Única candidata negra na disputa pela Prefeitura de São Paulo, a pernambucana já disputou a presidência da República, em 2018; confira a entrevista
Texto: Juca Guimarães | Edição: Nataly Simões I Imagem: Divulgação
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A única candidata negra na disputa pela Prefeitura de São Paulo é Vera Lúcia Salgado, do PSTU. Formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe e de origem pobre, ela carrega uma trajetória em movimentos sociais.
Vera, que nunca ocupou um cargo político, também foi candidata à presidência da República em 2018. Em Inajá, no sertão pernambucano, desde muito cedo trabalhou como faxineira, garçonete, datilógrafa e operária.
A candidata diz conhecer de perto as desigualdades que definem a vida cotidiana na cidade de São Paulo e ressalta a importância de mudanças estruturais. “Eu considero muito importante dar visibilidade às mulheres pretas, para mostrar que podemos ser diferentes e não aceitar aquilo que nos reserva o capitalismo: a servidão e a submissão”, considera a candidata, que nas eleições para presidente recebeu mais de 55 mil votos.
O Alma Preta entrevistou Vera Lúcia para saber o que motivou a candidatura da pernambucana à gestao da maior cidade do país e o que ela pensa sobre a sub-representação da população negra e feminina na política. Confira:
AP: Em 2016, somente 3% das mulheres eleitas para as prefeituras das cidades brasileiras se autodeclaravam negras. Na sua avaliação, ao que se deve essa sub-representação das mulheres negras em cargos do Executivo?
Vera Lúcia: A ausência de mulheres negras no executivo deve-se ao racismo e ao machismo. Desde o fim da escravidão, até os dias de hoje não houve reparação. O que houve foi o mito da democracia racial, usado para encobrir e justificar a brutalidade da escravidão, que coloca que tudo relativo ao negro é ruim. O negro saiu da senzala sem terra, sem casa, sem trabalho e foi relegado aos piores trabalhos e à pobreza.
As eleições são controladas pelo poder econômico que restringe a participação das mulheres negras. O Estado se torna assim um espaço concentrado nas mãos da burguesia branca, ainda que haja alguns negros. Não é um espaço para a classe trabalhadora, para a promoção dos interesses dos trabalhadores e dos negros. É onde a burguesia determina seus negócios.
Se o parlamento fosse composto por empregadas domésticas, auxiliares de enfermagem, professoras do ensino básico, operárias com as piores remunerações, as mulheres negras seriam a maioria. Ainda que uma ou outra possa furar o bloqueio, isso não quer dizer que os problemas dos trabalhadores, dos pobres, da população negra serão resolvidos. Isso depende do fim do capitalismo. Construir uma sociedade socialista é a única forma de nos libertar do julgo da opressão e exploração capitalista.
As mulheres pretas são muitas vezes chefes de família e ajudam a organizar as lutas nos bairros, nas comunidades, nos movimentos populares e de luta por moradia. Isso também é participação política. E deve ser estimulada, descentralizando o poder. Minha proposta é organizar conselhos populares deliberativos nos bairros, aos quais estejam subordinados os vereadores e o prefeito, para que a classe trabalhadora, o povo pobre e as mulheres negras tenham o direito a decidir sobre os rumos da política municipal.
AP: O que motivou sua candidatura à prefeita da maior cidade do país? Como é sua relação com São Paulo?
Vera Lúcia: O que motivou o PSTU a me indicar à Prefeitura junto com os demais candidatos a vereadores foi apresentar uma alternativa socialista e revolucionária em meio à maior crise econômica capitalista dos últimos tempos e à pandemia. Queremos dizer que há saída para nossa classe, que não temos que nos submeter à barbárie capitalista.
Minha relação com São Paulo é a mesma de todo nordestino. É um choque. Saímos do nordeste e vamos para a cidade mais rica do país achando que vamos resolver os nossos problemas. Aí quando chegamos nos deparamos com o desemprego, salários arrochados, os piores serviços e até falta de água na periferia. Muitos saem do sertão para São Paulo e aí não tem água, às vezes nem CEP. Nós nordestinos estamos em todas as partes, na indústria, no comércio. São Paulo é a cidade fora do Nordeste com mais nordestinos. Então a cara da cidade é a do nordeste, é a minha. Tem também gente de todo o mundo, da África, Síria, América Latina, várias nacionalidades. E gente de todo o país. Fui ao posto de saúde tomar vacina e fui atendida por um paraense e uma baiana.
AP: Na sua avaliação, qual a importância de partidos de esquerda impulsionarem candidaturas de mulheres negras?
Vera Lúcia: A participação das mulheres negras nas eleições se dá no marco da luta contra o racismo e o machismo. É expressão da luta contra os ataques do sistema capitalista em todo o mundo, pois a exploração e opressão capitalistas se apresentam de forma mais perversa para as mulheres negras. Eu considero muito importante dar visibilidade às mulheres pretas, para mostrar que podemos ser diferentes e não aceitar aquilo que nos reserva o capitalismo: a servidão e a submissão.
Mas eu também tenho consciência de que nem todas as mulheres negras são iguais. Nós temos as inúmeras “marias” que vivem nas periferias e temos Michelle Obama e Condoleezza Rice, que, apesar de sofrerem com o racismo e o machismo, não vivem os dramas das mulheres pobres, negras e trabalhadoras. Seus partidos no poder governaram o coração do sistema capitalista e foram responsáveis diretos pela exploração, desemprego, fome, guerras em todas as partes do mundo, onde chegavam com seus tentáculos. Por isso, eu sempre digo que não basta ser mulher e negra, tem de lutar em defesa dos interesses dos negros e negras e, para isso, tem de defender os interesses das classe trabalhadora e do povo pobre.
AP: Você nunca pleiteou um cargo ao legislativo? Se não, por quais motivos?
Vera Lúcia: O PSTU já me indicou para ser candidata várias vezes. O partido sempre me deu a tarefa de dizer para nossa classe trabalhadora, sejam homens ou mulheres, negras ou brancas, que não é possível superar o machismo e o racismo dentro do capitalismo. Na luta direta contra o racismo e o machismo, dentro do sistema capitalista, é que vamos construir as bases para destruir esse sistema que se utiliza da nossa dor e do nosso sofrimento para obter seus lucros. E construir uma sociedade socialista, que é a nossa sociedade, onde estaremos livres do jugo da exploração e opressão.