Por: Regina Lúcia dos Santos
Minha mãe, Dona Lúcia, morreu há 45 anos, muito nova, quando eu tinha apenas 22 anos. Mas ela tinha uma lei que me ficou pra vida toda, em casa era proibido negar um prato de comida, ela tinha passado fome numa seca no Ceará, eu não lembro qual foi o ano. Passou muitos perrengues na vida, como toda mulher negra pra sustentar 8 filhos, lutou demais, mas a fome era uma coisa que ela não conseguia entender.
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A militância negra me fez entender que a fome está intimamente ligada ao racismo e capitalismo. Os famintos deste mundo, a exceção de época de guerras, são os não brancos, a fome, a insegurança alimentar assombra os negros, pobres, periféricos de toda a África, os indianos, os asiáticos, os povos originários de todas as Américas e Oceania, e de forma cruel os nortistas, nordestinos do Brasil seja em que região estiverem.
E a lei da minha mãe me segue na militância, sigo querendo acabar com o racismo e com o capitalismo mas a fome me assombra e por isso juntei a minha luta eminentemente política, ações para garantir que as pessoas tenham um prato de comida aonde estiverem e isso pressupõe lutar contra o racismo ambiental, por uma agricultura sem agrotóxicos, pelo direito à terra pra quem nela quer plantar, uma agroecologia que garanta comida saudável em todos os pratos, todos os dias.
O capitalismo precisa fabricar famintos para que se sujeitem as suas regras desumanizadoras e faz isso pela exploração racial. O capitalismo neoliberal em tempos de pandemia colocou no mapa da fome 33 milhões de brasileiros e em situação de insegurança alimentar algo próximo a 130 milhões de pessoas, em sua grande maioria, negros, indígenas , entre eles milhões de crianças. Por isso ao longo dos últimos anos tenho me incorporado a luta, para além de não passar fome, existir comida para que seja possível não negar e não faltar comida no prato de ninguém.
Regina Lúcia dos Santos é coordenadora estadual do MNU-SP.
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