Nos dias que antecedem a virada de ano é fácil encontrar nas vitrines das lojas vestimentas brancas ou em outros tons claros simbolizando, aos olhos do consumidor, a paz, a pureza e a esperança de um novo ciclo mais tranquilo. A simbologia, adotada pelas pessoas de suas mais variadas crenças, pode ser encontrada diariamente nas dinâmicas propostas pelas atividades de religiões de matriz africana, nos terreiros de Candomblé, por exemplo, o que diz muito sobre um Brasil sincrético, mas que não reverencia a sua história, sobretudo a negra.
Desde a simbologia da vestimenta, como também o uso da cor da lingerie como intenção de um ano de amor, por exemplo, utilizando o amarelo, cor que identifica a yabá Oxum, há quem não saiba passar a virada de ano sem pular as sete ondas e jogar rosas ao mar, mais uma simbologia dos povos de terreiro. A relação com o mar, de respeito, agradecimento por meio de oferendas e pedidos de proteção para a população do axé, principalmente aqueles que envolvem o “orí”, a cabeça, também são utilizados por não praticantes das regiões de matriz africana.
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Ações comuns na virada do ano, não? Utilizadas em um momento importante para aqueles que querem marcar um novo tempo, mas que não prestam atenção, não buscam saber a origem ou não reverenciam as tradições ao longo do ano. Sabe-se que a intenção parte muito do que se é dito enquanto origem dos rituais, mas é necessário traçar um paralelo entre a defumação da casa e outras atividades ligadas ao axé em um período específico do ano, em relação às notícias de racismo religioso ao longo do ano inteiro.
Não à toa, nós temos o Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro, que tem sido encarado por praticantes de religiões de matriz africana, principais vítimas de preconceito, como uma data que representa a resistência às ações e simbologias político-religiosas que ainda fortalecem este tipo de violência no país. Uma data que marca dificuldades diárias entre os iniciados no axé, que pedem por respeito ao dizerem que cultua-se o demônio – símbolo do cristianismo -, ao usarem suas roupas sacerdotais, ao escutarem que o Deus de outra religião é melhor ou o mais correto.
A resistência para manter elementos fundamentais da cultura negra, como as religiões, é constante e perpassa épocas, mas o trabalho de mantê-las vivas e respeitadas não pode ser um trabalho unilateral. O reconhecimento que estamos tratando de um país racista, que embranquece as tradições e, até nos mais sutis atos, desvalida as simbologias negras deve ser um exercício contínuo. Talvez este seja o ato de maior valor para quem cultua os orixás e vive o racismo religioso diariamente.
Principalmente em um tempo pautado pelo conservadorismo e o retrocesso político, pilares centrais para se viver em harmonia – algo muito desejado na virada do ano – parecem se dissipar quando, ao longo do ano, a religião é ferramenta usada para reprimir o outro. Que, neste novo ano e durante a virada os desejos possam ser carregados de boas intenções, mas, sobretudo, consciência. Orixá é natureza, segue por onde a gente estiver e no tempo que for. Assim, para esse novo ciclo, mesmo que não creia, respeite o sagrado alheio que o (a) cerca.
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