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Renato Candido: um preto de quebrada nas eleições para a Prefeitura de SP em 2020

22 de janeiro de 2020

Da Zona Norte da cidade e de família pernambucana, cineasta precisa garantir sua pré-candidatura; “o PT precisa lançar alguém que tenha esse ponto de vista enquanto negro que vive a periferia”

Texto / Simone Freire | Imagem / Água Preta

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São 22 anos de partido. Renato Candido, seguindo os passos da mãe, acompanha o Partido dos Trabalhadores desde 1998. Da periferia da Zona Norte, o cineasta procura assinaturas para lançar sua pré-candidatura à Prefeitura de São Paulo nas eleições de outubro de 2020.

Circulando muito pela cidade, e próximo a iniciativas culturais e de negritude, ele diz entender muito bem o que um sujeito negro passa ao circular e morar na cidade, ou seja, como está refém do racismo.

Candido faz uma provocação ao partido: “o PT precisa lançar alguém que tenha esse ponto de vista enquanto negro que vive a periferia. Que a eleitora, o eleitor, o entregador de marmita da Rappi, iFood, a postulante a uma vaga na universidade, possa se identificar num irmão que sabe seus sofrimentos ao perder algumas das suas poucas garantias de humanidade no trabalho porque viveu isso ao trabalhar como técnico em eletrônica e arte-educador”, diz.

O Alma Preta entrevistou o cineasta que nesta entrevista conta um pouco mais sobre ele, sua trajetória política e sua plataforma de governo.

Alma Preta: Conta um pouco sobre você, onde nasceu, de onde é sua família, de quando iniciou sua atuação política…

Eu sou Renato Candido, sempre fui morador da Vila Nova Cachoeirinha, desde 1981 ano que eu nasci. Minha família é migrante da região de Bom Conselho em Pernambuco. Meu pai, falecido em 2017, nasceu em Marília em 1945, mas meus avós eram de Bom Conselho. Eles tentavam uma vida melhor em São Paulo. Minha mãe é da mesma família, era muito comum parentes distantes se relacionarem. Ela nasceu em Pernambuco em 1945 e veio de pau de arara para SP ainda nos anos 50. Assim como muitas pessoas que foram jovens nos anos 60 e 70, meus pais conseguiram formar nossa família sendo operários em fábricas.

Desde criança eu era indignado com muitas coisas daquilo que se configurava a política da direita. O governo Collor foi muito ruim pra minha família. Bem ou mal, meu pai tinha um dinheirinho na poupança na época. Ao longo dos anos 90, quando minha mãe voltou a estudar, sua consciência das desigualdades, raciais inclusive, foi uma forma de eu também começar a me engajar politicamente.

Lembro em 1991 que minha mãe se filiou ao PCdoB e em 1997, depois da campanha da Erundina em 1996, ela se filiou ao PT e considerou ser importante que eu e minha irmã se filiassem também nesta época. Assim, minha ficha no PT consta que minha filiação é de 01/01/1998. Hoje são 22 anos de partido.

A minha participação política é na vizinhança, nos corres culturais, quando eu trabalhava como técnico de TV a Cabo. Lembro muito de articular visitas de vereadores e deputados do PT na vizinhança onde eu moro. Comecei mais como essa militância do dia-a-dia e dessas reuniões políticas com a vizinhança como perspectiva de um mundo melhor.

Este ano você lança a sua pré-candidatura à Prefeitura de SP. De onde veio esta construção?

Há muito tempo venho refletindo o quanto todos os partidos políticos refletem o nosso racismo em nossas estruturas e instituições. Desde a época de minha graduação em Cinema, eu venho refletindo isto. Mas como sou cineasta, eu fui me dedicar ao cinema e também trazer estas reflexões para meu campo de trabalho.

Em 2005, depois de viver problemas de síndrome do pânico, busquei conhecimentos para além do universo branco da USP, logo eu me aproximei de muitas iniciativas culturais protagonizadas por pessoas pretas e periféricas como eu. Nisto conheci diversas pessoas em saraus, cinema de quebrada, teatro negro, cinema negro, galera preta de Gestão de Políticas Públicas, enfim, eu fui compreendendo que o movimento dado é de afrocentrar o conhecimento político e exercer nosso protagonismo.

Sou um sujeito que circula muito pela cidade de São Paulo nessas iniciativas culturais e de negritude, que não necessariamente estão ligadas ao PT. Como professor de duas faculdades, eu acabo ouvindo muitas questões dos alunos que em muitas vezes moram em periferias mais distantes que a minha querida Vila Nova Cachoeirinha. Aliás, eu fiz um filme que se passa no meu bairro.

Nesse sentido, entendi que enquanto sujeito negro que vive a desigualdade na cidade todo dia, em ônibus, às vezes o metrô, enfim… Entendi que tanto na prática da minha existência negra num estado estruturalmente racista quanto no universo teórico que me formou ao ler Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Marcus Garvey, Molefi Asante, Chimamanda Adichie, bell hooks (sic), Angela Davis, entendi que é importante se lançar como candidato a prefeitura de São Paulo.

Entendi que o PT precisa lançar alguém que tenha esse ponto de vista enquanto negro que vive a periferia. Que a eleitora, o eleitor, o entregador de marmita da Rappi, iFood, a postulante a uma vaga na universidade, possa se identificar num irmão que sabe seus sofrimentos ao perder algumas das suas poucas garantias de humanidade no trabalho porque viveu isso ao trabalhar como técnico em eletrônica e arte-educador.

