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Defensores do atacante uruguaio Cavani tentam justificar o injustificável ao desencorajar luta antirracista

Manchester United's Edinson Cavani during the English Premier League soccer match between Manchester Utd and Wolverhampton Wanderers at Old Trafford stadium in Manchester, England, Tuesday,Dec. 29, 2020. (Martin Rickett, Pool via AP)

Foto: Manchester United's Edinson Cavani during the English Premier League soccer match between Manchester Utd and Wolverhampton Wanderers at Old Trafford stadium in Manchester, England, Tuesday,Dec. 29, 2020. (Martin Rickett, Pool via AP)

6 de janeiro de 2021

 A ideia é tentar provar que a expressão “negrito” não tem conotação racista; clube não contesta, porém, cita “afetuoso agradecimento”

Texto: Juca Guimarães | Imagem: Martin Rickett

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Será que é possível ser racista em uma língua e em outra não? Será que é o racista que decide quando é ou não é racismo, de acordo com a própria conveniência? O futebol é um esporte que capta corações e mentes ao redor do mundo e nos últimos anos tem demonstrado um grande esforço na luta antirracismo.

Multas, punições e campanhas contra a alienação mental e falsa ideologia de superioridade racial são a base do combate ao racismo no futebol, expressado em atitudes, gestos, ofensas e modo diferenciado de tratamento.

No futebol inglês, a Football Association multou em R$ 700 mil e deu três jogos de suspensão para o atacante uruguaio Edinson Cavani, 33 anos, da equipe do Manchester United por ter escrito “Obrigado, negrito” em resposta a um seguidor em rede social.

A liga explicou que o comentário foi “impróprio”, “abusivo” e trouxe “descrédito” ao jogo. A equipe do jogador uruguaio também se manifestou dizendo que “apesar de sua crença sincera de que estava simplesmente enviando um afetuoso agradecimento em resposta a uma mensagem de parabéns de um amigo próximo, ele [o jogador Cavani] optou por não contestar a acusação por respeito e solidariedade à Football Association e à luta contra o racismo no futebol”.

O que poderia ser um grande aprendizado sobre as nuances do racismo estrutural e como a falsa ideia de cordialidade ainda é transpassada por preconceitos se transformou em um embate fervoroso no Uruguai para justificar o injustificável. Cavani é ídolo da seleção uruguaia e vai completar 34 anos em fevereiro. Ele joga na seleção desde 2006 e marcou mais de 90 gols.

O advogado negro Marcelo Carvalho, diretor do Observatório do Racismo no Futebol foi procurado pela imprensa estrangeira para comentar sobre o caso. “Um jornalista uruguaio perguntou a minha opinião para tentar minimizar o caso e buscar referências para que o jogador não fosse punido. Eu respondi que não há como criticar a liga inglesa. Eles julgaram de acordo com um parâmetro rígido para que os casos de racismo diminuam, pois na Inglaterra eles são muitos”, conta.

A academia de letras do Uruguai fez uma manifestação pública contestando que a língua falada no país é diferente da língua castelhana falada na Europa e a expressão “negrito” tem outros significados, um deles, por exemplo, é “querido”.

O publicitário Washington Olivetto, que mora em Londres, concorda com a tese de relativizar o contexto em que a expressão foi usada pelo atacante uruguaio. “Evidentemente ser antirracista sempre foi fundamental e é mais fundamental no mundo de hoje, mas isso não significa que para ser antirracista é preciso eliminar fenômenos culturais”, pondera.

Por outro lado, o diretor do Observatório do Racismo no Futebol lembra que a flexibilização sobre as manifestações de cunho racista coloca em xeque o propósito de erradicação do racismo no esporte.

“O pano de fundo da manifestação da academia de letras do Uruguai é a posição de pessoas brancas tentando apresentar argumentos para diminuir uma luta. Vejo pessoas brancas falando que a punição foi dura e que não é racismo, mas não vi pessoas negras dizendo que a decisão foi injusta”, avalia.

De 2014 a 2019, houve um aumento de 235% no número de casos de preconceito envolvendo jogadores de futebol brasileiros, segundo relatório do Observatório da Discriminação Racial.

Em 20 de dezembro de 2020, o jogador Gerson, do Flamengo, ouviu do meia Ramírez, do Bahia, a frase “Cala a boca, negro” em um jogo do Campeonato Brasileiro. No mesmo mês, na cidade de Caldas Novas (Goiás), Luiz Eduardo, de 11 anos, chorou após uma partida da liga infantil porque o técnico da equipe adversária gritava “fecha o preto aí, fecha o preto aí”.

Mais recentemente, tivemos o primeiro caso de racismo de 2021, quando no sábado de 2 de janeiro, pela Série C do campeonato brasileiro, um dirigente do Vila Nova chamou um atleta do Brusque FC de macaco.

No caso de Cavani, ele já cumpriu um dos três jogos de suspensão. A multa da liga inglesa para casos de racismo é muito maior do que a média dos valores aplicados como punição no Brasil, quando essas punições acontecem.

“A multa faz com que as pessoas discutam o tema. Numa sociedade extremamente racista, é uma tendência que a opinião média fique a favor do racismo. Tipo, eu sou antirracista e precisa pegar pesado para não acontecer, mas até um ponto. Então, quando tem uma punição pesada, as pessoas dizem que a luta está indo além, mas quem é que determina isso? É algo muito louco isso”, salienta Carvalho.

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