Texto: Conaq / Edição de Imagem:
Um olhar sobre lideranças quilombolas a partir do filme Dandaras- a Força da Mulher Quilombola
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O filme Dandaras- A Força da Mulher Quilombola é um documentário em curta-metragem que apresenta as histórias de cinco lideranças quilombolas do Estado de Minas Gerais. O filme se dedica a ouvir os discursos destas mulheres sobre suas trajetórias de engajamento. Através das narrativas das próprias protagonistas, são abordados temas como a violência contra a mulher, racismo e dificuldades de acesso a direitos.
O argumento de fundo de Dandaras é o empoderamento da mulher negra e quilombola. Assim, apresentamos mulheres refletindo sobre seus processos pessoais de descoberta da liderança. Dentre outros temas, os discursos das quilombolas nos faz refletir sobre transmissão de conhecimentos, coletividade feminina e também sobre ancestralidade.
Dandaras foi lançado on-line em novembro de 2015, integrando-se a uma série de ações feitas em diferentes setores da sociedade para a 1ª Marcha Nacional das Mulheres Negras. O filme teve grande número de acessos no youtube e segue sendo divulgado por diversas ongs, coletivos de mulheres negras, órgãos públicos e outros grupos que trabalham com pautas convergentes aos temas das mulheres negras e do povo quilombola.
Dandaras é uma produção espontânea e independente das realizadoras e antropólogas Ana Carolina Fernandes e Amaralina Fernandes. Em parceria com a CONAQ-Mulher, Dandaras já foi exibido em oficinas formativas de mulheres quilombolas, alcançando mais ainda seu principal público: as mulheres quilombolas e mulheres negras. Neste mês de julho, dentre outros eventos, Dandaras será exibido no Festival Latinidades, o maior festival de cultura da mulher afro-caribenha (dia 27, as 14 horas no Museu Nacional de Brasília); e também estará presente na segunda oficina formativa da CONAQ-Mulher, que acontecerá no quilombo de Tapuio no estado do Piauí, entre os dias 06 e 09.
Abaixo compartilhamos algumas reflexões sobre as lideranças quilombolas, partindo de importantes representantes históricas até chegar aos dias de hoje, para nossas protagonistas de Dandaras.
As mulheres quilombolas podem ser vistas como grandes responsáveis pela transmissão da tradição e da memória quilombola.
Não estamos falando de algo novo. Ao longo da história do povo negro e do povo quilombola, as mulheres ocuparam posições de liderança essenciais na manutenção das práticas culturais e também religiosas do povo negro, colaborando assim para a manutenção e proteção de suas comunidades.
O que vemos mudar hoje, aos poucos, é um progressivo reconhecimento destes engajamentos femininos e quilombolas.
Trazemos como exemplo algumas histórias de mulheres negras e quilombolas que foram importantes referências de resistência. Como a mítica Dandara dos Palmares, capoeirista, combativa, companheira de Zumbi. O exemplo de liderança de Dandara é daquela mulher que se projeta, vai a guerra e lidera seu povo.
Contemporâneas a Dandara temos várias outras mulheres quilombolas que viveram diferentes maneiras de liderar, todas muito importantes para o povo quilombola. A princesa Aqualtune, avó de Zumbi, que foi princesa do Congo e aqui no Brasil contribuiu na resistência histórica do povo de Palmares, passando seus conhecimentos políticos, organizacionais e estratégicos, é outro exemplo. Ainda no universo de Palmares, temos a figura da sábia Acotirene, grande conselheira do quilombo, procurada e respeitada por todas as lideranças pelo seu poderoso poder de fala e “ajuizança” do conselho.
É importante que percebamos as diversas maneiras de liderar e, assim, fortalecer a luta quilombola. Vários conhecimentos são importantes, vários perfis de mulheres são necessários.
Palmares sempre é um forte exemplo de lugar onde encontramos a resistência da figura feminina quilombola. Mas também devemos lembrar de outras figuras históricas, como Luisa Mahim, líder do povo Malê, quitandeira, ex-escravizada e considerada em sua época a “Rainha da Bahia”. Sábia estrategista, Luisa Mahim foi uma das principais lideranças da Insurreição Baiana.
Lembremos ainda de Tia Ciata, que na pequena áfrica do Rio de Janeiro, foi Mãe de Santo, protetora do povo negro e incentivadora de sua cultura. Tia Ciata fez de sua casa um dos principais lugares onde o povo negro podia se expressar e ter contato com sua cultura, religião e história.
