Para muitos, a ausência dessa representatividade que, também, não aproveitou do acesso a sentimentos nobres como o perdão, constrói uma ponte distante para encontrar a autoaceitação ou o autoconhecimento nessa estrada longa que chamamos de vida
Texto: Ariel Freitas | Imagem: Pxhere
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Eu sei. Você sabe. Eles sabem! E elas também! Quando o assunto é sobre afeto, a última imagem que passa na sua cabeça é de um homem negro, como eu, falando do assunto, né? Esse é o reflexo da sociedade que cultiva a imagem do menino que virou macho antes de crescer o primeiro pelo pubiano. São esses ombros largos, de um jovem que apresenta um sorriso amarelo e “aberto”, que exclusivamente carregam o peso da frase dita no filme Cidade de Deus: eu sou sujeito homem! E eu sei, você sabe, eles sabem e elas também: omi de verdade não chora e nem apresenta sinais de fraquezas. E, com certeza, nesse pacote está incluído o benefício de demonstrar sentimentos nobres, como o de perdão, mesmo que esse privilégio seja para si próprio.
Durante a infância e aos olhos de uma criança pretinha, as esquinas desse mundão são grandes demais! E em cada uma delas, você encontra um sujeito omi, preto igual você, preso nessas correntes que são invisíveis, saca? Seja num boteco do seu bairro, no campo de várzea do morro ou sabem-se lá onde esses becos estreitos o levarão, né? Já que pretos, como eu e você, estão acostumados a conhecer a vida sem uma figura paterna para acompanhar seus passos. Para muitos, a ausência dessa representatividade que, também, não aproveitou do acesso a sentimentos nobres como o perdão, constrói uma ponte distante para encontrar a autoaceitação ou o autoconhecimento nessa estrada longa que chamamos de vida.
Para um homem negro, como eu e você, o auto perdão é muito mais do que um processo ou uma etapa de vida. É a compreensão que tudo que você leu, vivenciou e entendeu sobre as próprias experiências que essas mesmas esquinas mostraram e as telas de cinema e televisão reproduziram estão erradas.
Eu, Ariel Freitas, que já escrevi sobre a dificuldade de homens negros chorarem, do bloqueio de enxergarem a beleza em corpos pretos e outras temáticas que abordem questões afrodescendentes nunca me questionei sobre o aperto que sinto no peito quando quero me desculpar com alguém que machuquei afetivamente.
Você sabe – e sabe muito bem – que mesmo sendo tão puro eu não me livrei dessas correntes também! E, infelizmente, eu tropecei ou gaguejei no momento que era pra dizer: sinto muito, meu bem! Pois, para nós, homens negros, nunca esse tema foi abordado na perspectiva de um pedido de desculpa ou algo mais sereno e do fundo do coração, mas sim, como algo pesado e cheio de angústia e culpa que o faz carregar uma cruz!
E é por essas e outras que acredito que Jesus era um homem negro, como eu, que teve que passar por um processo tão cruel de autocrítica e que só depois da sua morte teve perdão. Como vários “eu” que chegaram até o final deste texto.
Ariel Freitas é jornalista, escritor, ativista e músico.