Tendo a sua pré-candidatura, quais serão os principais desafios e passos para a organização de uma possível candidatura? Você é o único pré-candidato negro até então?

Existe um regramento em todos os partidos que muitas vezes não levam em conta a origem preta e periférica. Indo aos fatos, como uma pessoa da quebrada que não tem dinheiro, consegue conclamar pessoas para reuniões políticas em diversas regiões da cidade? Whatsapp, seguidores no instagram não dão conta disto. Então, a estrutura partidária de esquerda necessita enegrecer e agregar o protagonismo das pessoas das periferias, em suas dores e amores.

O desafio é colher 1805 assinaturas até 30 de janeiro de pessoas filiadas ao PT como forma de corroborar minha pré-candidatura. Após isto, estou chancelado a participar dos debates em diversos diretórios da capital paulista. Depois, dia 15 de março, acontecerá a prévia.

Tive a graça de conhecer outra pré-candidata negra pelo PT, a Kika Silva, senhora negra que integra o MNU e mora na Cidade Tiradentes. Além disso, temos a Andreza, conhecida na política como Zazá, que é de ascendência indígena e negra. Não estou sozinho nesta e isso é importante.

O Partido dos Trabalhadores é duramente criticado pela falta de representatividade negra. A maioria das candidaturas negras – mesmo que internamente os candidatos também tenham críticas – vêm de partidos como o Psol ou o PC doB. Por que escolheu o PT?

Porque é uma fragilidade do PT, por isso o ataque. Se vivemos um racismo estrutural, é evidente que todos os partidos irão refletir de alguma forma o racismo institucional. Agora é importante destacar que o Partido dos Trabalhadores tem secretarias de negritude tanto no Diretório Nacional quanto nos regionais.

A luta, neste sentido, também é política, pois só agora os partidos de esquerda estão se abrindo às sabedorias ancestrais negras na medida que as pessoas negras e de periferia conseguem politicamente exercer seus protagonismos. Os partidos de esquerda precisam discutir as obras de Achille Mbembe, de Lélia Gonzalez, de Luiza Bairros, de Vilma Reis. Precisam ter os ouvidos abertos e entender que seus regimentos e estatutos muitas vezes refletem o racismo institucional.

No que será embasada a sua plataforma de governo?

Dentro da realidade que vivemos de desmonte de várias políticas públicas, a questão mais pungente tem sido a falta de oportunidades de trabalho, principalmente para a galera mais pobre, que está na correria vendendo panos 6 por 10 reais, protetor de celular, ovos nos carros, entregando marmita pelo Rappi…

Ninguém fala que na nossa história negra, principalmente a partir de 1808, era muito comum que pessoas escravizadas vendessem comida na rua, trabalhassem como pedreiro, como entregador de documentos, como costureiras. Hoje, a gente percebe que estamos voltando a esse tempo no qual a gente teria apenas o direito de trabalhar e ficar quieto.

Assim, como a prefeitura pode ajudar a resolver questão como esta? Valorizando sua vizinha, seu vizinho e seu bairro. Como? Vários exemplos: a prefeitura pode reduzir ou isentar taxas de IPTU, TFE e ISS conforme cruzamento de cadastro MEI e Microempresa e o IDH do bairro.

A idéia é tornar mais barato comprar com o vizinho que esteja na correria com seu pequeno ou médio negócio, saca? Muitas vezes a galera mais de classe média acredita que sustenta a galera mais pobre, mas nada tão errado. Pobre e classe média acabam tendo as piores taxações de impostos. Não se trata de aumento de arrecadação, mas de equidade tributária.

Em saúde, é evidente a desvalorização profissional. Nisto, eu destaco a importância da enorme contribuição do PT ainda nos anos 90 com Eduardo Jorge e Carlos Neder quando começaram a integrar os postos de saúde aos hospitais e ao que hoje compreendemos como AMA Especialidades, só que ela ficou defasada com a existência desse conceito de O.S implementada pelo PSDB.

Como serviço à população, o Haddad tinha alguns bons caminhos de informatização e inteligência dos dados de fila de espera de exames e agendamento de consultas. Vejo que o Dória aproveitou esse legado de inteligência administrativa e colocou o programa Corujão da Saúde, que a princípio diminuiu num certo tempo a fila de espera para Exames, mas foi completamente ingrato com pacientes que precisavam se deslocar no meio da madrugada, muitas vezes com dificuldades de locomoção, vindo das quebradas e indo para hospitais na região da paulista e central. Enquanto prefeitura, a gente não pode submeter o povo da quebrada a esses tipos de humilhações.

Na educação, eu vejo a importância do legado do Paulo Freire na valorização dos profissionais de educação, das professoras e professores. Entendo que é importante ouvir estas pessoas na relação com as crianças e adolescentes. Quero aumentar experiências de outras propostas educacionais em um número maior de escolas como o legado da Escola da Ponte, a Pedagogia Waldorfiana, Afetiva, Africana.

Enfim, o eixo do governo será a valorização do vizinho, da vizinha, do nosso bairro. Se o nosso vizinho não tá bem, se tá desempregado, ele não vai comprar no açougue do bairro, não vai conseguir nem gastar dinheiro em outro bairro, o que poderia ser uma apresentação cultural, um filme, uma lanchonete. Essa valorização não é apenas econômica, mas pretende ser de atitude, de cultura… Para você estar bem, é importante que sua vizinhança esteja bem, poder trocar ideia com a vizinhança do que não tá legal, onde o bicho tá pegando. Isso não é nada além do que aprendi sendo um preto de quebrada.

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