Neste texto, Fernanda Alcantara Pestana, do site Garota dos Quadrinhos, fala sobre suas impressões do Comic Con deste ano
Texto e imagem / Reprodução
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Minha primeira experiência escrevendo para o Minas Nerds foi questionando o número de Cosplays negros e a relação deles com os exemplos tirados da cultura pop, em especial do ponto da representação.
Um ano depois após esta experiência, algumas coisas mudaram. De um lado, novas experiências como mulher negra falando sobre entretenimento me fizeram ter um olhar diferente sobre a Comic Con – e a indústria fonográfica como um todo – e seu papel social no Brasil, algo quase inexistente. Por outro, foram criados mais personagens representativos e muito bem recebidos pelo público.
Neste sentido, é quase impossível ignorar o impacto de Pantera Negra, lançado ainda no início do ano e um dos maiores sucessos não só de 2018, mas de todo o Universo da Marvel. Não mais que de repente, a mídia descobriu que representatividade pode ser rentável (além de “pegar bem” com o publico). Colocar um afrodescendente aqui e ali agora é legal.
Mas, se a representação já é mais inclusiva, cadê os pretos e pretas nerds na Spoiler Night, por exemplo?
A resposta para pode vir de vários caminhos, e muitos deles tem a ver com política. Eu sei, ninguém aguenta mais falar disso esse ano, principalmente depois destas eleições. Prometo não seguir pelo discurso partidário, até porque passaríamos horas aqui (eu digitando, você lendo), mas é preciso entender porque ter palestras sobre “diversidade” não são o suficiente.
Eventos culturais, principalmente aqueles que envolvem uma programação com artistas internacionais são extremamente caros no Brasil – é só ver o valor do Lollapalooza,– e a Comic Con não é exceção. Até o ano passado eu entenderia a justificativa de que “é um espaço limitado e não cabe todo mundo”. Mas diante de uma crise como a de 2018, será que não valeria a pena pensar em políticas de inclusão para realmente conseguir fazer um evento diverso?
Alguns podem ainda dizer “mas isso é o capitalismo”, “tem que pagar mesmo”, “se não tem dinheiro que não vá” e outros impropérios do “bonde da meritocracia”. Aí eu pergunto: se as estandes gastam uma fortuna para expor – e a prova disso é o desaparecimento das pequenas lojas em 2018 e TUDO estava caro demais –, dava pra ter se esforçado mais na questão do consumidor final.
Outro problema destes casos é a ausência de produtores de conteúdo como nós do Minas Nerds que promovemos a diversidade. Já fizemos vários artigos sobre como o machismo está presente no meio geek/nerd e sempre lembramos que não adianta fazer uma programação cheia de mulheres e negros (e mulheres negras até), comunidade LGBTQ+, se o pessoal que vai divulgar e fazer as perguntas nem entende dos assuntos.
Como mulher negra eu já me acostumei em ser a única negra numa sala de imprensa cheia de homens-brancos-héteros. Normalmente sou a “chata da diversidade” em muitos rolês por aí. Mas me sinto particularmente incomodada ao ver coleguinha de profissão entrevistando um Michael B. Jordan – estrela de Pantera Negra e militante contra o racismo – e não perguntar sobre esse tema essencial para se discutir com ele. Sem uma única pessoa negra pra receber o cara.
Não é também sobre falta de negros capacitados pra falar sobre os recortes de raça, gênero ou sexualidade na cultura pop. O Brasil tem 54% de afrodescendentes, e entre os organizadores/apresentadores/entrevistadores da CCXP não tem preto e, se tem, são pessoas que falam não sobre diversidade. Ontem, assistindo ao Game Awards 2018, vi um homem negro ganhar o prêmio de melhor jogador de E-Sports e pensei em um moleque vendo aquilo e não somente se vendo representado, mas participando efetivamente de competições e de eventos como a BGS e a Comic Con. Mas isso não acontece, né, migues?
Eu realmente gostaria que este tipo de reflexão fosse apenas “mi mi mi”, ou que ela não fosse necessária. Queria que ano que vem pudesse falar sobre como tudo isso mudou. Mas até aí também queria que um homem machista, racista e homofóbico não ganhasse as eleições, e veja aonde estamos. Sendo assim, a perspectiva não é das melhores, mas de minha parte, vou continuar insistindo que lugar de negro(as) é aonde a gente quiser, inclusive na Cultura Pop.
*Texto originalmente publicado no site Garota dos Quadrinhos.