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Talibã: entenda o que está em risco para as mulheres afegãs

Com uma interpretação dura da Sharia, o histórico do grupo é marcado por torturas, apedrejamento, execuções públicas e poucos direitos para as mulheres; confira o vídeo que a Alma Preta Jornalismo produziu sobre o tema na íntegra

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/Lifetime

Foto: Mulher afegã de burca, exigência do regime do Talibã

24 de setembro de 2021

O grupo sunita Talibã (que significa “estudante”, em pashto) foi formado em 1994 por ex-guerrilheiros, denominados mujahidin. Desde a criação, o objetivo do grupo era impor a lei islâmica no país, normas que os integrantes interpretavam à sua maneira.

“O núcleo do pensamento, doutrina e propaganda do Talibã é anti-modernismo, em que não pode haver separação entre religião e outros aspectos da vida. Isso embarca também a posição de uma administração pública: o Estado não deve ser laico”, é o que ressalta o professor Vladimir Feijó, Cientista Político da Faculdade Arnaldo, em Belo Horizonte.

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O Talibã alcançou esse objetivo em 1996, quando tomou a capital do país, Cabul. A população afegã, em geral, deu as boas-vindas ao Talibã nesse primeiro momento, pois estavam cansados de lutas internas. O grupo se popularizou principalmente por promessas de diminuição da corrupção no país, coibição da criminalidade e trabalho para tornar seguras as estradas e áreas sob seu controle, estimulando assim o comércio.

Nos cinco anos seguintes, o grupo controlou o Afeganistão com uma interpretação dura da Sharia, a lei islâmica. “Os relatos da administração do Talibã entre 1996 e 2001 são bastante truculentos. Nem todas as violências perpetradas foram feitas por essa organização, até porque ela era um tanto quanto de trama frágil, ou seja, ela não era hierarquicamente tão estruturada quanto é agora, em 2021”, explica o professor.

Alguns afegãos consumiam produtos da cultura ocidental em segredo, correndo o risco de punição extrema. Execuções públicas e açoitamentos também eram comuns durante o regime.

“O que ficou muito bem documentado dessa época eram os julgamentos sumários, seguindo a interpretação radical de lideranças religiosas, que, dentre outras coisas, viraram espetáculos públicos como forma de desestímulo a práticas consideradas imorais, com sentenças brutais, como o apedrejamento”, diz.

O cientista político lembra que as pessoas condenadas ao apedrejamento tinham seus corpos enterrados pela metade. “E o resto da comunidade, aqueles que desejam fazer essa truculência, jogam pedras nessa pessoa até que ela venha a óbito”, conta.

Mulheres afegãs

“Foi disseminado pelo país a proibição da mulher ter uma atividade que não fosse doméstica. Dessa forma, houve a subordinação dessas mulheres à vontade do pai ou do marido, a determinação de que se casassem, o rapto de crianças e jovens para virarem esposas de líderes talibãs e proibição das meninas de se educarem em qualquer coisa que não fosse as atividades domésticas ou a religião”, explica Feijó.

Além disso, durante o regime Talibã, as mulheres tinham de ficar confinadas em casa. Era obrigatório, ainda, que vestissem apenas a burca — uma mortalha que só deixa os olhos à mostra.

“O principal ponto em relação às mulheres é sobreposição dos preceitos religiosos e dessa interpretação do islamismo que eles [Talibãs] fazem em detrimento a qualquer garantia de direitos civis básicos. Passa longe qualquer direito de igualdade, de equidade de gênero”, ressalta o diretor executivo do Instituto Globo Atitude e especialista em Relações Internacionais, Rodrigo Reis.

Baseados na Sharia, que é o sistema jurídico do Islã, o Talibã segue esse conjunto de normas oriundas do Corão, falas e condutas do profeta Maomé, e jurisprudência das fatwas – pronunciamentos legais de estudiosos do Islã. Em uma tradução literal, Sharia significa “o caminho claro para a água” e serve como diretriz para a vida que todos os muçulmanos deveriam seguir.

