Das 13 deputadas federais que estão em exercício e se autodeclararam negras perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2018, quatro se apresentam como brancas no sistema oficial da Câmara dos Deputados, em 2022. A Alma Preta Jornalismo realizou um cruzamento de dados entre o que consta no site do TSE, e o que nos foi disponibilizado pela Casa por meio do Infoleg Parlamentar. A análise considera como negras as pretas e pardas, como consta na classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O levantamento demonstrou que metade das parlamentares que se autodeclararam pardas, em 2018, estão como brancas em 2022. Das oito eleitas em 2018, quatro mudaram a autodeclaração e uma preferiu não preencher o quesito raça/cor no Infoleg. Os dados de cada uma delas estão na tabela abaixo.
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Nome | Partido | Estado | Raça/cor TSE 2018 | Raça/cor Infoleg 2022 |
Chris Tonietto | PL | RJ | Parda | Branca |
Jéssica Sales | MDB | AC | Parda | Branca |
Prof. Marcivania | PCdoB | AP | Parda | Branca |
Lídice da Mata | PSB | BA | Parda | ausente |
Áurea Carolina | PSOL | MG | Parda | Parda |
Flávia Arruda | PL | DF | Parda | Parda |
Leda Sadala | PP | AP | Parda | Parda |
Rose Modesto | UNIÃO | MS | Parda | Branca |
Vivi Reis | PSOL | PA | Preta | ausente |
Benedita da Silva | PT | RJ | Preta | Preta |
Rosangela Gomes | REPUBLICANOS | RJ | Preta | Preta |
Silvia Cristina | PL | RO | Preta | Preta |
Talíria Petrone | PSOL | RJ | Preta | Preta |
Apenas uma parlamentar não pôde ser identificada no sistema do Tribunal e não foi computada na análise.
Segundo a cientista política Nailah Neves Veleci, consultora de Inteligência Eleitoral em Raça e Gênero e Diretora de Pesquisas do projeto Elas no Poder, já é constatado que existia um descuido com o preenchimento da declaração racial no cadastro dos candidatos, cujo preenchimento muitas vezes não era feito pelos candidatos, mas por funcionários dos partidos. Segundo a especialista, ainda existe uma falta de letramento racial em toda a sociedade, onde pessoas brancas têm dificuldade de se identificarem como brancos, pois a vida toda não foram racializadas.
A reportagem tentou conversar com as parlamentares e suas assessorias, mas não conseguiu contato. O espaço permanecerá aberto caso alguma delas queira se pronunciar.
Leia mais: Conveniência: 163 deputados federais ‘mudaram a raça’ durante o mandato
Financiamento partidário para mulheres
Segundo o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, Justiça e Equidade (BRIDJE), em artigo para o site Politize, a política de cotas para mulheres, após a regulamentação de 2009, incentivou o número de candidaturas femininas. Porém, a legislação abria brechas para a criação de candidaturas meramente formais, já que os partidos podiam apresentar mulheres apenas para preencher os requisitos legais. Na prática, algumas dessas candidatas faziam o papel de “laranja”, sem integrar de fato a corrida eleitoral.
Na reforma política de 2015, os investimentos em campanhas femininas tiveram uma importância maior. A Lei 13.165/15, que nasceu com a reforma, previa que as legendas obrigatoriamente empenhassem recursos nas campanhas femininas. Mas em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou como inconstitucional essa legislação.
“A maioria dos ministros entendeu que se deve equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas ao mínimo de recursos de fundo partidário. Este recurso deve ser de 30% do montante do fundo direcionado a cada legenda para eleições majoritárias e proporcionais. Em caso de haver percentual mais elevado ao mínimo de candidaturas de mulheres, os recursos devem ser alocados, pelo menos, na mesma proporção”, explica o Instituto BRIDJE.
Nessas eleições e até 2030, o voto em mulheres e em pessoas negras terá peso dois para a distribuição do fundo partidário e eleitoral. Mulheres negras só contarão uma vez, ou como mulher ou como negra. Esta Reforma Eleitoral foi encabeçada, em 2021, pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e aclamada pelos ministros do TSE.
Mulheres negras na política
Pelo levantamento da Alma Preta Jornalismo, 30% das deputadas federais que se autodeclaravam negras em 2018, passaram a se autodeclarar brancas, em 2022. Isso pode levar a imaginar que estas mulheres teriam infringido a legislação para utilização do recurso destinado a mulheres negras. No entanto, Nailah Veleci nos conta que não.
“Somente a partir de 2020 passou a haver a judicialização da desigualdade racial no financiamento partidário. Essas mulheres brancas não se beneficiaram do Fundo, porque não existia essa regra na época. Agora, teremos o início de um maior cuidado na autodeclaração dos candidatos”, disse a especialista.
De acordo com a doutoranda em estudos interdisciplinares sobre mulheres, gênero e feminismo e cientista política Isadora Harvey, tanto por conta do Fundo Partidário quanto do trabalho de base do movimento negro, há uma tendência de os partidos trazerem mais candidatos negros e mulheres, além de realmente investirem nessas candidaturas. Porém, para ela, é importante que se considerem mulheres negras que trabalhem realmente pelas pautas das pessoas negras do Brasil.
“Não adianta termos candidatos e candidatas negras se o projeto político pelo qual advogam não fomenta, apoia ou promove os direitos da população negra. Por isso, é importante fortalecer candidaturas negras que se comprometem com a trajetória, as pautas e as necessidades da juventude, das mulheres, da população negra.”, afirmou a cientista política.
Para elas, a única forma de evitar candidaturas laranjas é fiscalizando quando os dados das candidaturas saírem no TSE. É preciso participação da sociedade civil nesse controle e denúncia de candidaturas falsas ou convenientes.
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