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Por que mudam a cor? Qual partido mais alterou? Entenda a dança das raças nas eleições

Maioria das alterações entre os candidatos foi de branco para pardo, grupo de cor inserido na categoria negro; pela primeira vez na história, Brasil terá uma reserva de recursos para candidatos negros
Ilustração mostra um homem branco com uma máscara de homem negro, representando candidatos que trocaram a cor no registro.

Foto: Alma Preta Jornalismo

10 de setembro de 2022

O Brasil registrou 28.274 candidatos para as eleições de 2022, número um pouco inferior do que os 28.972 cadastrados para o pleito em 2018. Daqueles que concorreram em 2018, 6.295 participam da disputa neste ano. Desses, 1.348 alteraram a autodeclaração de cor, ou seja, 1 em cada 5 candidatos.

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A maior mudança aconteceu entre as categorias de cor branco e pardo. Em 551 casos, candidatos antes autodeclarados brancos, agora se afirmam como pardos. Em 401 oportunidades, candidatos pardos modificaram a identificação de cor para branco. O Brasil registrou 31 pessoas que mudaram a identificação racial de branco para preto. Em 10 oportunidades, candidatos foram de pretos para brancos. Os dados do TSE foram obtidos pelo programador Paulo Mota, integrante do Data_Labe, laboratório de dados e narrativas localizado na favela da Maré, no Rio de Janeiro.

Gráfico mostra mudanças de raça/cor entre as eleições de 2018 e 2022.

As mudanças não estão restritas às eleições deste ano. Uma mesma comparação, entre os pleitos de 2014 e 2018, mostra mudanças semelhantes. Na disputa de 2014, foram 26.096 candidatos e em 2018, 28.972. Concorreram nas duas eleições 5.611 candidatos e desses, 1.449 mudaram a autodeclaração de cor. Desse total, 40% das mudanças foram de candidatos alterando a autodeclaração de branco para pardo, dado absoluto que representa 580 candidatos. A mudança de pardo para branco ocorreu 489 vezes, quantia que representa 33,7% do total das alterações.

Gráfico mostra mudanças de raça/cor entre as eleições de 2014 e 2018.

A alteração de branco para pardo, ou o contrário, não é uma simples mudança no Brasil. No país, as categorias pretos e pardos compõem a raça negra, em particular para os critérios do do Superior Tribunal Eleitoral (TSE). Essa alteração significa que uma pessoa antes branca, agora é negra, ou o inverso.

As alterações de identificação de cor trazem à tona a discussão sobre quem é negro no Brasil e as diferentes raças existentes no país. Nilma Lino Gomes, ex-Ministra da Secretaria Especial da Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), explica as três dimensões do ser negro no Brasil.

“A primeira diz respeito a um conjunto de pessoas que se reconhece politicamente como uma parte da população brasileira que tem como origem uma ascendência negra e africana, inscrita na sua corporeidade. Inclui pessoas que se auto identificam dentro das  categorias de cor preta e parda do IBGE e com uma consciência política de que isso as inclui dentro de uma grande categoria racial identificada como  negra e são pessoas  classificadas  pelo ‘outro’ como pertencentes às categorias de cor preta e parda, do IBGE”.

O deputado federal Luís Miranda (Republicanos) alterou a autodeclaração de branco para pardo. O parlamentar foi questionado pelo Estadão em reportagem, e publicou um vídeo nas redes sociais com justificativas sobre a mudança. Na mensagem, ele diz não ser branco, e reafirma a autodeclaração de pardo e denuncia ser vítima de racismo. Ao fim, termina a mensagem com o recado: “Racistas, me deixem em paz!”. No texto, ele explica que “se não sou branco, eu sei que negro também não sou, então só posso ser pardo!”.

Doutor em Antropologia e autor da obra “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil”, Kabengele Munanga explica existirem pessoas vistas socialmente como brancas e resultado de processos de miscigenação.

“Os brancos tem vários tons de cor, como brancos mais claros, ou escuros. Outros brancos no Brasil seriam considerados negros nos EUA. Existe uma mestiçagem entre o branco”.

