Em 21 de março, dia de combate à discriminação racial, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) concedeu o título de professora emérita à Yvonne Maggie. O Coletivo Negro Carolina de Jesus repudiou a homenagem por conta da posição contrária da professora às cotas raciais na universidade.
Texto / Coletivo Negro Carolina de Jesus
Edição de Imagem / Vinicius Martins
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Yvonne Maggie é uma antropóloga com uma trajetória acadêmica construída sobre a cultura do povo negro. Ganhou renome nos círculos acadêmicos ao pesquisar as religiões de matriz africana. Sua trajetória a levou a se tornar “referência” nacional nas Ciências Sociais para discutir as relações raciais no Brasil. Maggie se encontra em um grupo seleto de pesquisadores dentro da Academia branca e eurocentrada por seus “feitos”, e exatamente por isso ela foi outorgada pela UFRJ com o título de professora emérita da instituição, maior atributo que se pode atingir na vida acadêmica.
Por outro lado, nós do Coletivo Negro Carolina de Jesus não compartilhamos de tais opiniões positivas sobre Yvonne Maggie. Muito pelo contrário, temos a certeza que intelectuais como ela exercem um papel fundamental no epistemicídio contra o povo preto. Do alto de seus títulos e sua “autoridade científica”, ela enquadrou nossa cultura como mero objeto de estudo, a partir da ótica da branquitude, dando continuidade a uma prática historicamente realizada pela academia. Isso nos leva a não ter sentimento algum de gratidão em relação a ela, pois a questão não é só falar sobre nós negros, mas o modo como isso é feito.
Na década passada, Yvonne Maggie decidiu colocar toda sua trajetória a serviço do combate às cotas raciais nas universidades federais, cuja implementação era discutida publicamente. Seu engajamento ocorreu na esfera midiática – tornou-se uma das principais porta-vozes dos grupos anti-cotas com seu blog no portal G1 e em constantes entrevistas para jornais e programas de TV – e também na dimensão acadêmica, ao produzir uma série de artigos que criticavam a eventual implementação dessas políticas.
O centro do argumento defendido por Yvonne Maggie, mas não inaugurado, tão pouco encerrado por ela, é que a realização de políticas públicas baseadas na raça dividiria a sociedade brasileira entre brancos e negros, o que terminaria por instalar o racismo na esfera legal e afundar o país no ódio racial. Essas medidas supostamente não fariam sentido em um país como o Brasil, pois sua população e sua cultura seriam profundamente mestiçadas e as fronteiras que separam brancos de negros seriam borradas, ao contrário de Estados Unidos e África do Sul. Maggie, assim como outros intelectuais brancos, também se utiliza da invalidação do conceito de raça como categoria biológica para tentar afirmar a inexistência do racismo que aflige o povo negro.
Esses argumentos nada mais são que a total negação da realidade, pois estão todos baseados na crença de uma relação histórica de harmonia entre as raças no Brasil, ainda que o povo negro tenha chegado nesse território já no século XVI para ser escravizado pelos brancos. Se houvesse harmonia entre nossos ancestrais e os brancos durante a escravidão, não precisaríamos de quilombos para arrombar a senzala, nem assassinar senhor de engenho!
Oculto a todo o engajamento político de Yvonne Maggie contra a implementação das cotas raciais nas universidades federais está o temor, que não se restringe a ela, de que o negro deixe de ser objeto e passe a ser sujeito na Academia, e que produza um conhecimento não a partir de um olhar colonizador da branquitude, mas a partir de seus próprios referenciais.
Jamais fomos passivos enquanto povo, ao contrario do que pesquisadores como Maggie se esforçaram em afirmar. Esses têm profundo medo de perderem o monopólio sobre o negro na produção de conhecimento científico. E nós temos honra inenarrável em garantir o legado aguerrido e de agência que nos foi concedido por nossos ancestrais!
Tendo em vista tudo isso, consideramos um insulto ao povo negro que a instituição UFRJ decida outorgar Yvonne Maggie com o título de professora emérita. Um insulto maior ainda é escolher a data de 21 de março, dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, para conferir essa honraria para alguém como ela que tentou barrar de todas as formas a entrada de estudantes negros na universidade pública.
Consideramos inclusive que essa iniciativa em tempos de tanto regresso social pode ser contabilizada como mais uma investida contra o povo negro.
O Carolina de Jesus repudia qualquer homenagem feita a Yvonne Maggie, pois nossos passos vem de longe e sabemos quem está contra o povo negro. Maggie jamais será emérita pra nós!