Desde 2008 a ONU estabeleceu 19 de junho como Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme (DF), uma das doenças hematológicas genéticas e hereditárias mais comuns no mundo, com, aproximadamente, 6,4 milhões de pessoas acometidas e 400 mil nascidos vivos anualmente. No Brasil, atinge majoritariamente a população negra, o que potencializa o risco de adoecer e morrer por Covid-19.
A DF não compõe o rol de doenças negligenciadas definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas é possível refletir sobre indicadores de negligência política, econômica e científica pela falta de priorização na agenda de saúde. Trata-se de uma negligência histórica, que apenas se intensifica neste momento de pandemia.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Estudos do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, mostraram que pessoas com doença falciforme apresentam um quadro de agravamento clínico em todos os órgãos, particularmente no aparelho respiratório. Significa dizer que pessoas com doença falciforme podem desenvolver o quadro mais grave quando contaminadas pelo coronavírus.
Lamentavelmente, no Brasil, não existe um painel de monitoramento para os casos com DF e Covid-19, diferentemente da experiência estadunidense, onde uma rede colaborativa mundial de profissionais de saúde, que atendem pessoas com doença falciforme, registram e monitoram os casos confirmados de Covid-19. Ao fazer o monitoramento, produzem dados e informações, fundamental para elaboração de políticas públicas.
Nosso PNI, o Plano Nacional de Imunização, traz a doença falciforme como comorbidade prioritária para a vacinação. No entanto, percebe-se que não há detalhamento na sua descrição. A doença falciforme é apresentada como doença rara, o que é um grande equívoco na realidade brasileira.
Leia também: Anemia falciforme, doença mais comum em negros, é fator de risco da Covid-19
A imunização precisa ser garantida às pessoas com DF, já que é a única estratégia eficaz para evitar a contaminação ou ainda mitigar os efeitos da Covid-19. Mas, se descontextualizada do perfil racial, do risco de adoecimento e morte e pautada exclusivamente no critério etário chancela uma injusta desvantagem, a começar pela expectativa de vida, que é menor. A faixa etária entre 18 e 35 anos demanda maior necessidade de cuidado. A vacina deveria ser ofertada para todos (as) acima de 18 anos assim como se fez para outra doença genética, a Síndrome de Down. Esta desigualdade mostra as nuances do racismo estrutural.
Ter o PNI apenas como uma diretriz e sem coordenação nacional efetiva na campanha de vacinação, estados e municípios por contra própria definem suas ações, que conforme as realidades locais, podem estimular a não priorização da vacinação dessas pessoas, dificultando o acesso ou excluindo o direito delas à vacinação, o que é uma ameaça à vida.
O acesso prioritário de pessoas com doença falciforme à vacina é um pleito legítimo pela perspectiva da Equidade, e sobretudo é um Direito Humano pela preservação da vida face ao risco aumentado para as complicações e para o desfecho morte pela Covid-19.
Este artigo é uma produção do GT Racismo/Abrasco com apoio institucional da UNFPA, o Fundo de População das Nações Unidas no Brasil
Altair Lira, membro do GT Racismo/Abrasco – Grupo Temático Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – e mestre em Saúde Coletiva pela UFBA
Clarice Santos Mota, doutora em Ciências Sociais pela UFBA
Márcia Pereira Alves, membro do GT Racismo/Abrasco e docente colaboradora da UFRJ