O acesso à educação se torna direito a partir da constituição de 1824, e mesmo assim, o direito era para “cidadãos”. Neste período, pessoas negras não eram consideradas cidadãs, portanto, não tinham direito ao estudo. Reflexos destas medidas acompanham negras e negros até os dias de hoje
Texto / Ícaro Jorge, Ocupa Preto
Imagem / Reprodução Por Dentro da África – Maruge, homem queniano que aprendeu a ler com 84 anos
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Os quilombos educacionais surgem como estratégias de sobrevivência numa estrutura onde a educação é utilizada como arma de opressão e manutenção do estado racista. O termo, bastante utilizado pelos educadores Kabengele Munanga e Abdias Nascimento, é pensado na perspectiva de uma educação popular que tenha como estruturante a questão racial.
A questão da educação no Brasil sempre foi relacionada à criação de barreiras para determinados grupos que, para manutenção do estado racista, deveriam continuar sendo marginalizado. É possível analisar essa afirmação a partir da análise do discurso histórico constitucional brasileiro; o acesso à educação se torna direito a partir da constituição de 1824, e mesmo assim, o direito era para “cidadãos”, nesse período, pessoas negras não eram consideradas cidadãs, portanto, não tinham direito ao estudo.
Angela Davis, no seu livro “Mulheres, Raça e Classe”, traz uma análise do histórico da população negra estadunidense, afirmando que as mulheres negras exerciam atuação de professoras das suas comunidades durante as noites pós-trabalho forçado exaustivo e violento. Por mais que Davis se utilize de realidades locais, a interpretação extensiva dessa ação é possível para todos os países que sofreram com o processo escravocrata. A educação para a população negra era algo feito às escuras, marginalmente, por negras, majoritariamente, numa perspectiva de emancipação.
Essa realidade, não se modificou por completo no Brasil. Pós Constituição de 1988, a disputa da educação para as pessoas negras foi se tornando ainda mais estreita, a partir da criação das cotas raciais nas Universidades. Agora, negras e negros possuiriam acesso ao espaço que historicamente foi feito para brancas e brancos. A pesquisa, extensão e ensino aos poucos vão se tornando um campo de disputa para as narrativas negras. Antes, a população que era objeto de estudo, começa ser sujeito de estudo do ponto de vista acadêmico. Essa possibilidade inquieta aqueles e aquelas que se beneficiaram durante séculos com o privilégio de ser branco.
Por outro lado, as barreiras da educação básica, sucateada propositalmente e estruturada por um currículo regado de visões racistas, faz com que o campo de educação popular e antirracista se organize em torno de criar possibilidades para o aquilombamento de ideias e concepções, com intuito de fortalecimento das narrativas negras. A importância dos quilombos educacionais é a formação de pessoas que tenham em mente o autoconhecimento enquanto negras, negros, indígenas, quilombolas, no caminho de construir uma educação que contemple essas pessoas historicamente marginalizadas, não só do ponto de vista da ocupação de espaços, mas sim também, do ponto de vista de disputa da estrutura racista do nosso país. É por conta disso, que não basta pensar a ocupação de espaços, mas sim, as estratégias de disputa discursivas desses espaços ocupados.
Ícaro Jorge é militante do Ocupa Preto e militante do Coletivo Ousar.