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“A militância me transforma em sujeito de minha história em uma perspectiva coletiva”, diz Valdênia Paulino

30 de julho de 2018

Mestre em direito social, advogada, pedagoga e defensora dos direitos humanos, Valdênia é referência no enfrentamento das opressões

Texto / Aline Bernardes
Imagem / Arquivo pessoal

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Valdênia Aparecida Paulino (51), liderança de direitos humanos, oriunda da zona leste de São Paulo, teve uma infância difícil. Quando criança ia ao aterro sanitário de São Mateus para recolher garrafas de vidro e esterco de cavalo para vender. Aos 14 anos de idade conheceu a militância em uma Comunidade Eclesial de Base que sua família frequentava. Ela afirma que essa consciência política faz parte da resistência e dos avanços que ocorrem nas periferias.

Nos início dos anos 2000, Valdênia denunciou a violência policial em Sapopemba, periferia da zona leste da cidade. Ela expôs à Corregedoria que policiais entravam na favela ao som de Vivaldi e abusavam de mulheres, torturavam e assassinavam pessoas. Depois desse episódio começou a sofrer ameaças e, então, ingressou no Programa Federal de Defensores de Direitos Humanos.

Mas essa não foi a primeira vez que a advogada enfrentou casos de abusos policiais. A partir de 1985 o tráfico invadiu Sapopemba, disputas e mortes tornaram-se rotina no bairro. Quando a polícia pegava alguém, Valdênia ia atrás junto com amigos com receio dessa pessoa ser morta. E assim foi o seu primeiro contato com a impunidade. As denúncias para a Corregedoria não davam resultado. As poucas investigações que avançavam causavam represálias. Organizações de moradores eram invadidas, havia perseguições e carros jogados fora da pista.

Além de falar contra esse tipo de violência, Valdênia denunciou também casos de prostituição que envolviam as mesmas autoridades. Adolescentes que Valdênia acompanhava foram torturados como forma de mandar recado a ela. As constantes ameaças, que vinham de justiceiros e policiais, estenderam-se a sua família.

Por conta dos episódios e das denúncias, Sapopemba virou sinônimo de resistência, um ambiente que respirava lutas sociais. Para Valdênia, não aceitar as condições impostas pelos macros e micros sistemas do poder patriarcal, capitalista e machista é força.

A ativista afirma que a luta sempre foi coletiva e não se sente responsável pelos enfrentamentos, mas partícipe de um processo que é contínuo.

“A importância da militância está no lugar que ocupo no mundo. Eu poderia ser mais uma mulher em meio a multidão da classe trabalhadora empregada ou desempregada a serviço do sistema capitalista neoliberal, na dinâmica familiar e social impregnada pelo machismo. A militância me tira desse lugar e me transforma em sujeito de minha história numa perspectiva coletiva.”, diz.

A ativista saiu do país por duas vezes. A primeira vez ocorreu no final de 2003, depois de receber ligações de dentro de presídios latino americanos a fim de incriminá-la por envolvimento com redes criminosas. Ficou até fevereiro de 2004 em Chicago na casa de religiosos. Quando se recuperou voltou ao Brasil.

Mais tarde, no ano de 2008, foi morar por seis meses em Madri, na Espanha, com o amparo da Anistia Internacional. Porque a casa de um de seus irmãos tinha sido invadida. Seu sobrinho de apenas oito anos e sua cunhada foram ameaçados com um revólver. Animais mortos foram jogados no quintal de sua mãe. Depois desse período resolver sair de São Paulo e foi para Paraíba atuar com direitos humanos.

Racismo

O racismo no Brasil é estrutural e funcional ao sistema que sustenta a elite política e econômica deste país. A democracia, mesmo no plano formal – na lei, nunca foi plena. Ele faz parte do sistema de mais valia que acompanha o país desde a invasão colonial.

De acordo com Valdênia, resistir como negra é difícil pela ilusão disseminada de que a igualdade pode ser possível. Ela ressalta que enquanto perdurar o projeto capitalista neoliberal e a necropolítica a que os/as negros/as estão submetidos, não será possível estabelecer igualdade.

Vida acadêmica

Valdênia enxerga o mundo acadêmico como um espaço branco e burguês e que ainda tem traços racistas. Contudo, é um lugar importante para melhor conhecer como pensa a classe média intelectual progressista e não progressista.

“Estar nesse espaço é nos confrontar. Há saberes que valem a pena conhecer. Há saberes que precisamos dizer que existem e que são de nosso domínio”, diz.

Para ela a academia está longe de ser um instrumento sério de enfrentamento ao racismo, mas a presença da população negra faz com que o mundo acadêmico deixe de dissimular o seu racismo nele impregnado e o exponha.

Saúde mental

Cultivar afeto é uma maneira de permanecer saudável entre os tantos problemas de resistir todos os dias. Valdênia cuida da saúde coletivamente. “Procuro chorar meus mortos e festejar cada conquista realizada por mim, pelos meus pares, por nós”, afirma ela. Para a advogada alimentar o desejo de uma sociedade sem racismo e sem exploração de outros seres humanos e da natureza, a alimenta e não deixar-se perder o foco.

“Prezo por apreciar as árvores floridas no meio da cidade selva de pedras, de encontrar o olhar das pessoas com quem cruzo, de ler poesia nas diferentes fases da lua”, conclui. Apesar de não ter muito tempo livre, quando pode, Valdênia assiste documentários, comédias românticas e procura ouvir bons sambas.

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