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Ao tentar mudar os rumos da história para evitar o assassinato do irmão, C.J se torna representante do movimento Black Live Matter e de todos que lutaram e lutam contra o racismo.
Texto / Henrique Oliveira* | Imagem / Divulgação
“A gente se vê ontem” é o novo filme produzido por Spike Lee ,dirigido por Stefon Bristol e roteirizado por Fredrica Bailey, que estreou no último dia 17 na Netflix. O filme é uma adaptação de um curta metragem de mesmo nome feito em 2017, tem como personagens principais os atores Eden Ducan – Smith, no papel de C.J, e Dante Crichlow no papel de Sebastian, interpretando dois estudantes negros interessados por ciência, mais exatamente por viagem no tempo.
Merecidamente o filme presta uma homenagem a obra “De volta para o futuro”, colocando o ator Michael J Fox, no papel do professor de ciências Mr Lockhart. C.J e Sebastian também nos conecta com o filme “Estrelas além do tempo” (2016), ao colocar personagens negros no papel de cientistas, até então, os filmes envolvendo o tema da ficção científica e afins eram dominados por personagens brancos, não só no cinema, mas a própria história invisibilizou o papel dos cientistas negros como é o caso do filme “Estrelas além do tempo.”
Uma questão levantada pelo professor Mr Lockhart a C.J é exatamente o que ela faria se pudesse viajar no tempo e o que ela mudaria. A partir dessa pergunta a trama começa a se desenvolver e a viagem no tempo vai deixar de ser apenas algo vinculado a ciência, para se tornar uma ferramenta de luta contra o racismo.
O irmão de C.J, Calvin Walker, um jovem negro de 19 anos é assassinado por policiais brancos, que estavam perseguindo dois assaltantes. No meio da abordagem policial, Calvin coloca a mão no bolso para puxar o celular, possivelmente para filmar a ação, ao fazer esse movimento, o policial atira duas vezes.
Nesse fato já existe algo altamente simbólico, Calvin Walker foi assassinado na rua Malcolm X, no Brooklyn. O filme estreou na Netflix no dia 17 de maio, dois dias antes da data de nascimento de Malcolm X (19/05/1925).
Spike Lee, produtor do filme “A gente se vê ontem”, também é diretor do filme biográfico de Malcolm X, estrelado por Denzel Washington em 1992, que rendeu duas indicações ao Oscar para Denzel Washington.
Ficção e realidade
A morte de Calvin Walker representa o assassinato de homens negros por policiais brancos nos EUA, em 2018, Stephon Clarck, um homem negro de 22 anos foi assassinado por policiais na Califórnia com 20 tiros. Os policiais acharam que ele estava armado, mas só foi encontrado com ele apenas um celular.
No ano passado, o segurança negro Jemel Roberson foi morto por policiais, após conseguir deter um atirador branco, num bar no subúrbio de Chicago. Quando os policiais chegaram no bar, Jemel Roberson mantinha o atirador deitado no chão, imobilizado, o que foi suficiente para os policiais considerarem Jemel era o suspeito, por justamente ser um homem negro em conflito com um homem branco.
Antes de Calvin Walker ser assassinado, Francies Pierre, um jovem negro de 17 anos já tinha sido morto, resultando em dias de protestos também na região do Brooklyn, o que faz com que o filme abra espaço para o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que luta contra o racismo e a violência policial nos EUA.
Os protestos de rua voltam acontecer para denunciar a violência racial da Polícia, trazendo a existência de uma rotina, de uma violência sistemática, na qual os casos se multiplicam, como se estivéssemos vendo a história se repetir ad eternum, Michael Brown, Eric Garner, ou então Cláudia Ferreira, Marcos Vinicíus, Evaldo Rosa e os 12 jovens negros da Chacina do Cabula, aqui em Salvador (BA).
Além de personagens negros, um latino também faz parte da trama como amigo e colega de Escola de C.J e Sebastian, o porto-riquenho Eduardo (Johnathan Nieves). Nos EUA, hispânicos e negros são mais vulneráveis a serem assassinados, de acordo com a pesquisa GernFoward divulgada em 2016, dois terços dos jovens negros e 40% dos jovens hispânicos, declararam que eles ou alguém que conhecem pessoalmente sofreram perseguição ou violência policial.
Spike Lee, devidamente inspirado em Malcolm X, faz da viagem no tempo aquilo que ele nos ensinou, que na luta contra o racismo atuaremos por qualquer meio necessário, voltar no tempo, portanto, deixa de ser um objetivo científico para C.J e Sebastian e se torna instrumento contra o genocídio.
A viagem no tempo ganha um significado político, que ultrapassa a relação familiar dos personagens. Ao tentar mudar os rumos da história para evitar o assassinato do irmão, C.J se torna representante do movimento Black Live Matter e de todos que lutaram e lutam contra o racismo.
A demarcação entre passado e presente, ontem e hoje na verdade não existe, Spike Lee nos mostra como a violência racial infelizmente é uma história de longa duração. Da mesma forma em que Malcolm X e C.J não estão separados por marcos temporais, como disse o próprio Spike Lee ao receber o Oscar pelo filme “Infiltrado na Klan”, existe uma conexão de 400 anos entre os negros nos EUA e em todo continente americano, com os seus ancestrais que foram trazidos escravizados.
*Henrique Oliveira é historiador e militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/BA.