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Ainda nos levantamos

O atacante do Real Madrid e da Seleção Brasileira Vinicius Jr celebra gol com a torcida durante amistoso entre o time espanhol e o Milan, Pasadena, EUA, 23 de julho de 2023

Foto: Frederic J. Brown/AFP

3 de novembro de 2024

Por: Karoline Tavares, no Negrê

“Tudo pra nós, que é preto (sic), é mais difícil / Quem não é da cor fala que é maluquice”. Esse trecho da música 60K, do rapper Major RD, retrata bem o que houve na eleição da Bola de Ouro 2024. Vinicius Jr., favorito, com sobras, à conquista do prêmio, pela última temporada impecável com o Real Madrid (ESP), não venceu. Em seu lugar, um jogador que nem sequer foi o melhor do próprio time, Manchester City (ING), e nem estava cotado para ficar entre os três melhores do mundo em 2023/24.

No discurso da vitória, o espanhol Rodri disse que alguns amigos o tinham contactado para falar que sua conquista representa que “o futebol ganhou”. Um jogador europeu, branco, isento e que representa o ideal de profissional “perfeito” na cabeça de muitos. Um atleta considerado patriota, que foi punido por gritos ofensivos contra o território britânico de Gibraltar (localizado na Espanha), quando foi campeão da Eurocopa 2024, que, aparentemente, garantiu a ele a Bola de Ouro.

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Já Vinicius Jr. representa o oposto disso tudo: negro, brasileiro, dança, brinca, não abaixa a cabeça e enfrenta o racismo com altivez. É extremamente doloroso que ele tenha que passar, dia após dia, jogo após jogo, por tanto preconceito enquanto exerce a própria profissão. É cansativo, é revoltante! De uma forma ou de outra, ele tem aberto portas para mudanças dentro do time em que atua e para punições contra os racistas que o atacam.

Dentro das quatro linhas, o atacante brasileiro de 24 anos teve ótimos números na temporada passada: 26 gols e 11 assistências em 49 jogos (contando Real Madrid e Seleção Brasileira), além da conquista de quatro títulos com a equipe espanhola, sendo a Liga dos Campeões a mais importante. Um ano de ouro que teria a coroação perfeita com a premiação individual mais importante do futebol mundial.

A justificativa para bancar o vencedor escolhido foi de que Rodri foi campeão da Eurocopa; se o critério fosse “conquistas pela seleção”, faria mais sentido, por exemplo, o companheiro de equipe de Vini Jr., o espanhol Dani Carvajal, levar o troféu, já que ele ganhou a Liga dos Campeões e a Eurocopa na mesma temporada. Só que ele ficou em 4º lugar na lista.

Outro motivo utilizado foi o de que a União das Associações Europeias de Futebol (UEFA) e a France Football só poderiam premiar jogadores que estivessem de acordo com o fair play (jogo limpo), levando a entender que, por se posicionar e ser considerado raivoso e polêmico, Vinicius não estaria apto a ser Bola de Ouro. Mais um argumento que cai por terra, já que o goleiro Dibu Martínez, sempre provocador no ambiente de jogo, foi eleito como o melhor em sua posição.

Informação vazada e repercussão

A imprensa europeia destacou que, na manhã desta segunda-feira, 28, Manchester City avisou ao Real Madrid que Rodri seria o vencedor da Bola de Ouro. Vinicius e toda a delegação do time espanhol desistiram de comparecer à cerimônia; e não foi enviado nenhum representante, nem mesmo para receber o prêmio de “Melhor Clube” da temporada.

Apesar da incerteza, a informação vazada já gerou revolta nos brasileiros, especialmente porque a temporada anterior de Rodri havia sido muito melhor, e ele ficou apenas em 5º lugar. Depois do resultado confirmado, Vinicius recebeu apoio de torcedores, amigos, companheiros e ex-companheiros de equipe.

Cerimônia

Durante a entrega da Bola de Ouro, percebeu-se o constrangimento no ar. George Weah, ex-jogador de futebol, ex-presidente da Libéria e único africano a ganhar o prêmio, em 1995, ao fazer suspense sobre o vencedor, ouviu um grito de “Vini Jr.”, vindo da plateia. Na sequência, a entrega do troféu para Rodri foi um dos momentos mais tensos dos últimos anos da cerimônia

O ex-presidente da Libéria e único africano vencedor da Bola de Ouro George Weah entrega o prêmio de melhor do mundo da revista France Football ao jogador espanhol Rodri, Paris, 28 de outubro de 2024
O ex-presidente da Libéria e único africano vencedor da Bola de Ouro George Weah entrega o prêmio de melhor do mundo da revista France Football ao jogador espanhol Rodri, Paris, 28 de outubro de 2024 (Foto: Franck Fife/AFP)

Enquanto torcedora do Real Madrid e plena simpatizante do Vini Jr., a notícia da manhã de hoje veio como uma água fria sobre mim. O que mais nós, pessoas negras, temos que fazer para conquistar o topo nas nossas carreiras? Aquela conversa de que temos que fazer três vezes mais do que eles é real, mas é muito mais profundo do que isso. Não apenas temos que ser muito melhores; temos que performar uma espécie de negritude amansada. Afinal, por mais que muitos de nós estejamos chegando a lugares de destaque, os mandatários continuam sendo os mesmos: a branquitude.

Não é nosso dever buscar aprovação dessas pessoas, muito pelo contrário. Temos que e devemos lutar pelo que acreditamos ser certo; sem abaixar a cabeça, e apoiar uns aos outros, pois só nós estamos disponíveis para os nossos. Não temos que esperar nada de quem nos rebaixa, desvaloriza e desdenha.

O prêmio da Bola de Ouro deixou de ser credível há algum tempo, por outros fatores, mas o dia 28 de outubro de 2024 vai ficar marcado para sempre nas memórias dos fãs de futebol. O dia em que o melhor jogador do mundo foi preterido; não só por causa da cor da pele, mas também pela forma como escolheu combater todos os preconceitos que enfrenta diariamente. Como disse Maya Angelou (1928-2014): “Você pode me marcar na história com suas mentiras amargas e distorcidas. Você pode me esmagar na terra, mas, mesmo assim, como a poeira, vou me levantar”.

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