No próximo domingo (6), os municípios brasileiros escolherão quem são as pessoas que vão ocupar as cadeiras das Câmaras de Vereadores do país. Na cidade do Rio de Janeiro, são 1.6811 candidaturas que disputam as 51 vagas do legislativo carioca. Entre elas, a vereadora e candidata Tainá de Paula (PT) busca eleger seu segundo mandato.
Criada na Zona Oeste do Rio, Tainá de Paula é mestre em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) e tem uma trajetória ativa de atuação por pautas relacionadas à comunidade negra na Câmara do Rio de Janeiro. Mãe, ativista climática, antirracista e ex-secretária do Meio Ambiente e Clima entre 2023 e 2024, ela foi eleita pela primeira vez nas eleições municipais de 2020, com mais de 24 mil votos.
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Como vereadora, a arquiteta foi vice-presidente da comissão que discutiu o novo Plano Diretor da cidade, documento que estabeleceu um novo zoneamento e definiu instrumentos para o desenvolvimento urbano carioca.
Aprovado em 2023, o projeto dedicou pela primeira vez um capítulo específico às regiões periféricas e criou o Termo Territorial Coletivo (TCC), instrumento que cria um modelo de gestão fundiária voltado à garantia da permanência das populações em seus territórios contra especulações imobiliárias e remoções.
Além do direito à democratização do acesso à cidade, a candidata manteve projetos relacionados à erradicação da fome e promoção da soberania alimentar em áreas vulnerabilizadas, e ações relacionadas ao meio ambiente, como o empoderamento ambiental de líderes comunitários promovido pelo programa “Guardiãs das Matas”.
Em entrevista à Alma Preta, Tainá de Paula explica quais são os projetos para os próximos quatro anos caso seja reeleita e conta um pouco sobre as dificuldades enfrentadas no primeiro mandato.
Alma Preta: Quais são os maiores desafios que a candidata enxerga na cidade do Rio?
Tainá de Paula: O Rio de Janeiro, como uma das cidades mais negras fora de África, se deu a partir da racialização no seu território, ou seja, é uma profunda concentração de investimento público e investimento privado nas áreas mais embranquecidas e ricas da cidade e uma exclusão muito grande das áreas mais distantes, mais periféricas.
A favela é majoritariamente ocupada por pessoas negras desde o período pós-Colonial. Um dos maiores problemas do Rio de Janeiro é a falta de instrumentos de reparação racial dentro do seu território, sejam eles do ponto de vista estruturantes, do transporte público, da lógica urbana. Há uma negligência sobre os processos de reparação da cidade porque a elite não está localizada nas áreas críticas, isso faz com que, os processos de decisão, as pautas mais tocadas nos parlamentos, as preocupações dos gestores públicos, não dê lente suficiente para esses conflitos ao longo dos anos.
Alma Preta: Como a vereança pode auxiliar na luta contra o racismo?
Tainá de Paula: É muito sensível falar sempre disso, porque eu sou uma mulher negra e sempre estou mais à esquerda do que à própria esquerda. Em um espaço extremamente embranquecido, de uma democracia burguesa onde a mulher negra não é maioria, ela sempre constrói estratégia e consegue entender os movimentos mais pragmáticos possíveis para literalmente sobreviver.
Não estou falando de qualquer cidade, estou falando da cidade que executou Marielle com nove tiros no rosto. Isso faz de mim uma sobrevivente política de uma cidade que insiste em perpetuar modelos de racismo e, obviamente, banalizar corpos negros como o meu, inclusive nos espaços de poder. E aí, se eu dissesse qual é a minha principal tarefa, é ser muito pedagógica na minha sobrevivência política. Tem que construir estratégias e frentes de enfrentamento, de contenção, para que o projeto racista não seja soberano frente às nossas necessidades tão urgentes.
Fica claro a importância de ter uma parlamentar do nosso campo que para além de ser do nosso campo, seja uma pessoa com letramento racial. Tem outros parlamentares negros eleitos que passam longe do recorte racial. Ter uma mulher negra com recorte, linguagem e letramento racial no parlamento é muito estratégico para a nossa sobrevivência. E, claro, para as pautas do futuro, que passam pela incrível imaginação do processo político que as mulheres negras conseguem projetar. Os negros nos parlamentos não vão mudar a lógica e a estrutura de poder, mas eles dão lente aos problemas centrais da nossa democracia.
Alma Preta: As Câmaras brasileiras são amplamente de direita. Como é possível agir nesse ambiente para garantir o avanço de propostas antirracistas?
Tainá de Paula: Terrível, não é? A gente demora muito mais a aprovar leis. Existe uma necessidade de mediação, até onde se pode ir com o consenso. A construção de consenso é algo que você perde e você ganha, e isso só é possível quando você abdica determinados dogmas, determinados conceitos gerais. É preciso mediar com os outros setores da sociedade para se chegar num consenso, num formato que concilie o maior número de setores possíveis. Acontece na vida e isso acontece no parlamento também.
Eu conduzi, em boa parte, os trabalhos do plano diretor do Rio, que é uma grande disputa com a bancada da milícia e do setor imobiliário. E foi um super exercício. As discussões sobre o armamento da guarda, eu toquei majoritariamente com a bancada conservadora evangélica, citando inclusive trechos bíblicos para fazer minhas defesas sobre a militarização da cidade e o aumento da violência. É preciso ter estratégia. Como convencer setores que não fazem política com você a entender que existem temas centrais que precisam ser defendidos a partir de um recorte? Acho que o parlamento é um super exercício para isso acontecer.
Alma Preta: Quais são as principais propostas da sua candidatura?
Tainá de Paula: Quero garantir um fundo municipal de perdas e danos para as favelas do Rio de Janeiro, que são impactadas com os eventos climáticos extremos. Quero falar cada vez mais de juventude, sobre como lidar com as mudanças significativas do ser jovem no Brasil, como ter uma política de enfrentamento à desescolarização. Aumentar o Bolsa Atleta Carioca é uma das minhas agendas principais.
Meu mandato pretende trabalhar a realidade do menor em medida socioeducativa, garantindo um bom auxílio. Garantindo, claro, os processos de complementaridade que a medida socioeducativa precisa ter. Outra perspectiva que quero muito trabalhar é a saúde mental da população negra, a precarização dos CAPs e do SUS, mas com um recorte que considero mais sensível ainda, que é o uso abusivo de drogas.
Não temos nenhum programa municipal de acompanhamento continuado para o usuário agudo, que aqui no Rio de Janeiro é majoritariamente jovem e negro. Também é preciso garantir mais fomento para a nossa cultura negra, estimular e criar editais de fomento direto para os produtores culturais de favela e de periferia.
Alma Preta: Como a candidata pretende aliar a sua experiência como secretária do Meio Ambiente e Clima em seu próximo mandato?
Tainá de Paula: É preciso que a gente faça na Câmara o plano de transição agroecológica da cidade. Isso é uma discussão do legislativo, porque isso impacta diretamente o diálogo com a sociedade civil. A sociedade precisa topar, é preciso conseguir constituir um senso comum sobre a necessidade da gente reflorestar as cidades e garantir alimento saudável. Então, pensar em mais hortas urbanas e os cinturões verdes agroecológicos do Rio é uma das prioridades, sem dúvida, da minha própria próxima legislatura.