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Segurança em evidência nas eleições coloca população negra no centro das propostas

1 de agosto de 2018

Maioria dos presos e dos mortos no Brasil, população negra é a maior interessada nas propostas de segurança pública dos presidenciáveis de 2018. O Alma Preta conversou com duas especialistas em segurança pública para avaliar a questão sob esta perspectiva

Texto / Solon Neto
Imagem / Agência Brasil

As eleições presidenciais de 2018 colocam em evidência o tema da segurança pública. Quem quer que seja a pessoa eleita, será obrigada a apresentar propostas a uma população que exige soluções imediatas.

Um fato notório desse crescente interesse tem sido a emergência do discurso de Jair Bolsonaro, que se apoia em soluções para esse problema e arrasta multidões por onde passa.

A preocupação com o tema não é nova, mas aumentou nos últimos anos, ganhando visibilidade e apelo midiático.

Além de uma crise política e do descrédito das instituições, as razões para o maior interesse público no tema estão no aumento da própria violência e do encarceramento.

Apesar dos avanços sociais e da renda, o número de homicídios no Brasil cresceu nas últimas décadas ao mesmo tempo em que o número de encarcerados disparou.

Em ambos os problemas, tanto de mortos, como de presos, existe um fator comum: a maioria é de pobres e negros.

O Atlas da Violência lançado em 2017 aponta que o Brasil alcançou a marca de 59.080 homicídios no ano de 2015, dos quais 71% são vítimas negras. O número aumentou de forma expressiva em 10 anos: em 2005 o Brasil registrou 48.136 homicídios.

Este ano, o ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, apresentou números apontando 726,7 mil presos no Brasil em 2016, com a expectativa de que o número atinja 841,8, mil encarcerados até o final de 2018, um número que dez anos atrás era de 451.429 mil presos. Do número total de presos no Brasil, estima-se que pelo menos 64% seja de negros e negras.

Diante do caos, as propostas dos presidenciáveis para a segurança pública se dirigem diretamente à população negra, maior vítima dos homicídios e maioria do contingente penitenciário.

Segurança pública é sinônimo de punição?

A historiadora e pesquisadora da área de criminologia e racismo, Suzane Eulália de Castro Jardim, aponta que a segurança pública tem não só um conceito utilizado pelo Estado brasileiro, como também uma função na sociedade.

“Conceitualmente, segurança pública é o trabalho sistemático feito para garantir o pleno exercício dos direitos fundamentais dos indivíduos de uma comunidade. A constituição brasileira coloca o direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e à propriedade como fundamentais e a segurança pública existe para que esses direitos não sejam violados”, arremata.

Nesse sentido, a ideia de segurança é associada ao aumento da punição. As propostas costumam passar pelo aumento de policiais nas ruas, pela construção de mais presídios e a diminuição da tolerância com a criminalidade.

É o que aponta Lorraine Carvalho Silva, formada em Direito e pós-graduada em direitos fundamentais e direito penal econômico. Ela trabalha no Núcleo de Atuação Política do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

Segundo ela, a ideia de segurança pública deve ser vista para além de fórmulas simples e colocada dentro de um contexto abrangente, que envolve a punição.

“A segurança pública precisa ser olhada de uma forma um pouco mais ampla. A segurança pública está associada a um punitivismo e o punitivismo não envolve só as instituições. Se a gente pensar no recorte de territorialidade, por exemplo, mesmo a população negra e periférica em liberdade não está livre”, afirma.

Fernando Frazão Agência Brasil Bolsonaro

Jair Bolsonaro é um dos candidatos que mais pauta o campo da segurança pública (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Suzane Jardim vai na mesma linha, e acredita que a população negra é vista de forma diferente quando se trata da política de segurança do Estado brasileiro:

“O conceito de segurança pública quando se pensa em população negra e periferias já é violado há muito tempo principalmente porque o negro é visto como eterno suspeito”.

Para Suzane, essas situação cria um cerceamento de liberdades que culmina em violações de direitos feitos em nome da garantia da segurança da coletiva.

Sobre isso, Lorraine Carvalho, do IBCCRIM, aponta a aplicação de políticas voltadas às periferias, como intervenções federais, aplicações da Lei de Garantia e da Ordem (GLOs) e Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Essas políticas têm sido utilizadas, por exemplo, no Rio de Janeiro.

