Em artigo, Pedro Borges, avalia participação da ilha caribenha na contenção do Covid-19 no Brasil e no mundo
Texto / Pedro Borges | Imagem / Karina Zambrana
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Brasil, Itália, Jamaica e China são alguns dos países que pleiteiam ajuda para a medicina cubana diante do coronavírus, o Covid-19. De acordo com informações do Ministério da Saúde, o Brasil pedirá a volta de cerca de cinco mil profissionais do programa Mais Médicos no plano de contenção para a doença.
Durante a atuação no país, entre 2013 e 2019, os médicos da ilha receberam diversos ataques. Os primeiros profissionais que pousaram no Brasil, a maioria negros, foram hostilizados por companheiros de profissão no aeroporto de Fortaleza (CE). Eles, inclusive, chegaram a ser chamados de “escravos” ou “semi-escravos”. Uma coluna do jornal Folha de S. Paulo chegou a descrever a vinda dos médicos como “Avião Negreiro”, em alusão aos navios que traziam escravizados africanos para o Brasil ao longo do período colonial.
Em agosto de 2019, já na Presidência, Jair Bolsonaro chegou a afirmar que os médicos cubanos estavam no país para formar “núcleos de guerrilha”. Além disso, disse que “se os cubanos fossem tão bons assim, teriam salvado a vida de (Hugo) Chávez”, fazendo referência ao ex-presidente da Venezuela, que faleceu por conta de um câncer na região pélvica em 2013.
Apesar dos ataques, Cleber Firmino, médico brasileiro formado pela Escola Latino Americana de Medicina, entre os anos de 2002 e 2008, afirma que a política externa do país caribenho está pautada na solidariedade. Independente do posicionamento de setores conservadores de algumas sociedades e mesmo de governos, a nação socialista tem o objetivo de colaborar com os povos do mundo.
“A política de Estado de Cuba sempre deixou bem clara que não é inimiga de nenhum povo, independente da sua origem. Cuba deixa bem claro que as suas críticas são ao governo dos EUA e não ao seu povo. Cuba não crítica e não condena nenhum povo do mundo”, afirma.
Um dos remédios produzidos pela medicina cubana, o Alfa 2B, uma proteína com o intuito de fortalecer o sistema imunológico, tem sido utilizado para minar o Covid-19. O remédio é um antiviral, responsável pelo tratamento da doença, não uma vacina, como chegou a ser noticiado de maneira equivocada pela imprensa.
Segundo o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia de Cuba (CIGB), existem cerca de 15 países ao redor do mundo interessados na compra do medicamento da nação socialista.
Profissional da área da saúde mental, Cleber Firmino recorda com carinho da formação que teve em Cuba. “Eu tive uma oportunidade ímpar de fazer parte de um projeto, que se chama Projeto Escola Latino Americana de Medicina, que era um projeto que visava encontrar jovens carentes de toda América Latina, África e EUA que tivessem um desejo de estudar medicina, para atuar em lugares onde outros médicos não gostariam ou teriam dificuldade para atuar”, lembra.
Colaboração com os povos do mundo
Referência em ajudas humanitárias, a ilha caribenha tem um histórico de prestar assistência para outros países quando há surto de doenças. Cleber Firmino explica que o país não pode ser recordado apenas pela luta contra o coronavírus. “A história de solidariedade da medicina cubana tem mais de 55 anos. Por que Cuba faz isso? Por solidariedade, por humanismo, por entender que o mundo não tem fronteiras”, diz.
Durante o surto de Ebola, entre 2013 e 2014, que recaiu de maneira mais contundente sobre a África Ocidental, o país enviou 165 profissionais de saúde para enfrentar a epidemia. A doença tirou a vida de mais de 11 mil pessoas.
Na época, Margaret Chan, diretora-geral da OMS, exaltou a atitude adotada pelo país. “Estou muito grata pela generosidade do governo cubano e dos profissionais de saúde que vão fazer a sua parte para ajudar a conter o pior surto de ebola da história. Esta colaboração vai fazer uma diferença significativa em Serra Leoa”, disse.
Programa Mais Médicos
O programa teve início no Brasil em 8 de julho de 2013 durante a gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff. Depois de dois anos de programa, dados do Ministério da Saúde apontavam que o programa garantiu 18.240 médicos em 4.058 municípios, o que representou abrangência em 73% dos municípios brasileiros e nos 34 distritos de saúde indígenas.
O Mais Médicos foi encerrado no dia 1 de agosto de 2019, quando o governo de Jair Bolsonaro iniciou o programa Médicos pelo Brasil. A proposta anunciada pelo atual presidente tem o objetivo de levar profissionais da saúde para o interior do país.
Com o surto do coronavírus, o Ministério da Saúde abriu um edital, na segunda-feira, 16, para garantir a presença de médicos em 1.864 municípios e em 19 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).
O governo brasileiro almejar atingir a marca de recrutar cerca de 5.811 agentes de saúde. Caso as vagas não sejam preenchidas por brasileiros nas duas primeiras chamadas, o Ministério da Saúde convidará agentes de saúde cubanos antes participantes do programa. A expectativa é que os profissionais iniciem o trabalho no início de abril.
Quase metade, 44,5%, dos médicos será enviada para as capitais do país. Os demais serão distribuídos em outros municípios de acordo com o perfil de risco de cada cidade diante do coronavírus.
Cleber Firmino acredita que os médicos cubanos fazem falta no cotidiano brasileiro e devem ter papel fundamental na luta contra o coronavírus, em especial por conta da medicina do país caribenho destacar a importância da atenção básica.
“A principal a lacuna do Brasil está na atenção primária, porque não temos o número necessário de profissionais. No Brasil, esses são cargos transitórios, ou porque está no fim da sua carreira ou porque está iniciando”. […] “A atenção primária no Brasil não dá status, não dá fama e é mal remunerada. Ai que entra os Mais Médicos. É ter uma assistência médica de qualidade onde nosso sistema tem uma grande lacuna. Então fará muita falta, porque seria a porta de entrada do sistema”, completa.
O programa chegou a ser criticado no Brasil pelo fato dos médicos cubanos receberem apenas parte do salário. Daquilo que o governo brasileiro pagava para cada profissional, cerca de 25% a 40% ficava com o médico. O restante ficava com o governo cubano.
De acordo com Cléber, essa é uma lógica difícil de ser entendida no Brasil. Para ele, a ética de trabalho em Cuba não está pautada na meritocracia e no benefício individual do agente de saúde. “Esse dinheiro que é arrecadado pelo Estado é usado no bem-estar de toda a população. Para nós é algo bem contraditório, porque na nossa cabeça se ‘o cara foi lá, individualmente, estudou, se esforçou, se capacitou’ ele deveria ter aqueles bens. É uma outra lógica, que nunca vamos entender. Não conseguimos pensar no esforço para o crescimento do país, coletivo ou do outro”, afirma.