Kabengele Munanga rebate a ideia de que são todos mestiços e questiona sobre o lugar para essas pessoas no Brasil. “Qual o lugar dos mestiços na sociedade brasileira? Quantos mestiços estão no congresso nacional? Quantos mestiços são ministros ou reitores das universidades? Eles são tratados como negros e sabem o seu lugar numa sociedade racista como a brasileira”.

Najara Costa, autora da obra “Quem é negra/o no Brasil?”, acredita que alguns candidatos brancos refutam a autodeclaração para não assumir um lugar de privilégio no Brasil. “Para muitos candidatos há uma necessidade de se dizer não branco para não legitimar esse lugar de privilégio, e ai eles se remetem a esses antepassados não brancos, mas são pessoas privilegiadas, porque negro no Brasil são pessoas que são lidas como negras, que enfrentam o racismo na sociedade”.

Os questionamentos sobre as mudanças se intensificam quando há uma nova legislação. Pela primeira vez na história, os partidos políticos terão de destinar uma verba proporcional do Fundo Eleitoral para os candidatos pretos e pardos do pleito.

O voto em candidatos pretos e pardos contará duas vezes, depois das eleições, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) distribuir os recursos do Fundo Partidário e Fundo Eleitoral para as legendas. Os valores são divididos com base no número de deputados federais e votos para a câmara e a quantidade de senadores por partido. Para candidaturas femininas e de pessoas pretas e pardas, o voto terá peso dobrado.

A proposta tem o objetivo de incentivar candidaturas e a eleição de pessoas pretas, pessoas negras de pele escura, e pardas, pessoas negras de pele clara e fruto de relações interraciais. Em nota enviada para a Alma Preta, o TSE afirma que as legendas vão prestar contas sobre a divisão de recursos para a corte depois das eleições e as candidaturas identificadas como fraudes podem ser cassadas, a partir de pedidos do Ministério Público e da sociedade civil.

Para além de mudanças que possam ser impulsionadas pela nova política de financiamento, o Brasil vive um momento de afirmação da identidade negra. Políticas do movimento negro, como as ações afirmativas nas universidades e concursos públicos, ou mesmo campanhas de fortalecimento da identidade negra, fizeram mais pessoas se reivincarem como negras. Parte dessas pessoas têm alterado a autodeclaração no cotidiano, depois de se entender enquanto tal. Um número representativo desse momento é a mudança de identificação de parda para preta, como ocorreu com 215 pessoas.

“O movimento negro tem reeducado a sociedade brasileira a reconhecer a sua negritude. Isso tem provocado uma maior  compreensão política de pessoas consideradas pardas e que antes negavam o seu pertencimento racial, a um posicionamento  político e afirmativo como negras”, explica Nilma Lino Gomes.

As legendas e o gênero

Os quatro partidos que mais mudaram a identificação racial no Brasil são partidos de direita e do chamado centrão. O Republicanos teve alterações de raça em 94 vezes, o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, em 89 vezes, o União Brasil, 85 e o PSD, em 75 oportunidades.

No Republicanos, 45 pessoas mudaram a autodeclaração de cor de branco para pardo e 23 de pardo para branco, no PL, 40 pessoas de branco para pardo e 37 de pardo para branco, União Brasil, 51 e 19, e no PSD, 28 e 27 candidatos, respectivamente.

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Juarez Xavier, presidente da comissão para evitar fraudes na autodeclaração da Unesp entre 2016 e 2020, acredita que esses partidos são aqueles que mais se opõem às bandeiras do movimento negro e acredita que os dados indicam para um oportunismo político.

“De modo geral, essas organizações estão todas elas ligadas ao projeto de extrema direita no Brasil. Não é nem a direita, é a extrema direita, que historicamente tem feito a negação de qualquer necessidade de políticas públicas na sociedade brasileira para enfrentar o racismo. Negam também todos os direitos para a população negra, como a titulação dos remanescentes de quilombo. Essa posição se dá por puro oportunismo para tentar dividir o público negro”.

