a falta de investimento e estrutura que a secretaria recebeu. Pesquisa publicada mostra que o orçamento da SEPPIR era baixo e foi caindo conforme os anos da gestão petista foram se sucedendo.

Lula, durante assinatura do Estatuto da Igualdade Racial (Foto: SEPPIR)

No biênio 2011 e 2012, o recurso enviado para a SEPPIR foi de R$ 42 milhões, quantia 26% inferior ao biênio 2009 e 2010, quando o número chegou aos R$ 57 milhões. Vale ressaltar que a quantia ainda sofreu um corte, de acordo com uma determinação da Lei Orçamentária Anual (LOA), e que a SEPPIR também enxugou a previsão de recurso de alguns projetos, por conta da redução do repasse.

Mesmo que alguns programas não exijam o investimento financeiro e possam ser desenvolvidos por meio de articulação política, das 28 propostas definidas pela SEPPIR para 2012, apenas 9 tiveram dotação orçamentária. Entre aquelas que não receberam verba, algumas são: “Implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde da População Negra”, “Implementação de um sistema de monitoramento, de acompanhamento e de incentivo às políticas de promoção da igualdade racial”, “Apoio à produção e difusão de materiais de comunicação com conteúdos antirracistas e antissexistas”.

Juninho Junior ressalta a importância dos recursos financeiros para a implementação das políticas planejadas e afirma que a ausência de investimentos pode gerar um esvaziamento da proposta inicial.

“A gente até brincava. Tem uma Ferrari, um baita de um instrumento, sem ter investimento, sem ter gasolina, relevância, orçamento, condições de incidir de fato nas coisas”.

A ausência de negros em outros ministérios também é recordada de maneira negativa. Fora da SEPPIR, outros ministros negros na gestão Lula foram Benedita da Silva, da Assistência Social; Gilberto Gil, da Cultura; e Marina Silva, do Meio Ambiente.

Beatriz Lourenço crítica a redução do movimento negro à luta pela igualdade racial. Para ela, a luta contra o racismo está para além de qualquer secretaria.

“A gente é capaz de falar sobre qualquer coisa. Então, embora pareça ser um grande avanço, ter uma Secretaria de Igualdade Racial não muda muito quando a gente não altera o Ministério da Justiça, do Trabalho e do Planejamento”.

Benedita da Silva, ex-ministra e hoje deputada federal, faz uma ressalva para a ausência de negros e aponta para a necessidade de enxergar a coalizão de governo construída, composta por partidos que não estavam comprometidos com a questão racial. Para exemplificar o ponto apresentado, recorda a gestão que teve à frente do governo do Rio de Janeiro.

“Quando eu fui governadora do Rio de Janeiro, por exemplo, nomeei sete negros e negras para o primeiro escalão do meu governo, que era composto por 30 secretarias, e inúmeros outros subsecretários(as) para cargos no segundo escalão, pois a composição do meu governo, que tinha PT, PCdoB e PSB, permitia esse tipo de decisão”.

Independente das ações voltadas de maneira direta à população negra e da ausência de negros no primeiro escalão do governo, Edson França, Vice-presidente Nacional da UNEGRO e membro do Comitê Central do PCdoB, acredita que as conquistas da população negra no governo Lula estejam para além do que se convencionou chamar de igualdade racial.

“Com um olhar muito setorizado sobre a questão racial, a gente não consegue avaliar como o Bolsa Família do governo Lula e o fortalecimento do salário mínimo beneficiaram a população negra”.

Em 2013, depois de um balanço de 10 anos do programa Bolsa Família, o governo federal apresentou que das 13,8 milhões de famílias atendidas pelo programa, 73% se autodeclaravam pretas ou pardas. Outro indicador importante é de que 68% das famílias beneficiadas pelo programa eram chefiadas por mulheres negras.

Egbomy Conceição, Eloi Ferreira, à época ministro da SEPPIR, e Lula (Foto: SEPPIR)

Feriado da Consciência Negra

A consolidação do 20 de Novembro como dia especial na luta antirracista no Brasil é uma pauta histórica do movimento negro, que remonta desde o início da década de 1970. A data foi instaurada por Lula em 9 de Janeiro de 2003 no calendário oficial do país e é uma forma de recordar a resistência de Zumbi e de todo o Quilombo dos Palmares.

O Dia da Consciência Negra como feriado nacional chegou a ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em 5 de Outubro de 2017. O texto que foi para o plenário da Câmara, porém, segue parado e ainda não foi votado.

Apesar de não ser feriado nacional, a data é recordada por cinco estados da nação, como Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro. O Rio Grande do Sul tem uma lei que celebra o dia, mas não o define como feriado. No país, são 1.045 municípios que celebram o dia, segundo levantamento da SEPPIR, feito em 2015.

Dennis de Oliveira destaca a data como uma demonstração de força do movimento negro.

“O 20 de novembro é o único feriado criado por um movimento social brasileiro. O 1º de maio, Dia do Trabalho, é uma data proposta pelo movimento operário internacional. Só isso já demonstra a importância e o reconhecimento da luta histórica do movimento negro desde a escravização, o que nos coloca como sujeitos da história”.

Lula

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