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Cinco respostas científicas para acabar com o racismo

2 de junho de 2016

Texto: Zenon Zago / Edição de Imagem: Pedro Borges

O racismo é um fenômeno social que tem como uma de suas ferramentas de manutenção o uso de certos erros conceituais e científicos para promover mitos no imaginário popular, distorcendo a forma como as pessoas encaram a realidade.

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Não sou sociólogo ou estudante de, mas sou estudante de biologia e como futuro professor de ciências (e militante do movimento negro), é esta a contribuição que posso dar para os irmãos que estão na luta constante para desconstruir esse arcabouço de mitos ao qual o racismo tão bem serve na hora de deseducar.

Exemplos de mitos não faltam: “negros tem mais propensão a serem agressivos” ou “negras não necessitam de anestésicos para um parto, já que são mais resistentes a dor”. Esse tipo de percepção de mundo é desumanizador com os negros, reduzindo-os a seres exóticos, selvagens e diferentes – o exato oposto do que a ciência afirma.

Qual a validade do conceito de raça?  Há diferença entre as raças humanas?

A biologia define espécie como os membros de populações que cruzam, ou tem potencial para cruzar. O conceito não se sustenta a partir da similaridade de aparência. Apesar dela ser útil na identificação de espécies, isto não as define. Raça, por outro lado, não se configura como um conceito científico. O que não quer dizer que não exista no tecido social. Por isso, quando tratamos de seres humanos, a nossa proximidade biológica é melhor diferenciada conceitualmente com base nas etnias ou nos grupos étnicos.

Uma população da mesma espécie pode estar dividida em sub-populações que, dado o tempo necessário em ambientes diferentes, vão gerar diferenças aparentes e genéticas nessas sub-populações ao ponto de que em determinado momento perderão a capacidade de cruzar ou se reconhecer como mesma espécie. Um exemplo disso são as subpopulações de chimpanzés no ambiente natural, ainda que também exista um certo número de populações de chimpanzés da mesma espécie com substanciais diferenças aparentes e genéticas.

 

Diferença entre os chimpanzés flutua de 0,3 a 0,7%

Porém, essas tais distinções entre os grupos étnicos podem parecer grandes geneticamente quando olhamos indivíduos de grupos diferentes, mas são pequenas demais para que possamos considerar estas significativas (0,1% entre qualquer Homo sapiensqualquer um, enquanto nos chimpanzés a diferença flutua entre 0,3 e 0,7%). Por isso, é possível afirmar que o que nos separa é ínfimo perto de tudo que nos une como espécie.

Porque existem tantas diferenças na aparência entre as etnias?

Mesmo os seres humanos com uma genética muito similar, não é possível dizer que estes genes não sejam plásticos – os seres humanos em suas migrações conquistaram desde a África até as Américas e parte das regiões polares tendo uma distribuição mundial única entre os animais do planeta. E, apesar da capacidade humana de produzir ferramentas e alterar o seu meio, estas subpopulações em contato com ambientes diferentes foram pressionadas de forma diferente pelo ambiente – selecionando dessa forma dentro da população humana aqueles que tinham características anatômicas e fisiológicas para melhor se adaptar a esse ambientes diversos.  Além disso, é sabido hoje que populações humanas cruzaram com populações do gênero Homo. Exemplo disso são os grupos que ficaram conhecidos como caucasianos, na época em que ambos ainda disputavam território na região da Europa. 

Estas características, que foram as características chave para algumas populações humanas permanecerem em certos locais, são a origem de todas as diferenças de aparência a qual popularmente atribuímos aos grupos étnicos: concentração de melanina na pele, cor e textura do cabelo, altura e acúmulo de gordura especificas, formato do nariz e lábios, desenho dos olhos, entre outras. Todas essas características têm bons motivos relacionados à troca de ar e vapor do corpo, perda ou manutenção do calor do corpo e outros fatores importantes para a sobrevivência.

A maior variação genética dentro da nossa espécie não se encontra entre as etnias mas na diversidade enorme dentro dos grupos da etnia negra, que se dispersaram na África, Ásia e Oceania.

Essas diferenças se refletem no intelecto e nas habilidades inatas?

Não, pelo menos não há nenhum estudo comprovado pela ciência. Uma pessoa com cabelo crespo estará mais protegida do calor na região da cabeça, da mesma maneira que uma pessoa com um acúmulo de gordura sobre o olho chamada “prega mongólica” pode ter maior facilidade para ver claramente em dias muito claros ou em tempestades de areia, do mesmo modo que uma pessoa com grande acúmulo de gordura e músculo retém melhor o calor que uma pessoa longilínea – estas características físicas podem representar sim algumas vantagens em relação ao clima, favorecendo um indivíduo ou outro. Ainda assim, a criação e os estímulos mentais do individuo durante a infância tem muito mais influência em como este desenvolverá suas faculdades mentais do que algo como a etnia – a mente humana é mais plástica do que o corpo.

Estudantes negros, caucasianos e asiáticos têm, teoricamente, a mesma capacidade cerebral para seguir qualquer carreira a qual sentirem mais aptos. O que se percebe cada vez mais é que estes estereótipos e estas conclusões incorretas com roupagens científicas são visões infundadas e simplórias de um mundo onde pessoas de grupos étnicos diferentes passaram por processos sociais e históricos diferentes. Trata-se de uma análise em que a conclusão atravessou o processo de observação das possíveis variáveis existentes, além da própria desconstrução dos valores racistas, infelizmente presentes na forma de ciência como recebemos do mundo ocidental.

Diferentes fenotipias humanas. Obra: Operários – Tarsila do Amaral

O mesmo tipo de análise superficial pode ser visto por pessoas que utilizam alguns dos argumentos que eu usei para se colocar contra as cotas raciais, confundindo uma reparação histórica mínima com algo que desdenhe da inteligência dos estudantes negros – que sim, eu reafirmo, possuem as mesmas capacidades de qualquer estudante de outra etnia, mas não necessariamente as mesmas oportunidades.

Existe, teoricamente, uma etnia superior ou mais “pura” em relação às outras?

Não. Não existe organismo vivo superior ou inferior ao outro. Estes conceitos são subjetivos e não podem ser tratados seriamente como científicos. Enquanto ainda falamos do desenvolvimento das populações humanas sobre a questão de pureza (miscigenar-se com fatores externos), talvez, os negros sejam a única etnia que não cruzou com outras populações do gênero Homo – os caucasianos com o H. neanderthalensis e os asiáticos com os hominídeos chamados de denisovanos.

Links interessantes e referências:

http://www.ib.usp.br/evosite/evo101/VA1BioSpeciesConcept.shtml

http://www.huffingtonpost.com/2015/06/30/racism-race-explained-science-anthropologist_n_7687842.html

http://www.ashg.org/education/pdf/geneticvariation.pdf

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