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Ano novo: Tempo de ignorar a intolerância religiosa e se apropriar?

Usar vestimentas brancas, pular sete ondas e jogar flores no mar estão entre as simbologias dos povos de terreiro apropriadas por não praticantes na virada do ano, enquanto em todos os outros dias são intolerantes ou não se importam com o racismo religioso

Imagem mostra homem negro, de branco, pronto para jogar flores no mar.

Foto: Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil

31 de dezembro de 2021

Nos dias que antecedem a virada de ano é fácil encontrar nas vitrines das lojas vestimentas brancas ou em outros tons claros simbolizando, aos olhos do consumidor, a paz, a pureza e a esperança de um novo ciclo mais tranquilo. A simbologia, adotada pelas pessoas de suas mais variadas crenças, pode ser encontrada diariamente nas dinâmicas propostas pelas atividades de religiões de matriz africana, nos terreiros de Candomblé, por exemplo, o que diz muito sobre um Brasil sincrético, mas que não reverencia a sua história, sobretudo a negra.

Desde a simbologia da vestimenta, como também o uso da cor da lingerie como intenção de um ano de amor, por exemplo, utilizando o amarelo, cor que identifica a yabá Oxum, há quem não saiba passar a virada de ano sem pular as sete ondas e jogar rosas ao mar, mais uma simbologia dos povos de terreiro. A relação com o mar, de respeito, agradecimento por meio de oferendas e pedidos de proteção para a população do axé, principalmente aqueles que envolvem o “orí”, a cabeça, também são utilizados por não praticantes das regiões de matriz africana.

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Ações comuns na virada do ano, não? Utilizadas em um momento importante para aqueles que querem marcar um novo tempo, mas que não prestam atenção, não buscam saber a origem ou não reverenciam as tradições ao longo do ano. Sabe-se que a intenção parte muito do que se é dito enquanto origem dos rituais, mas é necessário traçar um paralelo entre a defumação da casa e outras atividades ligadas ao axé em um período específico do ano, em relação às notícias de racismo religioso ao longo do ano inteiro.

Não à toa, nós temos o Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro, que tem sido encarado por praticantes de religiões de matriz africana, principais vítimas de preconceito, como uma data que representa a resistência às ações e simbologias político-religiosas que ainda fortalecem este tipo de violência no país. Uma data que marca dificuldades diárias entre os iniciados no axé, que pedem por respeito ao dizerem que cultua-se o demônio – símbolo do cristianismo -, ao usarem suas roupas sacerdotais, ao escutarem que o Deus de outra religião é melhor ou o mais correto.

A resistência para manter elementos fundamentais da cultura negra, como as religiões, é constante e perpassa épocas, mas o trabalho de mantê-las vivas e respeitadas não pode ser um trabalho unilateral. O reconhecimento que estamos tratando de um país racista, que embranquece as tradições e, até nos mais sutis atos, desvalida as simbologias negras deve ser um exercício contínuo. Talvez este seja o ato de maior valor para quem cultua os orixás e vive o racismo religioso diariamente.

Principalmente em um tempo pautado pelo conservadorismo e o retrocesso político, pilares centrais para se viver em harmonia – algo muito desejado na virada do ano – parecem se dissipar quando, ao longo do ano, a religião é ferramenta usada para reprimir o outro. Que, neste novo ano e durante a virada os desejos possam ser carregados de boas intenções, mas, sobretudo, consciência. Orixá é natureza, segue por onde a gente estiver e no tempo que for. Assim, para esse novo ciclo, mesmo que não creia, respeite o sagrado alheio que o (a) cerca.

Leia também: Brasil, o país que pula as 7 ondinhas em homenagem a Iemanjá e odeia as religiões afro

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