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Primeira governadora de PE não terá propostas concretas para a população negra

Pela primeira vez, Pernambuco terá uma governadora; entretanto, Marília Arraes não cita propostas para a população negra e Raquel Lyra apenas apresenta superficialmente

Foto: Instagram/Reprodução

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6 de outubro de 2022

Pela primeira vez, Pernambuco terá uma mulher como governadora. O nome de Danilo Cabral (PSB) não foi suficiente para superar a insatisfação da população pernambucana com a gestão feita pelo partido, que passou 16 longos anos comandando o estado. Assim, Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB) disputam o segundo turno das eleições. A Alma Preta Jornalismo fez um levantamento baseado nos planos de governo de ambas as candidatas – brancas – para saber quais propostas e projetos de inclusão voltados para mulheres pretas, população negra e LGBTQIA+ elas pretendem pôr em prática caso eleita e conversou também com um cientista político para entender melhor este cenário.

Marília Arraes (Solidariedade)

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Se comparado com o programa de governo de Raquel Lyra, o plano de Marília Arraes – intitulado “Movimento Pernambuco na Veia” é bastante enxuto, com apenas 11 páginas. Contudo, ainda assim é possível observar propostas comprometidas com o público feminino.

“Faremos um governo com a responsabilidade das mulheres. Com um projeto focado na atenção integral à mulher, as pernambucanas terão acesso a serviços de saúde integral, inclusive de saúde mental, nutrição, capacitação profissional, apoio, orientação social e muito mais”, diz um trecho do documento.

Sobre a proteção de mulheres grávidas, Marília Arraes se limitou a pensar em políticas públicas para as mães que desejam ter filhos. “As mães (…) contarão com centros de parto natural, com segurança, conforto e respeito! Para as que precisarem de centros hospitalares, haverá um sistema de regulação eficiente. Pernambuco vai combater a violência e a criminalidade com eficiência, firmeza, inteligência e integração”, promete, afirmando mais abaixo que vai criar “centros de referência voltados à saúde integral da mulher, ao atendimento pré-natal, parto, pós-parto, com garantia de alimentação adequada para a mãe da gestação ao fim da amamentação”.

Marília Arraes, assim como Raquel Lyra, é declaradamente contra a legalização do aborto, conforme falou durante sabatina ao UOL e à Folha de S. Paulo, em julho. Contudo, é necessário pensar propostas nesse sentido para que as mulheres – sobretudo as negras – tenham a garantia do direito à vida. De acordo com o IBGE, o índice de abroto provocado das mulheres pretas é de 3,5%, o que equivale ao dobro do percentual entre as brancas, que é de 1,7%. Isso escancara que a pauta vai além da moralidade e trata-se de uma questão de saúde pública e direitos humanos.

Sobre a igualdade de gênero e garantia da diversidade, o documento prevê apenas o respeito à pluralidade de pensamento e crença. “Nosso estado será de todas as cores, de todas as pessoas! Igualdade de gênero, raça, direito à diversidade de pensamento e crença, serão tratados como garantias constitucionais, conquistas do estado brasileiro”. Não há propostas diretas para pessoas pretas, nem LGBTQIA+.

Cientista político e professor de Políticas Públicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Arthur Leandro observa que, apesar das propostas vagas de Marília Arraes para o governo – talvez por estar buscando um diálogo maior entre os líderes do seu mais novo partido -, a ex-petista se destaca pelas ideias que sempre defendeu e também pelo espaço que conquistou nas legendas anteriores na época em que ocupou cargos públicos, como o de vereadora do Recife e deputada federal. Por sinal, Marília foi a única mulher eleita deputada federal em Pernambuco, nas eleições de 2018.

“A força política representada por Marília vai funcionar como centro de gravidade dos partidos que trabalham com essas políticas voltadas para a população negra e das minorias relacionadas à diversidade de gênero e raça. Provavelmente, esses grupos e legendas vão se juntar ao redor da candidatura de Marília e a rejeição a essa agenda mais progressista vão se aproximar da candidatura de Raquel”, analisa.

Raquel Lyra (PSDB)

Sobre as propostas voltadas para as mulheres, o plano de governo de Raquel Lyra pode ser considerado mais robusto. Intitulado “A Mulher que Pernambuco Quer”, a ex-prefeita de Caruaru destina uma seção do documento para expor as políticas públicas que pretende desenvolver para o público feminino. No eixo de saúde e qualidade de vida, ela promete concluir as obras do Hospital da Mulher do Agreste, em Caruaru, e fortalecer a Atenção Integral à Saúde da Mulher em Pernambuco.