Outro exemplo é Mãe Senhora, importante yalorixá da Bahia no sec. XX. Ela que tinha grande circulação política e utilizava disso para a defesa de seu povo, assegurando a proteção dos espaços de transmissão da tradição da tradição afro-brasileira como o próprio terreiro.
Os exemplos destas mulheres podem ser colocados a um nível de referências ancestrais. Caminhando historicamente, chegaremos às quilombolas de hoje.
Mulheres como as protagonistas do filme Dandaras.
Como Dona Tiana, liderança espiritual e política do povo quilombola mineiro, e do Brasil, há décadas. Dona Tiana está a frente de um dos mais representativos grupos de Congado de Minas Gerais; zela um terreiro de umbanda muito tradicional em sua própria casa, e foi uma das fundadoras da Federação N’Golo, associação representativa dos quilombolas mineiros. Dona Tiana, que já possui uma família extensa, a partir de suas atividades na causa quilombola acabou se tornando a mãe de todos.
Uma das herdeiras da luta de Mãe Tiana, sua filha Sandra- que também protagoniza o documentário-nvem se colocando como uma das principais representantes na mobilização pelos direitos quilombolas nos meios políticos, jurídicos e institucionais.
Dos quilombos apresentados no filme, ainda temos a figura de Tia Domingas, no quilombo Chacrinha dos Pretos. A tia, filha de escravizados, foi grande herdeira dos conhecimentos daqueles que “vieram antes”, firmando-se como conhecedora dos rituais, das canções e das rezas.
Tia Domingas viveu exercendo seu papel de mestra e transmitindo seus conhecimentos para seus parentes, encontrando na sobrinha Tuquinha, a liderança atual, uma de suas principais aprendizes. Através das canções e das rezas que Tia Domingas ensinava, o que se promovia era o acesso ao passado ancestral. Um contato com uma memória sempre resiliente que se expressa nos sentimentos, nos corpos e na moral do povo quilombola, conformando assim sua identidade.
No quilombo de Mato do Tição, as imagens de mulheres líderes também são relevantes, sendo suas principais referências as figuras de Tia Tança e Dona Divina. Dona Divina assegura o equilíbrio espiritual da comunidade, e promove todos os anos a festa de São João, dentre outras celebrações centrais. Tia Tança é lembrada como uma mulher guerreira, e estas são as principais referências femininas para Marilene, uma de nossas protagonistas e liderança de seu quilombo.
A força e inspiração presente em todas essas mulheres, encontramos também em Goreth, liderança no Quilombo dos Arturos. Sua participação central para a realização das celebrações religiosas da comunidade, é também uma representação simbólica da sua posição de destaque na luta política dos Arturos pela defesa do direito de viverem plenamente sua cultura e contarem a sua própria história, nos seus próprios termos.
A transmissão da cultura e da memória entre o povo quilombola se faz principalmente na vivência, nas práticas de ver, ouvir e fazer. O conhecimento religioso, o conhecimento político e o conhecimento das expressões culturais são todos importantes na resistência cotidiana que as mulheres quilombolas são as grandes protagonistas.
O feminismo negro e quilombola não opera em uma lógica individualista. A ideia de grupo, de povo, é muito forte. Não é raro ouvir destas figuras, lideranças quilombolas, a expressão “Nosso Povo”, demonstrando assim que a luta quilombola é um projeto de emancipação coletiva, forte, imensurável e também ancestral. É necessário valorizar o modo de pensamento quilombola, observar suas sutilezas e diferenças, evitando o epistemicídio.
A luta das mulheres quilombolas ainda tem muitas batalhas a vencer, como a superação do machismo em toda a sociedade e em suas próprias comunidades, a eliminação do racismo, o fim da violência contra a mulher e a titulação de suas terras tradicionalmente ocupadas. Juntas com outras mulheres negras e com outras e outros aliados, elas seguem resistindo nestas batalhas e fazendo história.
Como diria Mãe Tiana, “ e se as mulher unir mesmo…ê!!”
Autoras:
Ana Carolina e Amaralina Fernandes
Parceria:
CONAQ- Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
Referência Bibliográfica
Werneck, J. (2010). . Nossos passos vêm de longe! Movimentos de mulheres negras e estratégias políticas contra o sexismo e o racismo. Revista Da ABPN