O PSD, único partido a responder ao questionamento da reportagem, sinalizou que não há qualquer orientação por parte da legenda para a identificação racial dos candidatos, e que a decisão é dos próprios. Os demais partidos não se posicionamento sobre as perguntas feitas pela equipe da Alma Preta.

Houve também um diferente ímpeto de mudança na identificação racial entre os gêneros. Os dados apontam para uma maioria de homens na mudança de autodeclaração. Dos 1.348 candidatos que mudaram a identificação de cor, 1039 são do gênero masculino.

Das 551 pessoas que mudaram a identificação de branco para pardo, 441 eram homens, dado que representa 80% das alterações, contra 110 mulheres, ou seja, 20% do total. Entre os que mudaram a autodeclaração de branco para preto, 71% são homens. A única categoria em que as mulheres são maioria é a alteração de amarela para parda, com 10 casos de mulheres, e 5 de homens.

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Para Najara Costa, a maior presença de homens brancos na política e os privilégios deste grupo são determinantes para esse quadro. “Eu acredito que seja por um lugar de privilégio, onde os homens brancos estão no topo. As mulheres brancas estão em uma situação de desigualdade, mesmo em partidos de direita, onde são minoria e trazem isso no seu discurso e enfrentam a violência política”.

O que fazer?

Entre os entrevistados, há um consenso de que é necessário que consiga se executar de maneira mais adequada a política afirmativa criada nas eleições deste ano. Se há um entendimento de que candidatos negros recebem menos recursos, e a partir daí foram criadas ações chanceladas pelo TSE, é preciso que se alcance o objetivo inicial. E para isso, algumas saídas são possíveis.

Juarez Xavier reforça a importância das comissões de heteroidentificação para inibir as fraudes e mesmo combater essa prática. Ele presidiu as comissões para o ingresso na UNESP, entre os anos de 2016 e 2020.

“Muitas pessoas tentaram fraudar o sistema e foi possível a partir de critérios objetivos, concretos, consagrados na literatura antropológica, identificar as pessoas que estavam fraudando o sistema. A experiência das comissões foi extraordinária, Elas consolidaram o direito consagrado à população negra”.

Ele também destaca o papel do movimento negro na execução da política e no seu desenvolvimento. “Nos fomos às ruas exigir a política, ajudamos a elaborar a política, ajudamos a aprovar a política, e hoje somos os principais responsáveis pela garantia da política. Deveria ser uma responsabilidade do Estado, mas nós estamos fazendo isso”.

Najara Costa acredita que outra possibilidade seria a de alterar o Censo do IBGE e abolir as autodeclarações de cor pardo e preto e substituir por negro. Para ela, isso diminuiria os riscos de uma pessoa fraudar o processo.

“Qual a saída para isso? Que no formulário não fosse colocado preto ou pardo, mas que fosse colocado negro, porque o pardo é o grande problema. Muitas pessoas se autodeclaram pardo, porque muitas vezes na família tem essas misturas e são pessoas lidas socialmente como brancas. Quando você coloca no formulário para preencher, é preciso que se oriente que aquela pessoa parda, na verdade está se declarando negra. A política pública não faz sentido se for utilizada por pessoas que não enfrentam o racismo no Brasil”.

Nilma Lino Gomes acredita na manutenção das marcações de cor como temos hoje, com pretos e pardos. “Na minha opinião, não se deve trabalhar de forma separada as categorias de cor do IBGE  preta e parda da grande categoria racial e política negra/negro, no Brasil. O movimento negro na sua luta antirracista é o ator político responsável por uma mudança afirmativa dessas pessoas”.

Ela também reforça a dimensão de que o movimento negro tem de ser um agente importante para pensar na superação do problema. “A saída possível é aprender com o movimento negro e a luta antirracista. Ter esse movimento como interlocutor central.  É preciso entender que o racismo é o motor que leva ao oportunismo da manipulação racial, principalmente, nos contextos de alargamento dos direitos para a população negra”.

Leia também: Políticos que fraudarem a autodeclaração podem ter candidatura impugnada, segundo TSE

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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