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“Apps e afetividade: a experiência de uma mulher negra no Facebook Dating

13 de junho de 2019

Triscila Oliveira é ciberativista e relatou ao Alma Preta a sua experiência acerca da afetividade negra na nova ferramenta

Texto / Redação | Imagem / EBC | Edição | Simone Freire

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O Facebook lançou, recentemente, o Facebook Daiting, uma plataforma de relacionamento que funciona dentro do aplicativo. Uma espécie de Tinder do Facebook, que fica em um ambiente paralelo onde usuários podem criar um perfil exclusivo com fotos, informações pessoais e preferências em relacionamentos.

Mulher negra e ciberativista, Triscila Oliveira fez uma experiência com a nova plataforma e relatou ao Alma Preta suas observações em relação ao aspecto racial da plataforma.

“Esse experimento, ainda que microscópico, revela como o plano eugênico ainda está funcionando a todo vapor no Brasil atual”, diz.

Confira seu depoimento:

Meu nome é Triscila Oliveira, sou ciberativista há alguns anos, dona do perfil @afemme1 no Instagram onde abordo política, feminismo interseccional, negritude e outras pautas sociais.

Usando a nova ferramenta do Facebook, o Dating, fiz um experimento acerca da afetividade negra onde usei apenas dois critérios: homens negros e dentro da faixa etária de 28 a 40 anos de idade, afim apenas de permanecer numa média com a minha idade que é 34 anos dentro do estado do Rio de Janeiro.

Usei essa selfie minha, onde a luz incide deixando a tonalidade da minha pele alguns tons mais claros, não foi proposital, apenas uma foto que gostei, e assim essa luz trouxe a tona outro debate acerca do colorismo: na bio não inseri nenhum tipo de especificação do que buscava no aplicativo: “Aquela sonhadora nerd, feminista, esquerdista, antirracista & netiflixzera!♉” que poderiam servir pra quebrar o gelo e iniciar o papo.

Então vamos aos números: foram 600 curtidas e destes apenas 72 curtiram de volta, dos quais apenas 25 enviaram mensagem. A maioria me elogiando e, seguido da clássica pergunta, ‘o que busca no app?’ e foi geralmente aí que a conversa que mal se iniciou já começava a agonizar.

WhatsApp Image 2019 06 07 at 1Todos os 25 homens que me curtiram buscavam apenas sexo, MAS que até namorariam se eu fosse da mesma cor da foto ou mais clara, e, obviamente, magra já que me pediram foto de corpo inteiro, coisa que eles fazem questão de postar. Fotos sem camisa e de sunga é quase uma regra, alguns beirando o erotismo… sigamos…

No Dating é possível iniciar um bate-papo sem curtir o perfil da pessoa, logo, 55 homens negros entraram em contato, alguns enviando o username de sua rede social ou o número de whatsapp; outros fizeram questão de se gabar de seus bens materiais, já outros deixavam claro na bio sua preferência apenas por “loiros e morenas”.
Já estes aqui, eu preciso destacar, apenas 12 citaram seus filhos e seus feitos profissionais e/ou acadêmicos, e, o interesse de nos conhecermos fora da rede.

O que realmente impressiona é como esses homens não sabem falar de si mesmos, citar suas qualidades (para além de seus dotes sexuais) e reconhecer seus defeitos, e é exatamente nessa lacuna de autoconhecimento que o conceito frágil de masculinidade molda o indivíduo.

Os brancos, quase como um clichê, me curtiram bastante e entraram em contato em números muito superiores do que os pretos, alvo do meu experimento, foram 167 homens de todas as idades e com todo tipo de abordagem e as propostas mais indecentes, porém um ponto em comum a hiperssexualização.

A TODOS os homens que entraram em contato comigo, perguntei se estariam interessados em construir um relacionamento e, sem surpresas, a maioria esmagadora das respostas foi um uníssono NÃO. Citaram, obviamente, que a relação dependeria claro do fator da compatibilidade sexual, como se o sexo fosse uma audição, quase que especificamente quando se trata da mulher preta.

Outro ponto em comum entre os brancos e os pretos: ao passo que a conversa evoluía, muitos confessaram serem comprometidos com mulheres brancas ou ‘pardas’, MAS que estavam em relações abertas e até ficavam com mulheres negras…

Enquanto isso, mulheres de forma geral usam de todos os recursos para apresentarem-se, deixando claro suas qualidades, interesses, aspirações, filhos… Por vezes até algumas inseguranças, que são demonstradas nas suas fotos bem produzidas e até editadas.

Esse experimento me trouxe muitas memórias de preterimento, uma triste constatação de como a solidão da mulher negra é uma constante quase imutável, o gênero que faz do homem preto um alvo a cada 23 minutos, também é seu privilégio nas relações afetivas e oprime a mulher preta.

Uma enxurrada de memórias da minha juventude me vinham a cada negativa nas conversas que eram floreadas de várias palavras que eu até estou acostumada: Fofa, bonitinha, gente boa, sincera, mulher f*da, gracinha, “guerreira”, etc.

Eu não preciso ouví-las para saber tudo que sou e tudo que não sou. Só acho uma pena serem usadas dentro desse mecanismo que mantém as pretas num vácuo afetivo, fadando-as à solidão e, muito frequentemente, à relações abusivas, quando têm tanto amor pra dar.

Como militante e feminista, não conseguia parar de pensar nas palavras de bell hooks, que na sua obra “Vivendo de amor” (1994) disse: “A mulher negra não é vista como sujeito para ser amado.”

É gritante ainda como é reproduzido por muitos o mesmo conceito de masculinidade da branquitude que colocou a mulher negra num local de desamor e como mero objeto sexual, reforçando estereótipos excludentes que impactam diretamente na construção do nosso auto amor, auto estima e relações afetivas.

Esse experimento, ainda que microscópico, revela como o plano eugênico ainda está funcionando a todo vapor no Brasil atual e os debates sobre a construção da nossa identidade racial – onde ainda engatinhamos – se chocam num muro de mentes colonizadas que ainda se enxergam pelos olhos da casa grande.

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