Assista também: ‘Talibã: retomada do poder e risco às mulheres afegãs’

As normas incluem orações diárias, jejum e doações para os pobres. Pela Sharia, homens e mulheres precisam se vestir de maneira modesta. Na prática, o Talibã determina que as mulheres precisam cobrir no mínimo os cabelos e que não podem sair sozinhas, sem autorização do pai ou marido. É comum também que os espaços sejam separados por gênero.

Mudanças

Para o professor Vladimir Feijó, a presença de uma coalizão ocidental no Afeganistão entre 2001 e 2021 gerou transformações e oportunidades no país, a começar por toda uma cadeia de infraestrutura, restabelecimento de contato com o restante do mundo e construção de escolas.

“Com o governo querendo fazer uma exibição de engajamento no aspecto global, a matrícula e a inscrição [nas escolas] ficou aberta para homens e mulheres. Isso acabou criando uma geração de mulheres profissionais em uma série de áreas, e elas tiveram acesso às oportunidades criadas”, pondera.

No entanto, Feijó avalia que a conquista do direito das mulheres afegãs é algo complexo de se discutir. Para ele, a discussão envolveria um efetivo reconhecimento e engajamento de toda a sociedade afegã. “Aquela [mulher], sim, que se engajou nesse processo, que viu ali uma oportunidade de crescimento pessoal, espiritual e econômico, agarrou essas oportunidades e reconheceu que não existe impossibilidade de uma vida contemporânea, moderna, com a fé individual”, pontua.

O cientista político ainda afirma que outros setores da sociedade se mantiveram à margem do envolvimento feminino de maneira ativa na sociedade. “Não é à toa que meninas e mulheres no Afeganistão temem uma reversão dessas oportunidades criadas porque viveram, por 20 anos, ainda reconhecendo, vivendo, e sofrendo com alguma discriminação. Portanto, aparentemente, era uma oportunidade artificial que só se sustentaria enquanto houvesse um governo alinhado ao Ocidente”, avalia.

Retomada do poder

Mesmo com a estratégia dos EUA em fortalecer o governo e o exército do país, a fim de que eles mesmo evitassem que o Talibã voltasse, em 15 de agosto de 2021 o grupo retomou o poder no Afeganistão. Ao longo de duas décadas, os EUA mobilizaram 98 mil militares no país e investiram US$ 83 bilhões para treinar e equipar as forças de segurança afegãs.

Recentemente, alguns membros do grupo fundamentalista afirmaram durante uma entrevista à BBC que estão determinados a impor novamente sua versão da Sharia no Afeganistão, incluindo apedrejamento por adultério e amputação de membros por roubo. Além disso, um dos representantes do Talibã também afirmou que os direitos das mulheres e da imprensa serão respeitados, mas não se sabe exatamente se essa promessa será colocada em prática. Ele disse que as mulheres poderão sair de casa sozinhas e continuarão a ter acesso à educação e ao trabalho, mas terão que usar a burca.

“O Talibã, com o passar dos anos, foi ganhando, sim, adesão popular. Existem províncias que são completamente pró-Talibã e outras não. Existe um contrabalanço dentro da própria geopolítica e geografia do Afeganistão”, comenta Rodrigo Reis.

Para o especialista em relações internacionais, com a retomada do poder e posicionamento tradicional do grupo fundamentalista, as mulheres ficam novamente em segundo plano. “A mulher perde toda sua emancipação, direitos. É uma condição precária em termos de direitos humanos e de ter um papel protagonista na sociedade”, afirma.

O Talibã disse no início deste ano que queria um “sistema islâmico genuíno” para o Afeganistão, que fornecesse disposições para os direitos das mulheres e das minorias, em consonância com tradições culturais e regras religiosas. Ao tomar a capital, o grupo anunciou uma “anistia geral” em todo o Afeganistão e pediu às mulheres que se juntem ao seu governo, em uma tentativa de convencer a população de que o grupo mudou.

O professor Vladimir Feijó, contudo, explica que é necessário interferência internacional no Afeganistão, mas que a presença ocidental no país representa tensão. Para ele, exigir que se mantenha o que os afegãos usufruíram nos últimos 20 anos país, “certamente vai ter um retorno muito ruim do governo do Talibã, que se sustenta nessa base de ser anti-Ocidente com o retorno das tradições locais”, finaliza.

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