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As interpretações da execução de Marielle

19 de março de 2018

Dennis de Oliveira, professor de jornalismo da ECA-USP e integrante da Rede Antirracista Quilombação, fala sobre as interpretações sociais e midiáticas da execução de Marielle Franco

Texto / Dennis de Oliveira
Foto / Mídia Ninja

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) comoveu a sociedade. Milhares de pessoas foram às ruas no dia 15 e o caso ganhou repercussão internacional. Pessoas que compareceram às ruas testemunharam que o clima é de “indignação”.

A banda nazifacista ficou encurralada. O deputado Jair Bolsonaro recolheu-se no silêncio. Aqui e ali apareceram declarações tipo “defensora de bandidos tem que morrer”, mas ficaram nas bolhas da extrema-direita. 

A Rede Globo e toda a mídia hegemônica cobriu amplamente o episódio. Inclusive com atitudes irresponsáveis, como a divulgação do nome da assessora da parlamentar que escapou com vida do atentado, colocando a vida dela em risco. E isto forçou o governo golpista e todo o seu “staff” a se posicionar. Prometem investigar com celeridade o caso, pressionados a dar uma satisfação à opinião pública nacional e internacional.

Os analistas da mídia hegemônica continuam dando escorregadas. A tônica é que o assassinato da vereadora põe em xeque a intervenção militar no Rio de Janeiro. Não pelas críticas que a vereadora fazia, mas por demonstrar que a segurança pública no Rio de Janeiro continua falha. Mas o assassinato de Marielle Franco não é um problema de falha de segurança pública. Não foi um assalto. Não foi um sequestro. Todos os indícios apontam para um crime político.

E é justamente isto que os analistas da mídia hegemônica querem fugir. É fato que o golpe de agosto de 2016 que levou Temer ao poder abriu uma caixa de pandora. O bloco que está no poder junta o que há de mais abjeto na sociedade civil brasileira. Muitos manifestantes de verde-amarelo que defendiam a derrubada da presidenta Dilma faziam apologia à ditadura militar e até a torturadores daquele período. Esta turma faz parte do poder que esta mídia hegemônica apoiou e apoia.

Os argumentos são bizarros. O primeiro que vou citar aqui é do Josias de Souza, do portal UOL. Diz ele em sua coluna do dia 15 de março, que o assassinato de Marielle é um pavio que ascenderá as mobilizações de rua como foi em 2013. Comparação incorreta. Aumento de 20 centavos no transporte público e PEC 37 não se compara com tirar a vida de uma liderança feminina, negra e da periferia. A identificação com as bandeiras e a postura de Marielle não é a mesma que levou pessoas para as ruas em 2013. Ela era uma das raríssimas vozes representativas dos guetos periféricos nos parlamentos que foi calada de forma violenta.

Os manifestantes identificados com Marielle sentiram que suas vozes também foram caladas. Por isto, as consequências deste fato serão bem diferentes do que ocorreu em 2013. Principalmente porque se somam a uma crescente insatisfação da população da periferia com a situação do país, que está bem somente nas páginas de economia dos jornais da mídia hegemônica. Desemprego, aumento da miserabilidade, corte das políticas públicas e aumento da violência são coisas que já vêm há tempos causando profunda irritação na população. A liderança folgada de Lula nas pesquisas de intenção, não obstante a verdadeira campanha midiática contra ele, é um indicador disso.

Já o jornalista Fernando Rodrigues, do Poder 360, vai na linha que o assassinato de Marielle Franco expôs as falhas da intervenção militar, que demonstrou a sua ineficiência no combate ao crime organizado e que, por conta disto, tornará o tema da “segurança pública” como central na disputa eleitoral. Por isso, considera que o fato foi “disruptivo” no sentido de mudança da agenda pública e da situação do governo Temer. O mesmo enfoque incorreto: tratar o caso como um “problema de segurança pública” e não como consequência da direitização da sociedade cristalizada com o golpe de agosto de 2016.

Estes enfoques decorrem de problemas de enfoque ideológico dos autores e, de quebra, da mídia hegemônica. Primeiro, partir do pressuposto de que o Brasil vive uma “normalidade democrática” o que não é verdade. Exemplos: o uso do lawfare contra Lula, os abusos cometidos pelo Poder Judiciário em vários episódios, o aumento de narrativas nazifacistas e a parcialidade cada vez mais intensa de órgãos, como o STF, cuja presidenta não tem pruridos em receber um presidente da República que está sendo julgado em um encontro privado e fora da agenda oficial e que também topa participar de um jantar bancado por uma transnacional do petróleo. Há tempo que o tal Estado Democrático de Direito foi destroçado no país.

Segundo, que fatos como este assassinato decorrem de um “mau funcionamento” das instituições e não são produtos de uma determinada estrutura política.
Terceiro, aí é de fato uma questão de classe, não entenderem os sentimentos e desejos de quem mora nas periferias e nas quebradas. O pensamento desta população não é o mesmo que é hegemônico na classe média como os jornalistas aqui citados e os seus leitores. O que move o pensamento e os desejos são a sobrevivência e a construção de uma vida digna, que estão sendo ceifadas com o corte de gastos, com a precarização do trabalho via a reforma trabalhista, com a reforma da previdência e com a militarização dos espaços periféricos onde residem. Pouco importa o aumento do PIB de 1,5% e a redução do déficit fiscal se isso foi obtido à custa de desemprego e corte de políticas públicas. Pouco importa as diatribes da República de Curitiba se falta merenda escolar – principalmente quando ficou nítido que os pseudomoralistas do Judiciário querem manter mordomias como o auxílio-moradia de 5 mil reais.

E quando existem poucas vozes representativas destes segmentos sociais nos parlamentos dominados por coronéis, oligarcas, empresários, latifundiários, sacerdotes religiosos, elas são caladas violentamente. É esta indignação que explodiu. Só não percebeu quem continua fazendo “jornalismo” e “análise política” sentado em gabinetes acarpetados e com ar condicionado.

A indignação é contra a perversidade de um Estado que além de fazer passar fome, não quer que se grite que está com fome.

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