“É uma relação que é histórica e que não está tão atrelada a um plano de segurança pública, é um pouco maior do que isso, é um plano de Estado de punição”, reflete Lorraine.

Como devem ser as propostas de segurança para a população pobre e negra?

Para Suzane Jardim, os candidatos devem apresentar propostas que consigam combater a raiz do problema, sem apelar para as velhas fórmulas de “mais prisão” e “leis mais rígidas”, que para ela têm sido testadas sem efeitos de melhoria.

Já Lorraine Carvalho aponta que é necessário apresentar raça, gênero, sexualidade e territorialidade como pontos centrais das propostas: “Isso precisa estar colocado enquanto estrutura e estruturante de uma nova política de segurança pública”.

Ela acredita que as candidaturas, inclusive de esquerda, têm reproduzido discursos e estereótipos em suas propostas. “A gente fala muito do Bolsonaro, mas se a gente for pensar nessas candidaturas de esquerda elas estão só mudando os termos, mas para manter esse status quo que a gente tem hoje”, afirma.

A especialista acredita que o eleitor negro e pobre deve observar os candidatos que não estão apenas trocando os nomes, mas mantendo as políticas que prejudicam as mesmas pessoas de sempre.

“A gente consegue identificar que não existe de fato um compromisso com redução de danos, com o desencarceramento, com políticas que permitem uma discussão um pouco mais sincera e justa sobre desmilitarização”, aponta Lorraine.

Mesmo diante desse quadro ela acredita em possibilidades de políticas e propostas que têm potencial de mudança e que devem ser apresentadas com foco da população negra e pobre.

“Acho que a desmilitarização da polícia é uma pauta muito acessível para uma candidatura presidencial. E acho que resolveria uma pequena parte do problema, mas abriria portas para a gente discutir a profundidade dessas estruturas, dessas opressões que são estruturantes”, aponta.

Já Suzane Jardim aponta o que fim de uma “guerra sem sentido contra as drogas”, é não só uma proposta que pode trazer bons resultados para a população em geral, como é também algo de fácil aplicação.

“A manutenção da proibição e criminalização das drogas tem há anos custado a vida de pessoas sem que os índices de consumo ou de violência urbana tenham diminuído. Todos os países que legalizaram as drogas têm relatórios mostrando os impactos positivos da medida e a ordem de países europeus e de muitos dos estados norte-americanos é de só expandir a legalização de substâncias”, ressalta a pesquisadora.

Para ela, a eleitora negra e o eleitor negro devem refletir sobre esse ponto, e buscar candidatos que apresentem propostas nesse sentido. Ela ainda coloca o dedo na ferida, e aponta que a continuidade dessa política está baseada não só no moralismo, como no benefício econômico que líderes políticos sustentam.

“O Brasil insiste em se manter em atraso diante dessa discussão e não é por pura teimosia ou por desconhecer os impactos positivos que uma legalização traria, mas sim por se ajoelhar à instituições moralistas e por ter muitos de seus líderes envolvidos em esquemas milionários que só se sustentam com essa criminalização”.

“Encarceramento em massa é ficção de defesa”

Apesar de ressaltar a desmilitarização, Lorraine Carvalho chama a atenção para a questão do encarceramento em massa. A especialista pede atenção para que esse ponto seja algo lembrado no momento da escolha do voto, pois tem sido uma política de Estado brasileira de longa data e que continua crescendo.

Se o Brasil seguir com a política e ritmo atual de encarceramento, a expectativa é que em apenas sete anos o país atinja 1,47 milhão de presos. Atualmente, o Brasil já tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, na liderança, e da China, o país mais populoso do mundo.

Apesar do grande número de presos no Brasil e do aumento constante dessa taxa, a sensação de segurança no país não tem melhorado, o que para a pesquisadora, Suzane Jardim, mostra que vivemos uma ilusão com essa política de segurança. Ela lembra que a maior parte dos presos cometeu pequenos delitos e são pobres.

“A atual política de encarceramento funciona sob a ficção de que existe e está ativa para defender a vida do cidadão, porém os números mostram que a clientela preferencial das prisões permanece sendo a de pequenos traficantes e pessoas envolvidas nas camadas mais visíveis e menos lucrativas do tráfico de drogas e da violência urbana – são os pequenos traficantes e os ladrões de celular e carteira”, ressalta.

