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Comissões de heteroidentificação são fundamentais para assegurar políticas de igualdade racial

Estabelecer uma política de controle sobre quem são os sujeitos de direitos das cotas raciais é uma das formas de assegurar que os corpos negros ocupem de fato estes espaços, historicamente a eles negados
Imagem mostra um cartaz escrito "Contra as cotas só racistas"

Foto: Reprodução/Jornal da USP

9 de março de 2024

Por: Delton Aparecido Felipe

Uma análise da política de reserva de vagas para pessoas negras, presente em relatório produzido pela Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU) e apresentado em 30 de agosto de 2022, demonstra que somente sua implementação não foi suficiente para garantir a presença negra nas instituições de ensino superior ou espaços de trabalho acessado por meio de concursos públicos.

No caso das universidades a recorrente tentativa de pessoas socialmente brancas em ocupar de forma indevida as vagas destinadas a pessoas pretas e pardas (negras) fez com que a gestão das instituições, provocadas pelo movimento negro, pela comunidade acadêmica ou por instâncias jurídicas, estabelecessem mecanismos de coibição desta prática por meio de comissões de verificação da autodeclaração étnico-racial, o que chamaremos neste texto de comissões de heteroidentificação.

Considerando que a política de cotas raciais é importante estratégia de promoção a igualdade racial e combate ao racismo no Brasil, garantir a presença da população negra a partir do critério raça/cor é essencial para que se efetive tanto a igualdade material como simbólica a toda a população brasileira, considerando para isso, obstáculos históricos. Desta forma, estabelecer uma política de controle sobre quem são os sujeitos de direitos das cotas raciais é uma das formas de assegurar que os corpos negros ocupem de fato estes espaços, historicamente a eles negados.

As comissões de heteroidentificação representam uma estratégia fundamental para a construção da igualdade material e simbólica, uma vez que, espaços como as universidades são marcados por uma “assimetria de presença” ao considerarmos o critério étnico-racial, com uma expressão muito maior de pessoas brancas do que negras e indígenas nas graduações e nas pós-graduações das universidades.  Esta gritante assimetria reflete diretamente no perfil étnico-racial de determinadas profissões, como aquelas consideradas de maior prestígio, status social e valorização salarial, como médicos/as, engenheiros/as, arquitetos/as, dentistas, ocupadas majoritariamente por pessoas brancas.

A inserção de pessoas negras nas universidades por meio das cotas raciais significa para os sujeitos de direitos desta política uma possibilidade real de alcançar uma diversidade de conhecimento e, além disso, de gozar de todas as possibilidades que o espaço acadêmico superior pode proporcionar. Com nível superior completo, as chances de admissão nos melhores postos no mercado de trabalho são muito maiores. Numa sociedade estratificada como a nossa, as chances de ter uma vida com melhores condições econômicas ou romper ciclos intergeracionais de pobreza passam pelas possibilidades e oportunidades de acessar a educação de nível superior.

Ao verificar, por meio das comissões heteroidentificação, se a pessoa que está se candidatando a reserva de vagas é realmente o sujeito da política, os gestores das ações afirmativas, além de cumprir a lei, estão ampliando as possibilidades de acesso ao ensino superior ao serviço público dos grupos e historicamente discriminados por causa da sua raça/cor. 

É importante entender que em nenhum momento, ao se instituir as comissões de heteroidentificação, está sendo descartada a autodeclaração do/a candidato/a, uma vez que dentre os aspectos positivos desse modo de identificação racial, destaca-se o seu papel no que tange à percepção do próprio indivíduo sobre a sua identidade. Porém, a investigação das ocupações indevidas das vagas e imposição de sanções são procedimentos importantes para garantir que a finalidade das focalizadas da população negra seja cumprida que é o combate ao racismo e a promoção da igualdade racial em um país em que as oportunidades são menores dependendo da raça/cor da pessoa, visto que o racismo no Brasil tem as características de aparência (fenótipo) como elementos centrais.

Delton Aparecido Felipe é Professor Doutor da Universidade Estadual de Maringá – Paraná; Diretor da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) e Pesquisador Visitante da Escola de Direito da FGV – SP. Em parecia com a professora Fernanda Lima da UNESC é autor do livro Cotas Raciais: Gestão, Implementação e Permanência (2022).

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