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Elemento Suspeito: pode o favelado se identificar?

A ideia do elemento suspeito é construída cotidianamente no imaginário e impõe restrições aos corpos negros que circulam na cidade graças ao racismo estrutural

Texto: Itamar Silva | Imagem: Acervo Pessoal

Imagem mostra o ativista e pesquisador Itamar Silva, ele é um homem negro e está com uma camisa vermelha. Ele é o autor deste texto sobre Elemento Suspeito.

20 de maio de 2021

Somos elementos suspeitos. Isso se traduz em mortes como a do mototaxista na Cidade de Deus nesta semana, nos 28 mortos do Jacarezinho, na morte de George Floyd e nas mortes provocadas pelos seguranças privados, como a do Beto no Carrefour, em Porto Alegre, e a do tio e sobrinho no Atakarejo, em Salvador.

Sabendo disso, faço parte da pesquisa “Elemento Suspeito: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro”, reeditada pelo CESec em 2021, vinte anos depois do primeiro estudo sobre o tema. A produção desses dados podem salvar vidas negras. A pesquisa está nas ruas e os dados que comparam as novas dinâmicas de policiamento – que incluem a milicialização da polícia, reconhecimento facial, WhatsApp usado para enviar fotos de suspeitos – e as de duas décadas atrás serão divulgados no fim deste ano.

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A ideia do elemento suspeito é construída cotidianamente no imaginário e impõe restrições aos corpos negros que circulam na cidade graças ao racismo estrutural. As mães expressam, dolorosamente, sua preocupação com o que isso pode significar para seus filhos:

“Meu filho, aonde você vai? Pra praia! Deste jeito não, vai trocar de camisa e botar uma bermuda melhorzinha. Tá com dinheiro no bolso? Sabe que a polícia tá prendendo gente. Não esquece o documento.”

O ponto é que esta não situação é a norma no Rio de Janeiro e em outras periferias do Brasil. O medo expresso por essa mãe acompanha a maioria das mulheres moradoras de favela, em particular aquelas cujos filhos não são brancos. Os números de mortes e execuções pela ação da polícia não deixam dúvida de quem morre sob a mira daqueles que portam armas e agem em nome do Estado. Os dados publicados pelo Observatório da Segurança, no Relatório A Cor da Violência, em dezembro de 2020, revelam que 86% 1.814 mortos em intervenções policiais no ano anterior eram negros. O tiro não erra o alvo.

Múltiplas reações e novos arranjos sociais e comunitários ocupam o debate público. A produção de indicadores, informações qualificadas, proposta de incidência sobre a formação dos policiais, entre outros aspectos, se juntam à resistência direta de mulheres, mães, e coletivos de jovens que passam a usar a tecnologia dos celulares para desconstruir narrativas oficiais recorrentes e escancaram a intencionalidade e violência das operações policiais em favelas no Rio.

A Chacina do Borel, em 2003, com a execução de quatro jovens pela polícia militar, foi a motivação para a criação do movimento: “Posso me Identificar” – frase dita por uma das vítimas da chacina – que como o “Eu não posso respirar”, de George Floyd, ampliou a luta e criou as condições para a formação da “Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência” que vai se articular com o “Movimento de familiares de vítimas de violência”, conhecido como Movimento de Mães, conquistando maior visibilidade a partir de iniciativas das pessoas diretamente atingidas.

A continuidade da política de enfrentamento, controle do território e combate às drogas, marcas da política de Segurança Pública do Rio de Janeiro, tem contribuído para alimentar no imaginário da cidade a falsa convicção de que a semente do mal está nas favelas, por isso é necessário carta branca para exterminá-la. É esse pacto que permite que as mortes por mãos da polícia nas favelas não produzam uma comoção social capaz de alterar os procedimentos das operações policiais.

Os tiros e as mortes também. Por essa razão sublinho a necessidade de nos pronunciarmos na arena pública, principalmente, pondo em evidência os aspectos raciais que retroalimentam as desigualdades e discriminações em nossa cidade. Nessa perspectiva, a pesquisa Elemento Suspeito pode ser mais uma contribuição efetiva para desentocar o racismo estrutural instalado secularmente nas instituições e na estrutura mental da sociedade brasileira, evidenciando comportamentos e desconstruindo discursos.

Itamar Silva é ativista social, coordenador do Grupo Eco, favela Santa Marta e conselheiro da pesquisa Elemento Suspeito.

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