Sobre segurança pública voltada para o público feminino, segundo as propostas do plano de Governo, Raquel quer basicamente fortalecer o que é feito, como ampliação das Patrulhas Estaduais Maria da Penha pelas Guardas Municipais; reestruturar delegacias da mulher, apoiar a implantação de novos Centros de Referência da Mulher; ampliar o número de instituições de acolhimento para mulheres com risco de morte; criar, em parceria com os municípios, Casas de Passagem para mulheres em situação de violência.

O documento se compromete também a ajudar mulheres a fortalecerem sua independência financeira através da criação de Centros de Qualificação Profissional da Mulher nos municípios e incentivando a implantação de creches nas empresas parceiras do estado. Entre as propostas, também há a previsão de “fortalecer e ampliar as políticas públicas para as mulheres, a fim de superar desigualdades, preconceito e discriminação, promovendo cidadania e direitos a todas as pernambucanas”.

Raquel prevê também a criação de estratégias para pessoas pretas. “A pobreza em Pernambuco tem cor, gênero e lugar: ela está mais concentrada nas periferias e no interior do estado e é maior entre mulheres, pretos e pardos”, afirma em um trecho do plano de governo.

“Nosso Governo irá agir para combater a pobreza e melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas. Desde o primeiro dia, iremos realizar ações estruturantes e emergenciais para matar a fome e resgatar as condições de dignidade da nossa gente. Ao mesmo tempo, iremos reestruturar a economia e desenvolver a sociedade, combatendo toda forma de discriminação, violência e exclusão social. Com programas e políticas sociais que priorizem as pessoas que mais precisam”, complementa.

Não há propostas específicas para o público LGBTQIA+. O cientista político Arthur Leandro observar que ausência deste ponto nas 68 páginas do seu plano de governo é reflexo dos eleitores da ex-prefeita de Caruaru. “Raquel é a destinatária preferencial do voto evangélico, com o apoio dos votos de Anderson Ferreira (PL) e Miguel Coelho (UB). A direita tende-se apoiar essa candidatura. Provavelmente exigindo que ela se posicione de maneira alinhada com a agenda desses grupos e isso deve acontecer não porque Raquel seja a priori uma pessoa refratária a emancipação feminina ou a algum tipo de retrocesso na agenda LGBT, mas basicamente porque ela está mais próxima, nesse espectro político desse eleitorado do que Marília Arraes”.

Representatividade feminina ou privilégio?

Apesar da histórica representatividade feminina no Executivo, a disputa pelo segundo turno em Pernambuco acontece mais no plano simbólico do que prático, principalmente no que toca à garantia de direitos das mulheres pretas e minorias relacionadas à diversidade de gênero. O estado – assim como os demais da Federação e muitos municípios do Brasil – sempre foi comandado por oligarquias. Não à toa que o PSB tinha o governo nas mãos desde 2006, quando Eduardo Campos – líder nacional do partido, neto de Miguel Arraes e primo de Marília – ganhou o governo. O partido também tem o poderio da capital desde 2012.

Assim como sua adversária, Raquel Lyra também começou a carreira política no PSB e ganhou notoriedade no meio dos caciques políticos ao ser apadrinhada pelo próprio pai, o ex-governador de Pernambuco João Lyra Neto (PSDB). Os pontos comuns da trajetória de ambas as candidatas se aproximam ainda mais. As duas decidiram sair do partido alegando falta de espaço. O PSB não quis comprar a ideia de Marília em 2014, quando ela tinha o desejo de se candidatar como deputada federal. Dois anos depois, ela se filiou ao PT e, neste ano, deixou a sigla depois do partido de Lula querer rifar sua candidatura ao governo do estado.

“O Solidariedade foi o partido que abrigou Marília Arraes dada as suas dificuldades, do ponto de vista de reconhecimento e de conquista de espaço por sua legenda anterior – que era o PT. O Solidariedade não é um partido que se destaca especialmente pela defesa de causas ligadas à igualdade de gênero. Isso não é uma marca representante desse partido”, pontua Arthur Leandro sobre a representatividade feminina no Executivo Estadual.

O mesmo alega Raquel Lyra que deixou o PSB em 2016 depois de barrada pelo partido a se candidatar à Prefeitura de Caruaru. Conhecida como a maior cidade do interior de Pernambuco, com 365 mil habitantes, a “Capital do Forró” é o berço eleitoral e político da família Lyra. Raquel foi eleita duas vezes (2016 e 2020) e seu pai também ganhou dois mandatos (1989 e 1997).

“Raquel Lyra é a representante do PSDB, que é um partido que de eventual centro-direita ou centro-esquerda, a depender da composição local de cada governo e da representação de seus quadros. No caso de Raquel, esse posicionamento é mais para o campo da centro-direita. Então, não representa, do ponto de vista programático, nenhuma ruptura com as estruturas de poder que estão presentes no Estado há muito tempo. Então, podemos encarar sua presença feminina muito mais do ponto de vista simbólico, mas não necessariamente do ponto de vista de agenda”, pondera o especialista.

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