A pandemia ameaça criar uma geração perdida de jovens: o desemprego já atinge 29,8% dessa parcela significativa da população brasileira, segundo os dados do IBGE sobre 2020. No ano em que o coronavírus nos encurralou, nós amargamos a maior taxa anual desde os distantes 2012. Está claro que a ameaça da covid-19 ampliou o drama, mas tem coisa muito errada nessa fita. Quando podemos ser criativos, produtivos e participativos, as oportunidades minguam e as portas se fecham. Não há recém-chegado que resista a tamanha indiferença por parte de quem deveria ofertar amparo e políticas de proteção efetivas. Precisamos falar sobre responsabilidades. E não se trata mais dos nossos pais.
As estatísticas confirmam a realidade crua que a juventude desalentada encara no dia a dia. E não há festa nem baile – se permitidos fossem – que nos acalente. Se falta trabalho, independentemente de gênero, na distribuição por cor, a cota de ocupação reservada aos pretos é ainda menor: 17,2%, acima da média nacional. Não é coincidência que esse vasto grupo que parte do país teima em ignorar esteja exatamente mais presente nas faixas de pobreza e extrema pobreza. Menos coincidência ainda é que esse vasto grupo seja exatamente o que habita grotões, favelas e periferias com maior frequência.
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Em 2019, presidi a Comissão Especial da Juventude na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A tarefa era mapear as reais condições em que vivem os jovens fluminenses, conhecer as suas estratégias de formação e sobrevivência, descobrir dificuldades e iniciativas, ajudar a estabelecer conexões entre quem está à margem com as instituições que podem promover alguma mudança. Nas conversas que se desenrolaram pelo território fluminense, descobri sonhos de quem nasceu sem privilégios, formação e trabalho eram os principais entre todos.
Agora, a pandemia em escalada de casos e mortes deixa essa parcela da população em espera precária e sem perspectiva de ocupação que garanta um sustento digno: jovens artistas, jovens com curso técnico, jovens universitários, jovens com diploma, jovens sem curso algum, jovens sem profissão. Todos paralisados pelo descontrole de quem deveria nos dar o exemplo de como enfrentar crises, fornecer as ferramentas para superar a pior crise. De novo, não estou falando dos nossos pais.
O Plano Nacional de Educação (PNE) tem como meta levar 33% dos jovens de 18 a 24 anos ao ensino superior até 2024. Os jovens brancos ja chegaram lá, enquanto apenas 18% dos jovens negros ocupem uma vaga em universidade. Não à toa, além da formação escassa e da falta de ocupação, ou em consequência delas, o medo e o estresse assombram quem tem entre 18 e 30 anos, os últimos na fila da vacina contra a Covid-19, única esperança nesse pandemônio em que pretos e pardos são as maiores vítimas. A fila não anda, as doses não chegam, o governo não dá qualquer satisfação.
O que será que será se o desamparo às juventudes não saltar aos olhos de quem precisa enxergar? Vamos mesmo correr o risco de perdê-las? Desalento também mata. O peso na consciência depois, acreditem os que tirarem o pé nesse momento de maior necessidade de mãos dadas por alternativas, não paga. Que venha o exemplo de que é mesmo possível cumprir a meta de amadurecer sem perder a ternura.
Dani Monteiro é deputada estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL e é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj.
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