Robeyoncé Lima fez história na política institucional brasileira em 2018. Naquelas eleições, a advogada de 34 anos foi uma das três primeiras candidatas travestis do país a conquistar uma cadeira na Assembleia Legislativa através de um mandato coletivo. Neste ano, ela quer ampliar ainda mais a visibilidade e a garantia de direitos da população feminina, negra e LGBTQIA+ na luta por uma das 513 vagas na Câmara Federal, em Brasília.
Em Pernambuco, Robeyoncé foi eleita co-deputada estadual com 39 mil votos. Agora, como candidata nas eleições federais, se conseguir repetir o número expressivo de eleitores, ela poderá dar início a um novo marco na história política do Brasil: ser a primeira travesti do país a ter vaga reservada na Câmara a partir de 2023.
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À Alma Preta Jornalismo, a candidata pelo PSOL-PE explicou como surgiu o interesse em ingressar na política institucional. “A iniciativa vem de um sentimento de insatisfação com a política que estava posta. Quando a gente se coloca neste local de fala, eu quero um protagonismo que sempre deveria ter sido nosso quanto camadas sociais subrepresentadas, mas que nunca nos foi nos dada a oportunidade”, reflete.
De acordo com o último levantamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), os brasileiros contam este ano com pelo menos 79 candidaturas transexuais em 2022. Destas, 70 (89%) são compostas por travestis e mulheres trans, 5 (6%) homens trans e 4 (5%) candidates com identidades não binárias.
Se comparado com os dados das últimas eleições federais, esse número representa um aumento de 49% em relação a 2018, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou 53 candidaturas trans. Robeyoncé analisa este momento como histórico, mas ressalta a importância de se eleger mais parlamentares que estejam na linha de frente de defesa dos direitos dessa população.
“Quando trazemos o fato histórico de 2018, vemos eu, mas também observamos Erika Hilton e Erica Maluguinho que se elegeram estaduais lá na Assembleia Legislativa de São Paulo. É preciso entender que somos exceções e que essas oportunidades não caem do céu”, comenta.
“É necessário a gente ser ousada o suficiente para conseguir se candidatar estando na linha de frente deste debate de protagonismo no cenário para fazer o projeto de nova política que não pode existir sem a nossa presença de mulheres, mulheres negras, mulheres trans, uma candidatura de mulheres feministas, inclusive, para que a gente possa ter essa política realmente representativa. Nós falando por nós mesmas em primeira pessoa”, pontua.
Representatividade política nas eleições
Assim como no Legislativo Federal, as pessoas transexuais e travestis também não possuem representatividade no Executivo. A ideia de se promover, incentivar e eleger candidaturas trans é justamente para mudar este cenário que ainda é predominantemente patriarcal, machista e conservador. Robeyoncé observa que essa atual conjuntura significa uma denúncia que visa romper com a política tradicional.
“A gente precisa ser um fator comum na política. É preciso entender as vitórias, mas também observar que essas pequenas estatísticas de pessoas trans na política podem significar uma denúncia. Uma denúncia que não está sendo concedido oportunidades de estarmos nesses espaços de tomada de decisão”, afirma.
Para isso, a advogada destaca ainda a importância do voto consciente em candidaturas que dialoguem umas com as outras. Isso porque, sem o apoio coletivo de parlamentares – seja no Legislativo local ou federal -, as propostas e projetos de leis que abracem as causas LGBTQUIA+ podem não avançar.
“A gente não pode estar lá sozinha. Temos ainda hoje não somente o Bolsonaro para tentar derrubar, mas também o bolsonarismo. Então, é eleger Lula, Robeyoncé Lima, Érica Maluguinho, Duda Salabert. Ou seja, eleger uma frente ampla de esquerda que possa estar fazendo essa bancada forte para que possamos aprovar projetos porque não é só eleger uma candidata. É preciso do apoio e sustentabilidade ao presidente nessa sua proposta de nova gestão para transformar o futuro do país”, salienta.
Dificuldades e esperança nas eleições
A luta para conquistar uma vaga no Legislativo, além de difícil, também pode ser considerada desigual. Robeyoncé pontua que, diante das dificuldades de se promover uma candidatura trans, a maior aliada para vencer é a visibilidade através da divulgação das propostas, por mínima que seja.
“Mesmo que a gente mulher, mulher negra, mulher trans, não tenha tanta visibilidade no cenário político quanto a branquitude cisgênera, pedimos que divulguem os nossos nomes, divulguem nossas candidaturas. Precisamos ser conhecidas”.
A candidata ressalta também a importância de que cada vez mais pessoas trans e travestis possam se engajar nessa disputa através de filiação partidária para tornar a corrida eleitoral menos desigual. “Esse é um debate que a gente precisa trabalhar. Temos quanto possibilidade política eleitoral de se candidatar a filiação a partidos políticos. É necessário se filiar a uma legenda partidária para poder registrar candidatura. Então, a gente percebe e entende que o primeiro espaço que a gente precisa ocupar antes de se candidatar na política é o próprio partido”.
“É entender que fazer o partido compreender que uma mulher negra a mais na política é um homem branco a menos. Perceber se a legenda partidária está disposta a comprar esta briga de tirar o machismo e a branquitude dos espaços de poder e colocar mulheres pretas e entender que esse processo eleitoral não é da candidatura propriamente individual, mas a candidatura leva consigo o partido que traz ideias, propostas, sugestões para uma política que leve para o congresso nacional, assembleias legislativas e para o poder executivo também”, finaliza.
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