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A pele em que habito

24 de março de 2016

Texto: Karine Lima / Edição de Imagem: Pedro Borges

Desde criança minha mãe me ensinou que o valor da minha beleza estava além dos olhos das pessoas, que não importava o que eles diziam ou viriam a dizer, a minha beleza e a minha cor eram algo que eu deveria me orgulhar.

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Hoje entendo e sei que ela realmente estava certa, mas aos cinco anos você não tem certeza disso. Pelo menos eu não tinha essa certeza. Minha mãe, da maneira dela, sempre foi muito militante da causa e sempre se preocupou com o racismo que inevitavelmente eu iria sofrer. Não por desacreditar no bom senso das pessoas, mas por ter em casa uma prova viva de que o racismo realmente existe e parte de todos os lados.

Minha irmã aos seis anos de idade, na mesma escola infantil em que eu estudava, sofreu racismo da própria professora, que a chamou de macaca. Minha irmã sem entender nada e sem saber o porquê de tal comparação contou a minha mãe, que ao saber de tudo, foi até a escola. A professora foi afastada, todavia, meses seguintes, já estava lecionando em outra instituição. Não sei nem se isto chegou a servir como uma reflexão para todos os envolvidos no caso. Na verdade, acredito que não.

A escola é mais um lugar de manifestação evidente do racismo A escola é mais um lugar de manifestação evidente do racismo

Eu nunca recebi tal comparação por parte dos educadores, entretanto, como diz a frase: “Um olhar vale mais do que mil palavras”. Quantos olhares passaram por mim, quantos sorrisinhos no canto da boca de piedade como se eu precisasse de tal piedade. Quantos “tadinhas” eu ouvi como se eu realmente necessitasse daquilo.

Mas quando criança, você acha que isso é uma demonstração de afeto e você acaba ficando feliz com isso. Já com os colegas de sala as coisas eram diferentes. Nem sei na verdade se posso chamar de colegas. Até hoje o meu pensamento talvez possa ser romantizado, mas colega para mim não faria tal piadinhas sem graça, hoje o “famoso” bullying. Os apelidos vinham de todos os lados desde o tamanho do meu nariz, testa e cabelo. Chorei, na maioria das vezes e as lágrimas não saiam, porém a dor estava pulsando dentro de mim e o único pensamento que tinha era: “Porque a cor da minha pele incomoda tanto?”.

Esse questionamento permaneceu até a adolescência onde as coisas ainda se perduraram e os olhares ainda permaneciam. Os apelidos já não eram mais os mesmos, passaram a ser, a meu ver, ainda mais ofensivos: “Maria Fumaça”; “carvão”, além das frases racistas: “tinha que ser preta”; “não sou racista, mas não namoro negras”; “as negras são mais fogosas na cama” ; “quando você foi feita te deixaram queimar?” entre outras coisas.

Apesar de sofrer com isso, nessa época já tinha a dimensão do que era o racismo. Não precisei de aula para aprender, a pele em que habitava me fez perceber e aprender sozinha. Na tentativa de me camuflar, fazia de tudo para seguir os padrões de beleza impostos. Meu cabelo era a prova viva, ou melhor, morta. Eram tantas químicas para ele ficar em uma aparência aceitável por todos, que vida própria ele já não tinha mais.

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Demorei a perceber e ter a dimensão de que a minha beleza não é algo comercial, ou seja, não preciso agradar ninguém, apenas a mim mesma. Isso aconteceu no segundo ano da faculdade, quando me emponderei com a ajuda de amigas e hoje percebo o quanto ele é bonito da maneira que ele tem que ser, sem padrões, sem química e o melhor, com vida.

O questionamento que pulsava dentro de mim ainda hoje não foi respondido e realmente penso que nunca será, contudo, acredito que essa resposta não deve mais ser procurada por mim, afinal o problema não está em mim.

Enfim, a pele em que hábito é para mim realmente motivo de orgulho, principalmente quando penso que o sangue que corre nas minhas veias é sangue dos meus antepassados que bravamente resistiram a um dos maiores maus tratos já vividos no mundo.

“negro, branco, rico, pobre o sangue é da mesma cor. Somos todos iguais sentimos calor, alegria e dor” Karol Conka.

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