“Não vai ser fácil trabalhar eleições em sala de aula este ano”, dizem professores da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Em um ano eleitoral, onde o foco de diversas discussões circundam o pleito, as salas de aula podem se tornar um ambiente de um embate cada vez maior.
A professora Márcia Gilda afirma que este ano de 2022 pode ser regado a repressões aos professores que prezam por discutir política e democracia em sala de aula. Segundo ela, em outros anos eleitorais também aconteciam questionamentos acerca dos conteúdos que estavam sendo ministrados, mas a partir de 2018, com a ascensão do bolsonarismo, o cerceamento crítico ficou ainda maior.
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Em 2019, o programa Escola Sem Partido (PL 246/19) foi amplamente discutido e, apesar de não ter sido aprovado, permeia até hoje o imaginário social. O programa propunha uma agenda conservadora para a educação brasileira permitindo que estudantes recebam a educação religiosa e moral, além de propor que professores não podem “promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”.
Isso, de acordo com Gilda, faz com que a comunidade se posicione contra algumas formas de ensino mais voltadas para a diversidade, direitos humanos, geopolítica, sociologia e história. Outras matérias, que foram pautadas pelo atual governo, também atravessam a proposta de uma educação mais plural e voltada para as classes populares como o homeschooling, a implementação do novo ensino médio, mais voltado para o tecnicismo; e a militarização das escolas públicas.
“A escola que é séria vai falar sobre eleições independentemente dessas repressões. Não podemos nos privar da nossa responsabilidade”, diz Márcia, que é coordenadora da Secretaria de Raça e Sexualidade do Sindicato dos Professores do DF.
O professor Marcos Reis, pedagogo em uma escola da Ceilândia, periferia de Brasília, diz que já sofreu coerção por trabalhar questões étnico-raciais e falar sobre a ditadura militar em classe. Ele contou que monitores de um projeto extra-classe chamado Politica nas Escolas, feito por estudantes da Universidade de Brasília (UnB), também era mal visto por familiares dos estudantes.
“As famílias que assumem uma postura a favor do governo tendem a pensar que estamos pregando doutrinas políticas para os alunos, sendo que estamos fazendo o nosso papel cívico e pedagógico”, relata.
Reis diz que a privação da discussão sobre política, em especial para aqueles estudantes mais vulneráveis, pode gerar um grande prejuízo social, já que é nesse momento que muitos podem desenvolver um senso crítico e entrar em contato com ideias diversas. O professor diz que esses alunos tem mais dificuldade de acesso à informação e isso pode gerar um ciclo de profunda falta de conhecimentos basilares para a cidadania.
“A gente tem a possibilidade de falar sobre fake news, sobre a importância do voto, sobre como se estrutura os poderes no país, por exemplo. Isso é fundamental para a cidadania”, argumenta o professor.
De acordo com André Bento, alocado na Regional de Ensino de Brazlândia, o trabalho sobre as eleições de 2022 dentro das escolas devem acontecer como em todos os anos eleitorais, mas é necessário prudência, já que em momentos de pleito o ambiente escolar fica ainda mais visado como um recinto de conflitos ideológicos.
Bento vê o ano eleitoral como uma oportunidade de se trabalhar em classe todas as esferas democráticas e mostrar para os estudantes, familiares e comunidade que a política circunda toda a vida.
“A escola sempre foi e sempre será um espaço de disputa, seja de narrativas, de poder ou conhecimento, esse ano não será diferente. Apesar disso, vamos fazer nosso papel como educadores, com respeito e responsabilidade”, diz.
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