A tendência de aumento do encarceramento também é uma tendência que, entre os líderes do número de presos, apenas o Brasil tem mantido. A prisão, lembra Jardim, se torna uma chaga para quem é preso e faz com que o ex-detento tenha dificuldades para se inserir no mercado de trabalho.

Intervenção Federal Tania Rego Agência Brasil editada

Intervenção federal no Rio de Janeiro é um reflexo da atual política de segurança pública no Brasil (Foto: Tania Rego/Agência Brasil)

“Os demais países estão reduzindo as prisões pois perceberam que o encarceramento por si só não resolvia nenhum dos polos mais problemáticos das questões de segurança pública, pelo contrário, passar pelo cárcere condena o detento a uma vida na marginalidade que faz com que as prisões sejam máquinas de criar criminosos e não de diminuição de crimes”, afirma.

A pesquisadora também recorda que muitos países estão tomando medidas como a legalização das drogas e criando formas de produzir o desencarceramento. Para ela, o sistema carcerário é seletivo. O pobre e o negro são vistos como ameaças e encarcerados, enquanto jovens de classe média que cometem delitos são vistos como “aventureiros” e escapam de terem as vidas marcadas pela prisão.

“A nossa vida [dos pobres e negros] é a que pode ser destruída ou marcada por uma ficha suja e por isso somos nós, como comunidade racial e de classe, que mais perdemos com as atuais políticas de encarceramento”, conclui.

Como orientar o voto consciente?

Pode parecer simples para muitos que não se deve votar em quem aplica uma política que vá contra os interesses básicos da população. O que parece óbvio, depende, na verdade, de como sua visão de mundo foi construída. Ou seja, nossa forma de enxergar o entorno é moldada pela educação que recebemos.

É no que acredita Lorraine Carvalho, por exemplo, que lembra que, no caso do racismo, não basta que a branquitude aponte um lugar para os negros, ele precisam se conformar com aquele lugar e reproduzirem essa visão. Essa visão, ela acredita, leva tempo para ser desmanchada, e só pode ser combatida com um debate amplo e aberto.

Suzane Jardim acrescenta que “uma sociedade punitiva e midiática […] cria a figura do criminoso para que nós, trabalhadores pobres, deixemos de focar nos danos que o sistema nos causa para culpar outros pobres por nossos problemas”.

Ela argumenta que para um trabalhador é mais simples acreditar na vingança sobre um ladrão que lhe rouba o celular do que a busca por mudanças estruturais. Para ela, essa “falsa sensação de justiça”, que vem, seja pelo linchamento ou pelo encarceramento, está mais próxima. Porém, ela aponta que essa ilusão traz prejuízos coletivos e não resolve o problema.

“É interessante que nós tenhamos medo de nossos colegas de bairro, de pessoas de cor igual a nossa, de sujeitos que estruturalmente não alteram em nada e que representam muito pouco no montante da violência que existe – é interessante porque ao encarcerar esses sujeitos, esses ‘peixes pequenos’ temos uma falsa sensação de segurança por não mais ver o problema em nossa frente”, afirma.

Essa situação é seria, algo construído pela ideologia e pela mídia, de forma que a mesma atitude e rótulos, como “bandido”, não são atribuídos aos criminosos de classe alta. Uma ilusão canibal que faz com que pessoas comemorem “quando a polícia mata “mais um neguinho”, porque acreditamos que isso representa um risco a menos em nossas vidas”, nas palavras de Suzane.

Por fim, Jardim acredita que esse quadro pode ser revertido e que só a consciência de raça e de classe pode criar caminhos para que, tanto nestas como em outras eleições, a população passe a exigir medidas que atendam a seus próprios interesses coletivos.

“Temos que compreender quem são nossos verdadeiros inimigos e aprender a criticar a mídia que se alimenta de nosso medo – sem isso vamos nos manter felizes com jovens de 15 anos levando bala na cabeça por venderem baseados na favela acreditando que são esses jovens os nossos algozes e não todo um sistema que precariza a vida, os direitos e as liberdades fundamentais dos trabalhadores enquanto privilegia as mesmas figuras de séculos atrás”, conclui.

Leia mais:

16 Propostas contra o Encarceramento em Massa

https://www.ibccrim.org.br/docs/2017/16MEDIDAS_sumario.pdf

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